sábado, 26 de março de 2011

O outro lado (igualmente ruim) da moeda

Manaus ganhou destaque na mídia com o caso do adolescente agredido e baleado por policiais em agosto do ano passado. Coisa triste, retrato de um país que não consegue combater a criminalidade pelo fato de ela estar presente justamente no meio que tem por obrigação proteger a população e manter a ordem.

Aí vem o outro lado da moeda: em matéria no jornal "A Crítica", um promotor informa que, segundo a família do rapaz agredido e ferido, o mesmo não era "nenhum santinho". Consta, inclusive, que o jovem de 14 anos já teria um homicídio de outro adolescente nas costas. O nobre promotor apenas retratou uma nova situação exposta pelos familiares, mas, certamente, para muitos o delinquente apenas teve o que mereceu.

Não adianta falar em direitos humanos ou que, por mais criminoso que fosse, o rapaz não merecia ser abordado e praticamente massacrado daquela maneira. Chegamos a um ponto tal de convivência com a certeza da impunidade que beira a selvageria. Não confiamos na eficiência da segurança pública, daí a justiça pelas próprias mãos e atitudes mostradas como a dos policiais serem até mesmo aplaudidas.

Esses dois lados da história são ruins. De um lado, policiais que podem abordar e agredir qualquer um pela mínima suspeita. Sinceramente, não creio que sejam punidos. Expulsá-los da Polícia Militar só vai aumentar os números da criminalidade. De repente podem se tornar pistoleiros, seguranças de traficantes. O bom seria que pagassem pelo que fizeram e seguissem adiante em uma vida honesta. Há esperança para tudo. Mas há muita coisa nisso que renderia uma bela série de reportagens - falta de incentivo, maus critérios para seleção, inexistência de condições de trabalho e assim por diante.
Do outro lado, o fato de o jovem supostamente já ser enredado no mundo do crime. Temos certeza da impunidade, porque o adolescente infrator é protegido por lei e pela maioridade penal. Em breve, se realmente for um criminoso, estará de volta à "ativa", transtornando sua família e aumentando a insegurança. E seu destino será, com certeza, o de vários adolescentes arrastados para a criminalidade: uma sepultura de indigente, no mínimo. Por isso acontecem os aplausos a uma atitude como aquelas dos policiais.

Despreparo para lidar com o crime, de um lado, e impunidade que pode incentivar a criminalidade, do outro. Por isso aquele famoso adolescente de São Paulo tem tantas passagens por delegacias e continua encantando com o submundo do crime. Há algum tempo, houve uma discussão sobre a diminuição da maioridade penal. Por que esse silêncio todo agora?

Amazonas e Piauí: vítimas da ignorância brasileira

Recentemente, as redes sociais mostraram seu poder de repulsa dos seus membros em dois episódios de total aberração cultural. A pérola amplamente divulgada no You Tube do jovem Thomas, do grupo Restart (mais um grupelho de visual bizarro, uma mistura de emo, Teletubbies e letras cheias de lugares comuns e com destino – espero que rápido – ao ostracismo, como qualquer modismo), sobre gostar de fazer um show “em” Amazonas (sic) mas sem saber se aqui no Estado havia civilização causou uma onda de aversão tão grande dos amazonenses que nem mesmo uma retratação (mais tosca do que a infeliz declaração) ajudou, e o show do grupo, programado para 1º de abril próximo em Manaus, foi cancelado. A empresa promotora divulgou uma nota ligando a decisão ao receio de manifestações prejudiciais à integridade física do grupo, mas corre a boca pequena que, na verdade, o fracasso nas vendas de ingressos seria o real motivo.

O segundo episódio, do qual tomei conhecimento ontem pelo Twitter, aconteceu quando um comediante chamado Marauê Carneiro se referiu ao Piauí como o “cu do mundo” no Facebook. A mesma fúria tomou conta dos piauienses nas redes sociais, tendo como consequência o cancelamento do show do tal comediante em Teresina e uma nota de repúdio de um parlamentar daquele Estado. Nem mesmo dizer que a frase jocosa era de autoria do comediante Juca Chaves foi remédio. Os tempos são outros. Fazer troça dos irmãos brasileiros agora é coisa séria.

Parece incrível que Norte e Nordeste sejam sempre vítimas desse tipo de coisa. No Norte, somos chamados de incivilizados, vivemos no meio do mato, compartilhamos espaços com jacarés e onças e coisas do tipo. No Nordeste, os habitantes são batizados de preguiçosos, cabeças chatas, subdesenvolvidos e por aí vai. Como alguém citou no Twitter, existe uma “sudestelização” (mais ou menos assim é a expressão), onde o conceito de desenvolvimento é bastante equivocado.

Na região Norte, temos a maior floresta tropical, uma fauna exuberante e uma natureza maravilhosa, apesar de não sabermos ainda explorar esse potencial turístico (coisas de políticas públicas, mas um dia o passo acerta). Quem dera dividíssemos espaço pacificamente com onças, jacarés e outros animais. Melhor que dividir com ladrões, traficantes, corruptos e maus policiais, porém isso é uma utopia. O Norte é assim. O Brasil é assim. Quando somos chamados de índios, o fato em si não é o que causa revolta – pelo menos no meu ponto de vista. A História mostra que os indígenas tiveram suas terras roubadas, ou seja, o Brasil começou a partir de um crime. Eles são os verdadeiros donos da terra. São os antepassados de milhões de brasileiros, então não haveria sentido em nos sentirmos ofendidos com isso. O que ofende é a forma jocosa como usam o termo. E depois surge das trevas da “jumentice” um garoto deslumbrado com a fama declarar sua burrice em público (o que é pior, cometeu uma gafe que nem a entrevistadora fez menção de corrigir ou refutar – talvez fosse tão burra quanto ele) e achar que somos igualmente burros ao falar de uma “edição mal feita” no vídeo. Pelo visto, pela falta de cultura, o nível de desenvolvimento educacional do híbrido emo-teletubbie não indica nenhum pouco de civilização. Como eu perguntaria ao meu amigo jornalista Luiz Otávio Martins, “de que pântano isso surgiu?”.

O caso dos nossos irmãos piauienses é um pouco diferente na forma da agressão, mas tem a mesma essência da falta de respeito. O Piauí tem povo trabalhador como em qualquer outro Estado, tem lugares que valem a pena ser conhecidos (como em todo o maravilhoso Nordeste) e possui habitantes extremamente cordiais (não conheço ainda o Estado, mas declaro isso com base no que conheço dos nordestinos – um povo incrivelmente hospitaleiro, pacífico e animado. Tenho conhecimento de causa porque sou filho de cearenses que chegaram ao Amazonas sem nada, fugindo da seca e do descaso com aquela região, batalharam e criaram família sem nunca esquecer suas raízes ou fazer pouco caso do lugar que os acolheu). Se realmente Juca Chaves usou a infeliz expressão divulgada pelo tal ator, foi em um tempo em que esse tipo de galhofa não era tão repercutida. Não havia redes sociais nem interação imediata entre as pessoas.

Restart e Marauê (que nome, hein?) sentiram o efeito “Twitbook” de sua ignorância. Todos os que se manifestaram nas duas situações, seja de forma cautelosa ou revoltada, merecem parabéns. Para o garoto do primeiro, é bom levar a sério os estudos. Para o segundo, recomendo buscar uma linha de humor mais inteligente. A força das redes sociais deve ir mais além, pois além dos preconceitos, há também os erros, injustiças e atos corruptos que merecem ser repudiados, precisam gerar uma ação coletiva, algo exemplar como o que aconteceu no Egito. O caso dos “artistas” ignorantes pode parecer uma futilidade brasileira, mas pelo menos é um começo. Falta cada um reconhecer em si esse poder de mudança.

VIAGEM: Cabaceiras, PB (06/04/2024)

Pela terceira vez viajei à Paraíba nas férias - e a primeira vez com meu marido Érico -, e essa foi a oportunidade de realizar um sonho, alé...