quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Comentário: "Dogville" (2003)


Se existe um filme que expõe com crueza o caráter volátil da natureza humana, com sua linha confusa entre o inocente e o perverso, ele foi feito por Lars von Trier em 2003. A história (trágica, segundo o narrador) da pequena e fictícia Dogville, em algum ano da década de 1930, pode ser a de qualquer outra cidade real: humana, solidária e, no final das coisas, repulsiva e destruidora. Não é fácil assimilar a mensagem - ou a série de mensagens, dependendo do espectador - que a película se propõe a transmitir sobre a ausência de limites entre bem e mal: todas essas índoles se misturam ou se completam. 

"Dogville", dividido em dez partes como é costume do diretor, trata da chegada da bela e doce Grace (Nicole Kidman) a esse vilarejo no interior dos Estados Unidos. Trata-se de uma mulher que foge supostamente de bandidos e é acolhida secretamente pelo aspirante a escritor Tom Edison (Paul Bettany). Encantado pela jovem, Tom acaba convencendo o restante dos moradores da aldeia a escondê-la, apesar das desconfianças de todos. Grata, Grace se oferece para trabalhar para cada um dos habitantes como forma de "pagamento" pelo silêncio: cuida das crianças de Vera (Patricia Clarkson) e Chuck (Stellan Skarsgard) e lê para o cego Jack McKay (Ben Gazzara), entre outros favores. E no meio disso, Tom Edison apaixona-se cada vez mais por Grace, mas ambos mantêm o romance escondido, como para tentar protegê-la das reações dos demais moradores - na verdade, para proteger a si.

Certo dia surgem cartazes da polícia em Dogville, com a imagem de Grace. É o estopim para que os moradores da pequena cidade comecem a cobrar da jovem refugiada uma dívida maior pelo seu silêncio. Temerosa e sempre condescendente, Grace acaba se tornando alvo do que há de pior em cada um daqueles habitantes: a mesquinhez, a exploração, a arrogância, o assédio moral, a mentira e a violência sexual. Até a inocência das crianças é mera fachada: elas conseguem ser tão ou mais desprezíveis que os adultos de Dogville. O ponto alto do filme é a chegada dos gângsteres de quem Grace tanto se escondera, sua descoberta e um acerto de contas final inesperado.

O que faz o charme de "Dogville" é a leitura que ele permite. Como não há cenários nem locações - como se fosse uma peça teatral sendo gravada, com riscos e desenhos no chão delimitando casas, objetos e plantações -, com poucas coisas reais, pode-se considerar isso como um indício de cumplicidade dos moradores do vilarejo com tudo o que vai se desenrolar durante a trama, principalmente os abusos de caráter sexual. Bacana ainda é ver atores veteranos de peso no elenco, como Lauren Bacall e Philip Baker Hall.

Cada capítulo do filme acrescenta um nível a mais de tensão para quem o assiste. Por conta disso, levei uns quatro dias para terminar de assisti-lo. Pena, ódio, revolta, solidariedade - tudo isso foi se misturando a cada aventura e desventura de Grace, até o final, onde se vê que a alma humana revestida de compaixão pode, sem sutilezas, gerar monstros vingativos e cruéis que nada irão poupar.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Sol, mar e suco de cacau


Uma das coisas que nos chamaram a atenção em Ilhéus foi a beleza de suas praias do perímetro urbano: Praia dos Milionários de onde se pode assistir a decolagem dos aviões do aeroporto Jorge Amado , Praia do Cristo (na qual há uma estátua de Cristo com 7 metros de altura, erguida em meados da década de 1940), Praia do Sul – praticamente ao lado da pousada onde ficamos - e Praia do Norte (esta última mais propícia para a prática do surfe, em razão de suas águas muito agitadas). Há alguns quiosques nos locais, mas nada que comprometa o aspecto quase intocado da região não há calçadão ou ciclovias como nas outras cidades litorâneas.


 Para fora da área urbana, Ilhéus oferece opções diversas de passeios que valem a pena cada centavo pago. Em razão do pouco tempo para curtir a cidade apenas cinco dias -, foi difícil escolher por causa dos atrativos. Optamos então por Camamu, ao norte do município. Ali, chega-se após cerca de duas horas de viagem pela rodovia BR-101 (onde, em certa altura, existe uma placa exigindo atenção dos condutores por ser “travessia de cachaceiros”), embarca-se em uma escuna e pronto! É só curtir a beleza das diversas ilhas existentes com suas praias de águas verdes e relevo peculiar – contando ainda com o bom humor e a ginga dos guias, sempre atenciosos e até cuidadosos com os visitantes mais distraídos com horários.

Os preços para a baixa temporada são muito atrativos – em média, um passeio custa R$ 120 por pessoa, variando por conta do destino. De Ilhéus é possível ir a Morro de São Paulo e Porto Seguro. A empresa organizadora busca os turistas em seus respectivos hoteis no horário combinado – geralmente bem cedo para evitar aquelas correrias comuns em passeios organizados. Dá para se divertir bastante e não é nada tedioso. Pelo contrário! É a oportunidade para conhecer novas pessoas de todas as regiões e com todos os sotaques possíveis.


Alugando-se um carro no aeroporto ou fora dele -, é possível ir a diversos lugares fora da sede municipal, contando para isso com o desejo de conhecer tudo e, claro, um GPS. Foi assim que chegamos a Itacaré, onde ficamos na Praia da Concha, bem ao norte de Ilhéus. Ali, um mirante natural permite uma visão bela daquela região, que ainda possui um farol e guarda um ar de intocabilidade em certos trechos.

Na viagem, a parada é obrigatória em qualquer um dos dois mirantes ao longo da Rodovia do Cacau – como chamam a BA-001, que liga Ilhéus e Itacaré. É um local ótimo para fotografias do belo litoral baiano, rendendo longos minutos de contemplação.


A Praia do Sul acabou sendo nosso principal refúgio até o final da viagem e depois de longos e divertidos dias de passeio. À noite, o vento frio que vem do oceano não intimida quem gosta de caminhadas iluminadas pelo luar. O Jardim Atlântico, bairro que concentra hotéis e pousadas da cidade, se torna o melhor ponto para quem procura tranquilidade.


Destino pouco procurado por amazonenses, Ilhéus merece alguns dias para visita e curtição. Por ser uma cidade em franco desenvolvimento mas que não perdeu aquele ar pacato de vida no interior, vale a pena ser conhecida e apreciada – como o suco de cacau de sabor marcante servido nos restaurante da cidade.

Amada Ilhéus de Amado


A experiência de estar em Ilhéus é fantástica. De um lado, temos a cidade do interior baiano imortalizada pelo escritor Jorge Amado em “Gabriela, cravo e canela”, obra que se sente em cada esquina do Centro Histórico que reúne o bar Vesúvio e o antigo cabaré Bataclan, lugares onde esperamos até encontrar os personagens - Gabriela, Nacib, Jesuíno e tantos outros. Do outro lado, existe a cidade de pouco mais de 182 mil habitantes, segundo estimativa recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dividida em ilhas que lhe deram o nome, sede do município com maior litoral de praias da Bahia, belas e tranquilas, verdadeiros paraísos - a despeito dos problemas comuns de infraestrutura.
 Se Salvador tem o Pelourinho como chamariz de testemunha da história do Brasil, Ilhéus tem o casario colorido nos arredores do Vesúvio de Nacib e do Bataclan de Maria Machadão como marcas da ficção de Jorge Amado baseada em personagens que de fato existiram. Foi no Centro Histórico que começamos nossa visita: pelo Vesúvio, erguido em 1915, está lá, com a estátua de Jorge Amado espiando os frequentadores, um painel de boas vindas de Nacib e Gabriela, fotos de Ilhéus antiga e gravuras dos reais personagens do comerciante turco e da bela morena baiana. Hoje é o point da cidade, com música popular brasileira (de verdade) ao vivo e um cardápio que inclui, em meio aos petiscos comuns de frutos do mar ou carne seca, o sanduíche do Nacib, feito de pão árabe com tabule e queijo, a preços acessíveis.

A poucos metros do bar e restaurante Vesúvio - que vale uma parada indispensável para fotos com a estátua de Jorge Amado -, chegamos ao Bataclan, erguido na década de 1910 e reformado em 2004, cabaré comandado em outras eras por Antônia Machado, a Maria Machadão. A decoração resgata o clima da época dos coronéis e das “meninas da casa”: fotos sensuais, o palco das apresentações, as plumas, os paetês e até o quarto de Maria Machadão, conservado e transformado em memorial aberto à visitação pública, onde o ator José Delmo nos presenteou com uma rápida interpretação da história do ciclo do cacau e da época de mandos e desmandos dos coronéis, do apogeu à queda - algo bem retratado na obra de Jorge Amado. O Bataclan funciona como bar e restaurante, tendo apresentações teatrais nas noites de quarta-feira, onde se resgata o espírito antigo do cabaré.

Fazem parte ainda do acervo histórico que merece ser visitado a Casa de Jorge Amado - na frente da qual há uma estátua do escritor baiano - e o Teatro Municipal de Ilhéus, além da bela e imponente Catedral de São Sebastião, construída na década de 1930, praticamente um ponto de referência de qualquer parte do Centro Histórico da cidade. Na frente da igreja, encontramos um quiosque vende doces e licores de chocolate produzidos pela indústria local, inclusive alguns produtos mais, digamos, picantes para dar de presente, como o “Nacib”, o “Nacibinho” e a “Gabriela”.

Chegando - A viagem de Manaus a Ilhéus é uma verdadeira aventura de conexões. A malha aérea atual permite chegar à cidade baiana a partir de Brasília, com conexão para Salvador e outra de lá para o destino final, ou ainda via Rio de Janeiro. No mínimo, seis horas de viagem. A chegada, no entanto, compensa qualquer cansaço.

Para quem busca hospedagem, há vários hotéis e pousadas na cidade, mas as melhores ficam no bairro Jardim Atlântico, perto do aeroporto Jorge Amado – ficamos na bela pousada Lua e Mar, a menos de dez minutos do terminal aéreo. Ali se concentram pousadas tranquilas, sem grandes agitos, ao lado da Praia do Sul, que vale uma caminhada ao nascer e ao por do sol, ou mesmo à noite. Por ser uma cidade pequena, Ilhéus – garantem os ilheenses – é pacata e extremamente tranquila, mesmo na alta estação, quando até para obter uma mesa no Vesúvio é preciso amargar espera em fila.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

FILMES: "O último trem" (De letzte zug, 2006)

O embarque para Auschwitz: 688 judeus alemães enviados para a morte 

 Em 19 de abril de 1943, 688 judeus remanescentes de Berlim, na Alemanha nazista, foram aprisionados e enviados em vagões de gado para o campo de extermínio de Auschwitz, no sul da Polônia ocupada. Essa viagem infernal com destino à morte é contada em “O último trem” (Der letzte zug), traduzido também como "O último trem para Auschwitz", produção alemã dirigida em 2006 por Joseph Vislmaier e Dana Vávrová.

O trajeto dessas centenas judeus de diversas origens e idades – famílias inteiras, casais jovens, idosos, bebês de colo – é marcado por privações terríveis e ignoradas (e mesmo incentivadas) pelos algozes nazistas, como falta de água e condições sanitárias nos vagões lotados – episódios que se repetiram por toda a Europa nazista durante a Segunda Guerra Mundial com a implementação da Solução Final. O que se passa durante a viagem fatídica é contado do ponto de vista de vários prisioneiros enfurnados em um dos últimos vagões – o jovem casal Henry e Lea Neumann (Gedeon Burkhard e Lale Yavas), sua filha Nina (Lena Beyerling) e o irmãozinho de colo; o ator idoso Jakob Noschik (Han-Jürgen Gilbermann) e sua mulher Gabrielle Hellman (Brigitte Grothum); o casal Albert Rosen (Roman Roth) e Ruth Zilberman (Sibel Kekilli), que tentam inutilmente fugir antes do embarque; o obstetra dr. Friedlich (Juraj Kukura) e sua filha Erika (Sharon Brauner) com o bebê desta; e vários outros personagens unidos pela mesma trágica sorte.

A viagem dos prisioneiros acaba se prolongando por cerca de uma semana, piorando as condições dentro do trem. Além da falta de alimentos e de higiene, a loucura começa a afetar alguns dos aprisionados. No vagão onde a trama se concentra, alguns prisioneiros tentam abrir um buraco no chão aproveitando as longas paradas do trem, na esperança de uma fuga aparentemente impossível, ideia incentivada por Albert Rosen ainda na plataforma de embarque, para a qual atrai Henry Neumann e outros judeus. Serrar as grades do vagão para tentar abrir a porta e permitir a fuga de todos também é uma tentativa desesperada, mesmo sob o risco de caírem sobre os trilhos ou serem baleados pelos guardas nazistas que vigiam os vagões. Em meio ao drama, eles relembram suas vidas antes das perseguições.

A cada estação, os pedidos de piedade são ignorados pela população – principalmente por medo dos nazistas – e levam diversão aos soldados que aproveitam cada apelo para revelar seu sadismo – sob efeito de bebida alcoólica, atiravam a esmo para dentro dos vagões lotados ou matando indistintamente quem se atrevesse a reclamar das privações. Em alguns casos, a água era conseguida quando os prisioneiros, através das brechas dos vagões ou pelas janelas, atiravam seus últimos pertences como forma de pagar pelo líquido.

A monstruosidade de um crime como o Holocausto, nesse filme, aponta fatos que acabam sendo, de um modo comovente, bizarros. Em uma cena, os prisioneiros veem, pelas grades do vagão, soldados armando forcas em uma das estações. Apavorados, aguardam pelo pior, mas ao verem que outros homens judeus foram escolhidos para serem mortos ali, abraçam-se em alegria, mesmo cientes do destino igual que os aguardava no final da linha. Ainda assim, continuam tentando abrir o buraco no chão do vagão após tentarem fugas infrutíferas ou fazerem escolhas terríveis para não enfrentarem as câmaras de gás de Auschwitz: suicídios e assassinato dos próprios familiares.

As viagens nos “trens da morte” durante o Terceiro Reich figuram apenas como sequências em outros filmes sobre o Holocausto, como “A lista de Schindler” e “O pianista”, mas aqui esse transporte macabro é o cenário permanente da história. Entram como personagens não apenas vítimas e algozes, mas pessoas que fizeram parte da engrenagem do extermínio. Um dos maquinistas, mesmo ciente da carga que transporta, parece se conformar, mesmo lamentando as condições às quais os judeus são submetidos, e seu colega, aborrecido, acaba por lhe revelar: fora apaixonado por uma judia que acabara sendo assassinada. Naqueles anos de loucura, até mesmo uma tragédia pessoal se tornava banal.


terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

'O que vimos em Coari foi uma barbárie'

Deputada federal Érika Kokay (PT) - Foto: Raphael Alves/TJAM

Por Isabella Siqueira, jornalista

Integrantes da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que investiga crimes de exploração sexual de crianças e adolescentes no país, presidida pela deputada federal de Brasília, Érika Kokay (PT), desembarcaram pela terceira vez em Manaus, na semana passada, para apurar novas denúncias contra o prefeito do município de Coari, Adail Pinheiro (PRP).
Segundo a parlamentar, o pior quadro de exploração sexual infantil já visto pelos membros da comissão foi em Coari e que mesmo após a prisão do prefeito, a situação na cidade ainda é calamitosa. Durante três dias no Amazonas, a comissão colheu depoimentos de vítimas, cobrou empenho do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), pediu ao Ministério Público do Estado (MPE) intervenção do município, além de realizar audiências públicas sobre o caso em Manaus e também em Coari.
No fim dos trabalhos, Érika Kokay classificou a Justiça do Amazonas de "frouxa" e disparou críticas contra a atuação dos desembargadores do TJAM. "O que se viu naquele município foi cena de barbárie e impunidade. Crianças e adolescentes sendo aliciadas de forma cruel. E o que mais nos espanta é que alguns já veem esse quadro com algo normal. Não iremos mais permitir isso", declarou a presidente.
A expectativa é que os trabalhos da comissão sejam finalizados em setembro, mas até lá a proposta é que o município sofra uma intervenção imediata para que Coari possa voltar a ter sua dignidade.
Confira a entrevista:

Como está o clima no município de Coari?
Érika Kokay - Existe um clima de terror naquela cidade que faz com que nos estejamos apresentando a necessidade de intervenção naquele município. Vi ali a reedição de Luiz 14, que dizia que "O Estado sou e a lei sou". A prisão do prefeito foi insuficiente para que pudéssemos assegurar um processo sem pressão e coação. Temos denúncia de ameaças de pessoas que estão sofrendo represálias porque relataram casos contra o prefeito. Estamos vivendo ali um pisoteamento do Estado Democrático de Direito.

Nesta terceira visita a Coari, como atuou a comissão?
EK - Não podemos ter a máquina publica sendo utilizada para esses fins. Fomos ver desde necessidade de uma intervenção, como também colher novos depoimentos. E nesta ida descobrimos que até mesmo os conselheiros tutelares estão sendo ameaçados. Tivemos conhecimentos de casos em que pessoas ligadas à administração municipal estiveram na sede do Conselho Tutelar para recolher dados de pessoas que estiveram naquele local para prestar denúncias contra o prefeito Adail. Isso é inadmissível. Vemos ali que a cidade continua aprisionada a uma onda de terror e uma concepção de utilizar a máquina pública para assegurar a impunidade e impedir o processo judicial de atuar de forma clara e limpa.

Diante dos trabalhos já executados pela comissão foram encontradas situações piores que as vistas anteriormente?
EK - Eu diria que nunca vimos tanta arrogância da barbárie que está se impondo naquela cidade. Para nós é um caso emblemático. Sabemos que iremos travar uma luta árdua nesta situação, mas iremos provar que a lei e a Justiça deverão prevalecer. De todas as nossas diligências já feitas em todo país nenhuma delas apresentou dados tão alarmantes como os de que Coari.

Esta é a terceira vez que a comissão foi a município, e da última vez que vocês estiveram lá foram hostilizados pela população. Nesta nova visita a recepção foi melhor?
EK - Fomos recepcionados por um clima de muito medo, vimos pessoas emocionadas, coagidas e vários depoentes chegaram a chorar de forma copiosa. Não tivemos manifestações contrárias ao nosso trabalho, mas percebemos que muitos ainda não têm coragem de denunciar essa questão.

Quem são essas pessoas denunciadas?
EK - É uma rede muito grande, que além do próprio prefeito envolve secretários e assessores diretos da gestão municipal que estão utilizando o seu cargo não para contemplar benefícios à população, e sim para assegurar impunidade ao coagir todos aqueles que buscam se opor a essa lógica. O pior é que esse esquema ainda continua. Mas, vamos convocá-las para que todas essas pessoas prestem depoimentos na CPI. Porém, precisamos que haja uma reação do Amazonas, por isso estamos apelando pela intervenção do município.

E quando deverá ser efetivada essa intervenção?
EK - Isso não depende da CPI e sim do Poder Judiciário. Mas vamos procurar provocar isso. Queremos mostrar que é urgente que se faça um processo de enfrentamento a essa barbárie que assola Coari. O nível de ramificação de utilizar a máquina pública em favor da impunidade é tão grande que se não tivermos a intervenção não teremos como recuperar o município.

Após a saída da comissão de Coari como irão ficar as vítimas que prestaram depoimento e agora sofrem ameaças?
EK - Algumas pessoas já estão em programas de proteção e vamos analisar a necessidade de incluir novos nomes. Porém, é preciso que o Estado e o Tribunal de Justiça do Amazonas assegurem a integridade física destas pessoas, que estão vivendo momentos de muita dor.

Quando podemos esperar o resultado da CPI?
EK - Era para o relatório final ser apresentado em maio, mas como surgiram novos fatos acredito que somente em setembro seja concluído.

A comissão já esteve outras duas vezes em Coari para acompanhar casos de pedofilia. Qual o resultado desses trabalhos anteriores?
EK - Percebemos que houve uma mudança da postura do Tribunal de Justiça. Na última vez que estivemos aqui percebemos que os processos estavam parados e dormitando nas gavetas dos julgadores. Temos os processos caminhando e a prisão do Adail e de pessoas ligadas a ele, mas claro que isso ainda é insuficiente.

Outros dois processos que não estão relacionados à questão da pedofilia, mas que envolve o prefeito Adail foram tirados de pauta do julgamento no TJAM porque eles já haviam prescrito. O que a senhora acha dessa morosidade da Justiça?
EK - Quando vemos um processo deste prescrever é uma dor danada, significa que a impunidade e a morosidade estão vencendo e que mais crianças podem estar sendo vitimadas. Isso é uma vergonha.

Qual o apoio da bancada do Amazonas à presença da CPI da Pedofilia no Amazonas?
EK - Nenhuma. Hoje, apenas a deputada Rebecca Garcia que tem participado de nossas atividades. Chegamos a chamar uma reunião com a bancada no ano passado e apenas dois parlamentares apareceram. Os outros alegaram que no mesmo dia em que agendamos esse encontro estavam em uma reunião com a ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais). Justificaram a falta e nunca mais fizeram contato conosco.

NOTA DO BLOGUEIRO: Esta entrevista foi aqui publicada a meu pedido, com autorização da jornalista.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Comentário: "Histórias cruzadas" (The help, 2011)

Skeeter, Minny e Aibileen: exposição de conflitos raciais
Na década de 1960, os movimentos pelos direitos humanos fervilhavam nos Estados Unidos. Na pequena cidade de Jackson, no Mississipi, os negros usam banheiros separados e são segregados no fundo dos ônibus, só conseguem subempregos e são tratados como inferiores pela população branca. Enquanto o fim das barreiras sociais entre as duas raças não chega, a amarga Aibileen (Viola Davis) cuida da casa e da filha pequena – e rejeitada – de Celia Foote (Jessica Chastain), criança a quem direciona todos os cuidados e carinhos que poderia ter dado ao filho, morto aos 24 anos em um acidente de trabalho.

Assim é o ponto de partida de “Histórias cruzadas” (“The help”, EUA, 2011), dirigido por Tate Taylor e que conseguiu grande destaque por concorrer ao Oscar em três categorias (Melhor Filme, Melhor Atriz e duas indicações para Melhor Atriz Coadjuvante) no ano seguinte.

Quando Skeeter (Emma Stone) volta para a cidade, após concluir os estudos em outra localidade, consegue um emprego como redatora de uma coluna sobre dicas domésticas no jornal de Jackson e procura em Aibileen sua fonte de informações. No entanto, a jovem aspirante a jornalista enxerga na empregada de Celia uma chance de tentar algo novo e desafiador para o racista Mississipi: mostrar a situação dos negros na cidade a partir do ponto de vista dos próprios segregados. Assim, vencendo aos poucos a resistência de Aibileen em contar sua própria vida, Skeeter consegue, com o passar dos dias e com novos fatos ligados a conflitos raciais, agregar em seu projeto a resoluta Minny (Octavia Spencer, que levou o Oscar, o Globo de Ouro e outras premiações pelo seu desempenho), que ao ser flagrada por sua patroa, Hilly Halbrook (Bryce Dallas Howard), usando o banheiro dos patrões – o que era uma afronta aos racistas -, é demitida e ainda por cima difamada pela mulher, impedindo-a de obter outro emprego. Nessa empreitada de Skeeter, Hilly será a maior antagonista do grupo, uma hipócrita infeliz e rancorosa que apela a todo momento a uma suposta “superioridade ariana” para inferiorizar os negros.

O mérito do filme é revelar no microcosmo de Jackson todo o fervor de uma era de segregação fadada ao fracasso. Os agitos que marcaram aquela época – a ascensão de Martin Luther King, o assassinato do presidente John Kennedy – são vistos como pano de fundo para a serenidade conformista da pequena cidade do Mississipi. O livro que Skeeter consegue publicar e as consequências dele – não tão favoráveis a todos os envolvidos – é que significam o rompimento com a mentalidade ainda escravagista daquela época. Aibileen aos poucos desperta com o auxílio de Skeeter, estendendo essa conscientização a Minny e, posteriormente, às outras mulheres negras que passam – ou passaram – pela mesma humilhação imposta por causa de sua cor.

Emocionante sem ser piegas e com ótimos lances de comédia por parte da personagem de Octavia Spencer – principalmente o episódio da “torta da vingança” -, “Histórias cruzadas” é um daqueles filmes que deixa o gosto de “quero mais” após a última cena. 

(Publicado no caderno Plateia, jornal Amazonas em Tempo, de 22/12/2013)

VIAGEM: Cabaceiras, PB (06/04/2024)

Pela terceira vez viajei à Paraíba nas férias - e a primeira vez com meu marido Érico -, e essa foi a oportunidade de realizar um sonho, alé...