Depois de assistir a uma adaptação com quatro sequências, um remake e uma prequel com sequência, finalmente chegou às minhas mãos o livro "O planeta dos macacos" (La planète des singes), escrito pelo francês Pierre Boulle em 1963 - cinco anos antes do lançamento do clássico cinematográfico com Charlton Heston. A obra de ficção científica foi lançada pela Editora Aleph no ano passado, em uma edição bonita e com uma apresentação gráfica que se adequa bem ao clima sinistro da estória.
Ao chegar à última página, constatei como a versão cinematográfica dirigida por Franklin J. Schaffner foi uma adaptação perfeita, apesar de bem mais radical com seu discurso ideológico subliminar, mas o livro não deixou a dever no elemento surpresa no final. Ao contrário do planeta rústico encontrado pelo astronauta Taylor (Heston) e seus companheiros, no livro de Boulle a sociedade símia tem tecnologia avançada, mesmo que ainda inferior à humana. Eles possuem cidades organizadas, dirigem automóveis, pilotam aviões, tem televisores e todos os bens tecnológicos já conhecidos, mas não conseguiram ainda, por exemplo, lançar satélites.
Na obra, um casal em viagem de férias pelo espaço em sua nave semelhante a uma bolha, num futuro distante, encontra flutuando no vazio infinito uma garrafa contendo um manuscrito. Ao apanhá-la, começam a lê-lo: trata-se de um relato escrito pelo jornalista Ulysse Mèrou, que no passado (no ano 2500) viajara em uma expedição intergalática a convite de um cientista, professor Antelle, e seu discípulo, o jovem físico Arhur Levain. A intenção era alcançar o sistema da estrela gigante Betelgeuse e estudá-lo. Acabam deixando a nave em uma escuna e aterrissam em Soror, planeta com condições físicas semelhantes à Terra - cidades, oceanos, rios e estradas.
Como no filme, os três homens ficam surpresos ao encontrarem seres humanos que agem como animais selvagens, andando nus e não emitindo qualquer som além de grunhidos. Ulysse se encanta com Nova, nome com que batiza uma jovem por quem se sente atraído, apesar de sua natureza selvagem e irracional. Aí começam as semelhanças com o filme: surgem os macacos à caça de humanos com redes e armas, o que é visto com espanto e pavor por Mèrou e seus companheiros. Levain acaba sendo morto com outros humanos e Ulysse, capturado juntamente com Antelle, mas ambos acabam sendo separados. No entanto, o jornalista é colocado no laboratório junto com Nova.
No universo de Boulle, Mèrou vira alvo de estudos e sua capacidade de falar atrai a atenção da chimpanzé Zira, uma cientista. Depois de algum tempo na busca de conquistar a confiança da macaca, ele aprende o idioma dos macacos e ensina Zira a sua língua materna - no caso, o francês. Com a posterior adesão do noivo dela, Cornelius, também um cientista, Mèrou começa a busca por uma resposta para aquela civilização bizarra a seus olhos, e é sempre visto com desconfiança e desprezo pelo doutor Zaius, um orangotango que tenta de todas as formas isolar o jornalista como se fosse uma ameaça.
O que é muito interessante no livro é justamente essa busca por respostas. Ulysse acaba se tornando um estranho no ninho com privilégios diante dos demais humanos de Soror (semelhante ao que vemos acontecer com Zira e Cornelius no terceiro filme da franquia, "A fuga do planeta dos macacos"), adaptado a uma sociedade tão semelhante e ao mesmo tempo extremamente oposta à sua. Apesar de se sentir mal por causa dessa nova posição - e principalmente por ser obrigado a deixar Nova no laboratório de estudos -, ele segue motivado pela busca de respostas, na procura angustiante do ponto onde, naquele planeta, a espécie humana regrediu e os macacos evoluíram.
Há pontos interessantes na narrativa de Mèrou, como seus devaneios sobre as teorias que poderiam ter causado tal "involução" no seu ponto de vista e os conflitos com relação à sua situação perante a própria espécie. Seu reencontro com Antelle, transformado de um renomado cientista em mais um humano irracional (mas sem ter passado por uma lobotomia como o personagem correspondente no filme, o astronauta Landon), acelera essa necessidade de resposta e o temor do que essa nova espécie possa significar para os humanos na Terra, a anos-luz de distância do sistema Betelgeuse. O objetivo passa a ser partir de Soror e voltar à Terra, e por conta de
uma situação inesperada, os planos acabam incluindo Nova.
Não irei entrar em mais detalhes sobre o final, caso haja interesse do leitor em conhecer o livro, mas apenas adianto que o desfecho é diferente do filme. Entretanto, a surpresa é a mesma!