No último dia 12, uma homenagem resgatou a data em que, em 1945, a adolescente Anne Frank, aos 15 anos, sucumbiu ao tifo e à inanição no campo de concentração de Bergen-Belsen, para onde havia sido mandada com sua irmã Margot, também vítima das condições insalubres do lugar, dias antes. A história da menina judia é bem conhecida de quem tem conhecimentos sobre literatura e cinema, pois o diário resgatado após o final da Segunda Guerra pelo pai de Anne e Margot, Otto (único sobrevivente da família Frank) foi levado a público e adaptado para o teatro, televisão e cinema.
A história de Anne Frank é apenas uma entre milhões de outras, sobre vidas ceifadas pela intolerância disseminada na Europa pelos nazistas em um dos episódios mais negros do século 20. Por seu caráter praticamente industrial, levado a extremos, o Holocausto (e aqui não incluo somente os judeus, mas também outras populações perseguidas e quase exterminadas em nome da "superioridade racial ariana", como os ciganos, os portadores de deficiência assassinados no programa de eutanásia, os homossexuais e outros) é o ápice da desgraça humana. Como uma pestilência, o antissemitismo e a intolerância com o diferente espalhou-se pela Europa nazista, mergulhando-a nas trevas. Escuridão essa que nunca dissipou totalmente.
Os crimes nazistas, ao mesmo tempo em que revoltaram o mundo, fizeram escola. Em várias partes do globo grupos de pessoas reverenciam a memória de Hitler, atacam seus semelhantes pelo simples prazer de fazer o mal sob a desculpa de uma falsa superioridade. Até mesmo no Brasil, em terras consideradas pacíficas, verdadeiros bandidos queimam, agridem, matam, mutilam, perseguem os que são diferentes. E mesmo entre os perseguidos, há os perpetradores de preconceitos contra seus semelhantes.
Em seu diário, cuja versão em português tive a oportunidade de ler, assim como assistir à primeira versão cinematográfica de George Stevens, Anne narra os anos em que passou escondida com seus pais e sua irmã, e mais outra família judia, os Van Daan, em um sótão em Amsterdã, Holanda, durante a ocupação nazista. Enquanto vê o cerco se apertar sobre todos, registra seu cotidiano, suas descobertas de adolescente e as impressões sobre a guerra e a perseguição ao seu povo. Escondidos com a ajuda de amigos cristãos, isso não impediu que alguém entregasse o esconderijo e as famílias Frank e Van Daan tivessem o destino de outras milhões de famílias judias, enviadas às câmaras de gás ou trabalho escravo nos campos de concentração. Somente Otto Frank escapou da morte e conseguiu tornar o diário da filha um testemunho de vidas destruídas pela intolerância.
Em vez de o mundo refletir com as palavras de Anne, preferiu seguir as trevas da ignorância. Tempos depois, nos Bálcãs, uma "limpeza étnica" resultou na morte de milhares. Em Ruanda, uma briga política resultou no genocídio de mais de 1 milhão de tutsis em menos de três meses, perpetrado pela maioria hutu. No Oriente Médio, palestinos, israelenses, curdos e todos os tipos de grupo humano matam e são mortos em nome de ideais egoístas e questionáveis. E esses são aqueles conflitos humanos de maior impacto. O que ocorre e não chega a nosso conhecimento, sim, ainda impede de se antever o quanto é grande a nossa monstruosidade.