domingo, 2 de setembro de 2012

Minha vida de editor: um homem chamado Tábata

Em 2007, eu era editor do caderno de Cidades no Amazonas em Tempo e uma das minhas repórteres era a Michele Gouvêa, hoje chefe de reportagem do jornal. Nós dois passamos por um estresse que agora rende boas risadas, mas na época o negócio não foi nada engraçado.

Recebi uma ligação da portaria do jornal, avisando que uma pessoa chamada Tábata queria fazer uma denúncia. Michele foi escalada para captar a história. A surpresa foi que Tábata, na verdade, era o "nome de guerra" de um rapaz (vamos chamá-lo de Roberto) que estava denunciando atitudes preconceituosas contra sua pessoa em uma secretaria municipal, onde trabalhava. Ele(a) dizia que estava sendo perseguido(a) e ameaçado(a) de demissão por causa de sua orientação sexual. Coisa muito grave, mesmo!

Fizemos tudo como manda o figurino. A Márcia Daniella, que era assessora da secretaria denunciada naquela época, nos deu a resposta: Tábata era alvo de reclamações do público porque estaria tratando as pessoas com arrogância, e por isso lhe foi chamada a atenção diversas vezes, sem nenhum tipo de discriminação gerada por sua orientação sexual. Ouvidos os dois lados, Michele fez a matéria, editei e publiquei.

No dia em que a matéria saiu, Tábata/Roberto ligou e pediu para falar com Michele. Essa repórter é a coisa mais doce que já conheci, que nem a Rúbia Balbi nos tempos do Estadão, mas vi a garota "pirar o cabeção" e discutir com Tábata/Roberto. Ela me disse que a criatura havia reclamado da matéria, que queria fazer outra reportagem para ser manchete. Óbvio que isso não aconteceu.

Mas a coisa não parou por aí. Depois eu fui a bola da vez. Tábata/Roberto ligou e pediu para falar comigo.

- Olha, seu César. Estou ligando só para dizer que minha manchete vai sair no jornal A Crítica, porque o Amazonas em Tempo mentiu. E também estou querendo só te avisar que vou processar o jornal por causa dessa matéria. (só faltou dizer "quero que Deus ilumine cada canto dos teus 'caminhu'")

- Tudo bem, seu Roberto (eu não conseguia usar o nome "Tábata"). Faça o que achar que lhe é de direito - eu respondi, praticamente mastigando meus próprios dentes.

Dito isso, bati o telefone, fulo da vida. Praguejei até não aguentar mais. Michele veio ver o que acontecia e contei do abuso. Como havíamos constatado, tal pessoa não tinha o juizo perfeito.

Claro que ele(a) nunca processou o jornal. Acho até que nem o jornal A Crítica publicou alguma coisa. Eu lembro que liguei para lá e falei com alguém (acho que o Paulo André Nunes ou o Saulo Borges), avisando o que acontecera, para preveni-los caso Tábata/Roberto realmente os procurasse para atacar o jornal  Hoje o episódio só é lembrado quando eu encontro a Michele e apenas digo isso:

- Quem quer falar contigo é a Tábata!

Vamos rir para não chorar!


Minha vida de repórter: os abusados e os arrogantes

De vez em quando, na vida de repórter, você dá de cara com alguém abusado, daqueles que gostam de perguntar "sabe com quem está falando?" ou se acham com o direito de meter o bedelho em assuntos fora de seu domínio. Encarei vários assim, mas em nome da boa relação tive que engolir "sapos".

Ainda no Jornal do Norte, já não tão foca, tive esse tipo de experiência com Nelson Ned, aquele cantor nanico que, para recuperar sua carreira decadente, virou evangélico e passou a renegar o passado de luxúria. Só se esqueceu de que arrogância também é pecado. Fui escalado para cobrir duas apresentações naquela noite de 1996, e uma delas era a desse cidadão. No entanto, comecei pelo outro show, programado para iniciar mais cedo. Acontece que demorou demais e, quando nossa equipe chegou ao Nostalgia Clube, no bairro Cachoeirinha, zona sul de Manaus, local de apresentação de Nelson Ned, ele já estava terminando seu falatório. O jeito era esperar. Quando acabou tudo e ele saiu do palco, fomos ao seu camarim para conversar. Cumprimentei-o educadamente. O objetivo da matéria, expliquei, era mostrar como o novo modo de vida havia modificado o cantor. Ele simplesmente, do seu metro e parcos centímetros de altura, somente me olhou e disse:

- Não vou falar nada. Contei tudo em minha apresentação.

Tentei argumentar, pedi desculpas pelo atraso por causa da pauta anterior, mas não teve jeito. Aquele boneco de ventríloquo afirmou que não iria repetir tudo e ponto final. Tive vontade de mandá-lo pegar toda aquela arrogância e socar naquele lugar onde o sol não bate, mas suspirei, chamei o fotógrafo e demos meia volta. Gastar meu verbo com esse tipo de gente? Não, obrigado. E o desgraçado ainda falou (eu não ouvi. O Rodrigo Pacheco Araújo, que acompanhou nossa equipe naquela noite, ouviu e me contou depois), quando cruzamos a porta do camarim:

- Que cara folgado!

Essa atitude arrogante mereceu uma nota de escracho na edição seguinte do jornal. Por onde anda esse sujeito hoje, não sei nem quero saber. Já não era grande coisa, sem trocadilhos, talvez agora não seja nada.

Outro caso de que me lembro aconteceu no jornal Amazonas em Tempo, por volta de 2001. O editor me passou uma pauta no bom estilo drama humano: um radialista (faz tempo, então esqueci seu nome) estava passando por necessidades, sem trabalho e doente, então fomos lá falar com o homem. Ele deveria ter uns 50 e poucos anos e sua pele era completamente amarela. Usava óculos escuros porque tinha fotofobia. Morava em uma casa inacabada de tijolos em um bairro da periferia de Manaus. Por causa da hepatite, seu fígado estava praticamente destruído. Não conseguia mais trabalho devido ao seu estado. Situação terrível, mesmo.

Escrevi a matéria, saiu no dia seguinte. Qual não foi minha surpresa ao receber uma ligação do referido cidadão. Reproduzo suas exatas palavras:

- Olha, César. A matéria ficou legal, mas se fosse paga, eu teria que pagar de novo, porque tu não colocou o número da minha conta para o pessoal depositar dinheiro.

Fiquei boquiaberto. Em nenhum momento da entrevista ele falou de conta, de campanha para ajuda nem nada disso. Ao espanto seguiu-se a irritação. Como no caso do Nelson Ned, por pouco não disse ao cidadão o que deveria fazer com a sua conta bancária. Ele teve que se contentar com o que havia sido publicado. A essa altura do campeonato, deve ter morrido.

E assim nossa vida nada fácil vai seguindo. Não foram os primeiros arrogantes e abusados a cruzarem os caminhos dos jornalistas, e provavelmente não serão os últimos. Haja paciência, então!

Minha vida de foca: os Mamonas Assassinas

Cobrir shows para o caderno Radar era uma das minhas pautas frequentes no Jornal do Norte. Em janeiro de 1996, lá fui eu cobrir o show dos Mamonas Assassinas no Studio 5. Eu não gostava do estilo do grupo, apesar das letras engraçadas e tolas. Continuo não gostando até hoje. Mas eles eram notícia, estouravam nas rádios, o sucesso era estrondoso e não havia como negar isso.

Esse trabalho de cobertura é legal, mesmo sendo de um estilo musical que não lhe agrada (mas depois de um tempo fica enfadonho, portanto deduzi que não era o tipo de pauta que me animava). Fui ao Studio 5 com a repórter fotográfica Ana Cláudia Jatahy. Gente saindo pelo ladrão, principalmente crianças, o público que os cinco rapazes do Mamonas Assassinas mais atraia. Entrevistei algumas, vi uma parte do show, observei o comportamento do público, a organização, a produção e a interatividade de Dinho e seus amigos com a plateia.

O show fora numa sexta-feira ou sábado, não lembro bem. No dia seguinte, fui ao jornal escrever a matéria. Não pude deixar de usar sarcasmo (contido, claro) para contar como fora a apresentação. Letras sem pé nem cabeça, tolas até, mas que encantavam aquela garotada. Fazer o quê? Pensando bem, ainda eram melhores que essas porcarias que fazem sucesso agora. Os Mamonas Assassinas faziam música para divertir. Não existe mais isso hoje.

O tempo passou. Quase dois meses depois, chego em um domingo para o plantão no jornal e a editora Tania Celidonio me recebe com a bomba: na noite anterior, o avião com os cinco integrantes dos Mamonas Assassinas caira na serra da Cantareira, em São Paulo, quando voltavam de sua apresentação em Brasília. Curioso como eu fizera a matéria do show e agora fora escalado para fazer um retrospecto da carreira meteórica do grupo até o acidente. E lá fui eu, com o amigo Ricardo Nixon, ouvir algumas pessoas para aquele velho feijão-com-arroz que se segue à morte de alguma celebridade e pesquisar toda a sua história. A novidade é que nós regionalizamos o impacto do desaparecimento prematuro dos jovens artistas, em vez de somente reproduzir matérias de agências.

Foi uma comoção muito grande. Em tom de brincadeira, muitos colegas falaram que eu estava sendo castigado por ter detonado (exagero, claro, pois nunca tive intenção de bancar o crítico) a apresentação do grupo (pior ainda foi o show de Maurício Mattar no mesmo Studio 5, que reuniu pouco mais de 20 mulheres, em um dos maiores fiascos que já testemunhei. Mesmo assim, o cara foi uma simpatia com aquele minúsculo fã-clube). O que importava, entretanto, era o encanto que aqueles cinco rapazes bobos levaram àquela geração. Vendo tanta porcaria que faz sucesso hoje, devo confessar que éramos felizes, mas não sabíamos. Aí é para lamentar realmente a perda daqueles jovens talentos.

VIAGEM: Cabaceiras, PB (06/04/2024)

Pela terceira vez viajei à Paraíba nas férias - e a primeira vez com meu marido Érico -, e essa foi a oportunidade de realizar um sonho, alé...