Há mais de três décadas, a minissérie “Holocausto” (Holocaust: the story of the family Weiss, 1978) foi um marco na história da televisão. Até então, não se tinha conhecimento de produção tão realística sobre a perseguição sofrida pelos judeus europeus durante a Segunda Guerra Mundial por obra do nazismo. Ainda que posteriormente tenham surgido filmes mais fortes baseados no tema, como “A lista de Schindler”, “Cinzas da guerra” e “O pianista”, “Holocausto” ainda hoje é referência por haver sintetizado toda a história das perseguições antissemitas que culminaram com a política de extermínio batizada de “Solução Final” do Terceiro Reich.
A trama começa em Berlim e se divide entre as famílias Weiss, de judeus, e Dorf, de alemães, a partir de 1935, com o casamento entre o pintor Karl Weiss (James Woods) e a cristã Inga Helms (Meryl Streep), um pouco antes das primeiras leis de Nuremberg proibirem casamentos mistos, com o partido nazista em plena ascensão. Erik Dorf (Michael Moriarty) é um advogado desempregado, casado com Marta e pai de dois filhos. Paciente do dr. Josef Weiss (Fritz Weaver), Dorf acaba ingressando no partido nazista por insistência da esposa, como forma de sustentá-los. A partir daí, graças a sua inteligência e dedicação cega, começa a ascender e tomar parte ativa no programa de extermínio dos judeus europeus, incluindo a família Weiss.
Inga (Meryl Streep) e Karl Weiss (James Woods) |
A ascensão de Dorf é pontuada por vários momentos históricos do domínio nazista, como a Solução Final e o estabelecimento dos campos de extermínio em substituição aos massacres de populações judias por fuzilamento (os Einzatsgruppen), a criação dos guetos e a manipulação das informações para tentar tornar o genocídio politicamente aceitável. Suas atitudes frias e olhar igualmente apático diante das atrocidades que determina e testemunha são em parte incentivadas pela mulher Marta, interessada em tirar proveito da guerra para sobrevivência de sua família, mesmo que isso signifique a destruição de outras pessoas. Em um momento, Erik Dorf parece fraquejar diante dos massacres, mas a esposa se impõe para incentivá-lo, mesmo sabendo que no futuro poderão responder pela barbárie. Assim é que supervisiona os pelotões de fuzilamento na Rússia, as câmaras de gás e crematórios de Auschwitz, sem demonstrar um pingo de incômodo ou pena com o destino dos “inimigos do Reich”.
Anna Weiss (Blanche Baker) |
De outro lado, o destino da família Weiss ilustra cada degrau das perseguições. Josef Weiss é proibido de clinicar, mas ainda atende cidadãos judeus e alemães (ou arianos, como se tornou expressão corrente daqueles tempos). Sua insistência em driblar a repressão em nome do profissionalismo e preocupação com o próximo acabam levando-o a ser deportado para a Polônia, seu pais de origem. Lá, com o irmão Moses (Sam Wanamaker), testemunha o surgimento do gueto de Varsóvia (que seria visto com mais propriedade e riqueza de detalhes em “O pianista”, de Roman Polanski, sobrevivente dessa época de terror), a mortandade provocada por epidemias e perseguições eventuais aos segregados, as deportações da população do gueto para Treblinka e outros campos de morte, a luta pela sobrevivência por meio do contrabando de alimentos e o início dos planos de resistência que culminariam no Levante do Gueto e seu extermínio em 1943. Antes da batalha, Josef é enviado a Auschwitz com a esposa Berta Weiss (Rosemary Harris, uma atriz de respeito), onde são mortos nas câmaras de gás.
Berta Weiss é uma mulher culta, filha de um ex-combatente da Primeira Guerra Mundial. Mesmo com a Kristallnacht (o pogrom incitado pelos nazistas em toda a Alemanha após o assassinato de um diplomata alemão por um jovem judeu em Paris, em 1938), na qual seus pais perdem a livraria (suicidando-se em seguida), a deportação de Josef para a Polônia e a prisão de Karl, o filho mais velho, e seu envio para o campo de concentração de Buchenwald, ela acredita em tempos melhores, até a noite em que a filha mais nova, Anna (Blanche Baker), foge de casa após uma discussão, é agarrada e estuprada por três nazistas. A adolescente de 16 anos fica retraída e enlouquece, sendo internada pela cunhada Inga em um hospital que era, sem que se soubesse, um centro de matança de doentes mentais e deficientes físicos, que eram agrupados em um depósito e asfixiados por monóxido de carbono, destino definido pela política nazista de purificação da raça. Sem Anna, Berta permanece com Inga até ser deportada para Varsóvia, onde reencontra o marido no gueto, ajuda a financiar a compra de armas para a resistência mas não a testemunha, sendo enviada com ele para Auschwitz.
Rudi Weiss (Joseph Bottoms) e Helena (Tovah Feldshuh) |
Karl Weiss e Inga Helms são personagens cujos encontros tornam-se errantes no decorrer da trama. Inga protege a nova família contra a hostilidade de seus pais e irmão, contrários a que ela continue casada com Karl. Ele é preso, enviado a Buchenwald, um campo de trabalho forçado onde testemunha a execução de ciganos e sofre as maiores torturas. Graças a Inga, que precisa ceder ao assédio de um dos comandantes do campo e amigo da família Helms na tentativa de salvar o marido, Weiss vai para Theresienstadt, um “gueto modelo”, na verdade uma farsa armada pelos nazistas para tentar desviar a atenção dos tormentos sofridos pela população judia, onde pode exercer suas atividades de pintura. Inga consegue ser enviada para lá, acompanhando o marido. Ali, a indignação crescente com as perseguições transformam Karl em um artista engajado em mostrar a verdade ao mundo em desenhos que retratavam a brutalidade nazista, em contraponto às ilustrações fantasiosas as quais era obrigado, junto com outros dois prisioneiros, Weinberg e Frey, a fazer para os carrascos. Descobertos, os três são torturados para informar a localização de outros desenhos, resistindo até o fim. Somente Karl sobrevive e, após ter as mãos quebradas, é mandado para Auschwitz, onde morre de fome. Antes da deportação, Inga lhe conta que espera um filho, decidindo tê-lo mesmo sob os protestos de Karl, que não queria ver uma criança nascendo em um “lugar amaldiçoado” como Theresienstadt.
Erik Dorf (Michael Moriarty) |
Os dois últimos membros da família Weiss marcam outros momentos da história do Holocausto. Rudi Weiss (Joseph Bottoms), filho do meio de Josef e Bertha, sempre temperamental, deixa Berlim após a deportação do pai para a Polônia. Em suas andanças fugindo dos nazistas, conhece a jovem judia Helena Slomova (Tovah Feldshuh) em Praga, tornando-a sua companheira. E é assim que ele testemunha a ocupação da Rússia pelos alemães e o massacre dos judeus da região em fuzilamentos em massa, como o de Babi Yar (setembro de 1941, quando perto de 34 mil judeus foram mortos a tiros e sepultados coletivamente em uma ravina). Presos em Kiev, Rudi e Helena são enviados para a morte, mas conseguem escapar da fila dos condenados e observam de longe o assassinato de homens, mulheres e crianças a tiros. A luta pela sobrevivência os leva a se unir à guerrilha de sobreviventes judeus liderados por tio Sacha. Em tantas batalhas, Helena acaba sendo morta após uma mal sucedida emboscada do grupo contra soldados nazistas, e Rudi, enviado para o campo de extermínio em Sobibor. Ali, participa da famosa rebelião que permitiu a fuga de muitos prisioneiros – poucos, no entanto, para a quantidade de vítimas fatais. Após a fuga, Rudi aguarda a libertação, quando chega a Theresienstadt e reencontra Inga com o filho de Karl, decidindo trabalhar para a Agência de Ajuda para a Palestina, que congrega sobreviventes do Holocausto. A essa altura, já soube do destino de sua família.
Depois da deportação de Josef e Berta para Auschwitz, Moses Weiss se junta ao grupo que organiza o Levante do Gueto de Varsóvia, combatendo durante três semanas contra os nazistas em sua própria prisão, com sucesso. O final do levante já é conhecido. Alguns escaparam, os sobreviventes foram enviados para a morte em Treblinka ou fuzilados após o fim da rebelião – é o que acontece com Moses e outros combatentes.
Josef e Berta (Fritz Weaver e Rosemary Harris) |
Os últimos momentos de Erik Dorf condizem com a história dos carrascos nazistas que foram presos após a libertação e final da Segunda Guerra Mundial na Europa. Capturado e interrogado, é posto frente a frente com provas do genocídio e, como outros líderes nazistas, comete suicídio para não enfrentar a justiça pelas barbáries cometidas. Em contraponto, há o seu tipo paterno, Kurt Dorf (Roberth Stephens), engenheiro que vê as atrocidades mas não consegue tomar uma iniciativa maior para combatê-las se não somente manter sob sua guarda e segurança prisioneiros judeus na construção de uma estrada nas proximidades de Auschwitz – entre eles, Josef Weiss. Após o suicídio de Erik, Kurt tenta desmascarar as atividades criminosas do sobrinho perante sua família. Mas nem Marta nem os dois filhos já crescidos de Dorf lhe dão ouvidos, repudiando suas declarações. O retrato dos alemães colaboracionistas, se não ingênuos.
A minissérie serviu e ainda serve como uma avaliação de atitudes quanto ao assunto, principiando uma abordagem maior ao tema. A atuação de personagens fictícios ao lado de outros reais – os nazistas Heinrick Himmler, Reinhard Heydrich e Adolf Eichmann e um dos líderes da resistência no gueto, Mordechai Anielevitz – foi eficiente para o desenvolvimento da história. Como já citei, o desempenho de todo o elenco contribuiu para a magnificência da produção, sobretudo Michael Moriarty, interpretando um Erik Dorf de olhar gélido e impassível frente a cadáveres de judeus fuzilados ou prisioneiros a caminho das câmaras de gás.
Chocante até hoje, “Holocausto” teve críticas negativas também. Para alguns, suavizava os fatos. No entanto, nenhum filme específico conseguiu abranger a história das perseguições em todas as etapas com grande abrangência. Enquanto “A lista de Schindler”, “O diário de Anne Frank”, “O pianista”, “Cinzas da guerra” e “O último trem” tratam de situações e personagens específicas durante o Holocausto, a minissérie envolveu a história de todos os judeus europeus e seus algozes, representados pelas famílias Weiss e Dorf. Por isso, nada mais justo que mantê-la no posto de marco da televisão mundial. É quase como uma triste alegoria da vergonhosa história da humanidade.