Reza a lenda que uma certa figura pública amazonense chamou Machado de Assis de "obsoleto", que havia coisa melhor em termos de livros. Acho que, para ele, literatura é auto-ajuda, biografias de celebridades fúteis, caça-níqueis de personalidades envolvidas em escândalo e coisas desse naipe de gosto mais do que duvidoso.
Tivesse vindo de uma pessoa humilde, sem acesso aos estudos, eu até relevaria. Formação cultural se adquire não só por oportunidade, mas pela iniciativa própria, não importa o nível social. Mas não entrarei nesse mérito. Apenas direi que, em tempos de redes sociais e da exaltação de futilidades e grandes besteiras. Dificilmente se veem discussões a respeito das incertezas sobre a infidelidade de Capitu, da mudança de caráter de Aurélia, das lembranças de Brás Cubas ou da fidelidade das adaptações de Jorge Amado e Nelson Rodrigues. O foco agora é nos falsos heróis de reality shows movidos a baixaria, músicas para masturbadores, barulhos ritmados que tentam contar histórias sem pé nem cabeça, com refrões repletos de obscenidades repetidas até com crianças, com a aquiescência divertida dos pais, em um claro incentivo à sexualização precoce e sem controle, um belo incentivo à pedofilia.
Voltemos ao obsoleto. A dita figura questionou a qualidade de um dos grandes nomes (se não o maior) da literatura brasileira. Há alguns dias redescobri "Dom Casmurro", lido nos tempos de colégio. Não sei se a tal celebridade baré estava se referindo à linguagem extremamente culta de Machado de Assis, à poesia de suas palavras, ao contexto histórico, aos costumes retratados pelo escritor. A seu ver, provavelmente, bons livros são os que têm menos texto e mais imagens, contêm mais erros ortográficos e gramaticais que uma mente sã pode suportar e, acima de tudo, os que não contribuem em simplesmente nada para a formação cultural do leitor.
Tudo bem, cada um tem sua opinião. Que ele goste de Michel Teló, Big Brother, MC Kátia e outros desvios da inteligência humana, é um direito seu. Chamar Machado de Assis de obsoleto, também. Da mesma forma, tenho direito de declarar que usar esse adjetivo é denegrir a formação cultural brasileira. Para avaliar a literatura brasileira atual, é preciso conhecer seus primórdios. Obsoletos não são dignos sequer de um rápido exame. Renegar o texto perfeito de Machado de Assis e de outros escritores daquela época é desrespeitar a memória de nosso país. Então, eu diria à figura pública, bem ao seu nível de entendimento, "obsoleto é o seu avô!". Que, por sinal, deve ter sido um homem extremamente inteligente! O neto, infelizmente...