|
Deputada federal Érika Kokay (PT) - Foto: Raphael Alves/TJAM |
Por Isabella Siqueira, jornalista
Integrantes da Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI), que investiga crimes de exploração
sexual de crianças e adolescentes no país, presidida pela deputada
federal de Brasília, Érika Kokay (PT), desembarcaram pela terceira
vez em Manaus, na semana passada, para apurar novas denúncias contra
o prefeito do município de Coari, Adail Pinheiro (PRP).
Segundo a parlamentar,
o pior quadro de exploração sexual infantil já visto pelos membros
da comissão foi em Coari e que mesmo após a prisão do prefeito, a
situação na cidade ainda é calamitosa. Durante três dias no
Amazonas, a comissão colheu depoimentos de vítimas, cobrou empenho
do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), pediu ao Ministério
Público do Estado (MPE) intervenção do município, além de
realizar audiências públicas sobre o caso em Manaus e também em
Coari.
No fim dos trabalhos,
Érika Kokay classificou a Justiça do Amazonas de "frouxa"
e disparou críticas contra a atuação dos desembargadores do TJAM.
"O que se viu naquele município foi cena de barbárie e
impunidade. Crianças e adolescentes sendo aliciadas de forma cruel.
E o que mais nos espanta é que alguns já veem esse quadro com algo
normal. Não iremos mais permitir isso", declarou a presidente.
A expectativa é que os
trabalhos da comissão sejam finalizados em setembro, mas até lá a
proposta é que o município sofra uma intervenção imediata para
que Coari possa voltar a ter sua dignidade.
Confira a entrevista:
Como está o clima no
município de Coari?
Érika Kokay - Existe
um clima de terror naquela cidade que faz com que nos estejamos
apresentando a necessidade de intervenção naquele município. Vi
ali a reedição de Luiz 14, que dizia que "O Estado sou e a lei
sou". A prisão do prefeito foi insuficiente para que pudéssemos
assegurar um processo sem pressão e coação. Temos denúncia de
ameaças de pessoas que estão sofrendo represálias porque relataram
casos contra o prefeito. Estamos vivendo ali um pisoteamento do
Estado Democrático de Direito.
Nesta terceira visita a
Coari, como atuou a comissão?
EK - Não podemos ter a
máquina publica sendo utilizada para esses fins. Fomos ver desde
necessidade de uma intervenção, como também colher novos
depoimentos. E nesta ida descobrimos que até mesmo os conselheiros
tutelares estão sendo ameaçados. Tivemos conhecimentos de casos em
que pessoas ligadas à administração municipal estiveram na sede do
Conselho Tutelar para recolher dados de pessoas que estiveram naquele
local para prestar denúncias contra o prefeito Adail. Isso é
inadmissível. Vemos ali que a cidade continua aprisionada a uma onda
de terror e uma concepção de utilizar a máquina pública para
assegurar a impunidade e impedir o processo judicial de atuar de
forma clara e limpa.
Diante dos trabalhos já
executados pela comissão foram encontradas situações piores que as
vistas anteriormente?
EK - Eu diria que nunca
vimos tanta arrogância da barbárie que está se impondo naquela
cidade. Para nós é um caso emblemático. Sabemos que iremos travar
uma luta árdua nesta situação, mas iremos provar que a lei e a
Justiça deverão prevalecer. De todas as nossas diligências já
feitas em todo país nenhuma delas apresentou dados tão alarmantes
como os de que Coari.
Esta é a terceira vez
que a comissão foi a município, e da última vez que vocês
estiveram lá foram hostilizados pela população. Nesta nova visita
a recepção foi melhor?
EK - Fomos
recepcionados por um clima de muito medo, vimos pessoas emocionadas,
coagidas e vários depoentes chegaram a chorar de forma copiosa. Não
tivemos manifestações contrárias ao nosso trabalho, mas percebemos
que muitos ainda não têm coragem de denunciar essa questão.
Quem são essas pessoas
denunciadas?
EK - É uma rede muito
grande, que além do próprio prefeito envolve secretários e
assessores diretos da gestão municipal que estão utilizando o seu
cargo não para contemplar benefícios à população, e sim para
assegurar impunidade ao coagir todos aqueles que buscam se opor a
essa lógica. O pior é que esse esquema ainda continua. Mas, vamos
convocá-las para que todas essas pessoas prestem depoimentos na CPI.
Porém, precisamos que haja uma reação do Amazonas, por isso
estamos apelando pela intervenção do município.
E quando deverá ser
efetivada essa intervenção?
EK - Isso não depende
da CPI e sim do Poder Judiciário. Mas vamos procurar provocar isso.
Queremos mostrar que é urgente que se faça um processo de
enfrentamento a essa barbárie que assola Coari. O nível de
ramificação de utilizar a máquina pública em favor da impunidade
é tão grande que se não tivermos a intervenção não teremos como
recuperar o município.
Após a saída da
comissão de Coari como irão ficar as vítimas que prestaram
depoimento e agora sofrem ameaças?
EK - Algumas pessoas já
estão em programas de proteção e vamos analisar a necessidade de
incluir novos nomes. Porém, é preciso que o Estado e o Tribunal de
Justiça do Amazonas assegurem a integridade física destas pessoas,
que estão vivendo momentos de muita dor.
Quando podemos esperar
o resultado da CPI?
EK - Era para o
relatório final ser apresentado em maio, mas como surgiram novos
fatos acredito que somente em setembro seja concluído.
A comissão já esteve
outras duas vezes em Coari para acompanhar casos de pedofilia. Qual o
resultado desses trabalhos anteriores?
EK - Percebemos que
houve uma mudança da postura do Tribunal de Justiça. Na última vez
que estivemos aqui percebemos que os processos estavam parados e
dormitando nas gavetas dos julgadores. Temos os processos caminhando
e a prisão do Adail e de pessoas ligadas a ele, mas claro que isso
ainda é insuficiente.
Outros dois processos
que não estão relacionados à questão da pedofilia, mas que
envolve o prefeito Adail foram tirados de pauta do julgamento no TJAM
porque eles já haviam prescrito. O que a senhora acha dessa
morosidade da Justiça?
EK - Quando vemos um
processo deste prescrever é uma dor danada, significa que a
impunidade e a morosidade estão vencendo e que mais crianças podem
estar sendo vitimadas. Isso é uma vergonha.
Qual o apoio da bancada
do Amazonas à presença da CPI da Pedofilia no Amazonas?
EK - Nenhuma. Hoje,
apenas a deputada Rebecca Garcia que tem participado de nossas
atividades. Chegamos a chamar uma reunião com a bancada no ano
passado e apenas dois parlamentares apareceram. Os outros alegaram
que no mesmo dia em que agendamos esse encontro estavam em uma
reunião com a ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais).
Justificaram a falta e nunca mais fizeram contato conosco.
NOTA DO BLOGUEIRO: Esta entrevista foi aqui publicada a meu pedido, com autorização da jornalista.