Jornalista realiza palestra em Manaus e lança livro analisando a abordagem da homossexualidade na mídia brasileira
Por César Augusto
O jornalista Irineu Ramos fará no próximo dia 20 de outubro uma palestra com o tema “Intolerância e preconceito: a ausência do amor”, no Teatro Direcional, no Manauara Shopping, às 19h. Na explanação, Ramos aborda a questão da intolerância e do preconceito relativos à homossexualidade, englobando a origem desses sentimentos nas questões sexual, étnica e religiosa. Além desse aspecto, Ramos pretende mostrar como o mundo é possível além do preconceito, como superar esse sentimento e o encontro da felicidade dentro de cada um.
O tema abordado por Irineu Ramos faz parte de uma série de trabalhos acadêmicos que ele apresenta em congressos e simpósios nacionais pela Coordenadoria de Assuntos da Diversidade Sexual (Cads), órgão vinculado à Secretaria de Participação e Parceria da Prefeitura de São Paulo, no qual desenvolve trabalhos de capacitação nas questões de gênero, sexualidade, mídia e educação com professores da rede pública.
A programação da palestra inclui ainda o lançamento em Manaus do livro “A TV no Armário - A Identidade Gay nos programas e telejornais brasileiros” (Edições GLS, 134 páginas, R$ 34,90), com tarde de autógrafos no dia 21 na Livraria Valer do Centro (rua Ramos Ferreira), e no dia 28 na Saraiva Mega Store (Manauara Shopping). A obra é resultado de dois anos de pesquisas de Irineu Ramos e observação de programas da televisão brasileira sobre a retratação da comunidade LGBT brasileira, geralmente pejorativa. A base para seu trabalho foi o pensamento de Michel Foucault e noções da teoria queer, mostrando que a televisão brasileira transmite valores negativos, depreciativos e caricatos quanto aos homossexuais.
Para obter material para sua pesquisa, Ramos selecionou alguns programas de entretenimento, uma novela e os telejornais. “O maior trabalho foi analisar cada quadro em que a figura do gay aparecia, a abordagem que era dada e o que representava tudo aquilo. Como utilizei como chave de leitura a teoria queer, esbanjei com análises baseadas em Michel Foucault, entre outros autores”, conta.
Uma das observações feitas pelo jornalista é que, a cada novela realizada, o tratamento dado aos homossexuais tem menor carga de preconceito. No entanto, os personagens continuam na periferia da trama principal. “O que significa que o autor pode tirá-los de cena a qualquer momento e o telespectador nem vai perceber. Isso é uma forma de diminuir a importância das sexualidades desviantes. O centro da trama de todas as novelas ainda é permeada pela heteronormatividade”, aponta. Para confirmar a observação de Irineu, basta lembrar que, por conta da reação preconceituosa do público brasileiro, o casal de lésbicas interpretado por Silvia Pfeiffer e Christiane Torloni na telenovela “Torre de Babel” (TV Globo, 1998-99) foi convenientemente rifado da trama morrendo em uma explosão em um shopping center.
A telenovela “Insensato Coração”, de Gilberto Braga, recentemente exibida pela TV Globo, foi marcada por um discurso claramente antihomofóbico ao mostrar a violência contra homossexuais. Na opinião do jornalista, a emissora é a que mais se compromete com o combate à homofobia, mostrando-a em seus telejornais. “As novelas estão avançando, mas a sociedade continua lá atrás com valores morais que não levam a lugar nenhum. Mas esta sociedade é quem consome os produtos da TV”, afirma. Em termos de respeito às diferenças, a pior rede é a Record, conforme Ramos. “É quase criminoso o que fazem na programação para dominar o telespectador e fazer deles cordeirinhos”, observa.
Após os personagens de “Insensato Coração”, outros homossexuais retratados na televisão foram o caricato Áureo (André Gonçalves, de “Morde & Assopra”, recentemente encerrada) e Crô (Marcelo Serrado, em “Fina Estampa”, atualmente no ar). “O Crô é o tipo do gay que o telespectador gosta. Caricato e dócil. Não oferece nenhuma ameaça à tradicional família brasileira e ainda a alegra com micagens. Eu acho que depois de Insensato Coração, que contou com seis personagens gays, a TV Globo teve que dar uma recuada em virtude da pressão de alguns segmentos conservadores da sociedade. Crô é o reflexo disso”, analisa Ramos.
“Já o Áureo seguiu o padrão caricato mas, no penúltimo capítulo, ele não só abandonou a noiva no altar como fugiu com o vaqueiro machão Josué (Joaquim Lopes) e, ainda, pegou carona com o sargento Xavier (Anderson di Rizzi) e a ‘pirulitona’ (Élcio/Elaine, interpretado por Otaviano Costa), outro casal gay formado com base caricata”, explica o jornalista. “Achei fantástico este encaminhamento, pois o autor fez uma transversal queer copiando um 'Priscila, a rainha do deserto'. Achei que foi uma boa saida para um período de pressão conservadora da sociedade”, acrescenta.
Essa visão é inclusive difícil de comparar com a produção televisiva norte-americana, segundo Ramos, porque o processo de conquistas da comunidade gay é bem diferente lá e aqui. Para ele, nos Estados Unidos a questão da identidade gay é muito forte. “Lá os gays se vêem gays e se posicionam”. No Brasil, ao contrário, o forte não é a identidade, e sim o comportamento. “Aqui, no geral, é grande o número de pessoas que têm comportamento gay mas não se acham gays”, explica. Nos EUA, séries são protagonizadas por casais homossexuais, como na série "Os assumidos" (exibida no Brasil pelo canal pago Cinemax de 2000 a 2005), ou as relações amorosas são mostradas de forma bastante natural, como em "Grey´s Anatomy" (atualmente em exibição pelo canal Sony).
Deboche – Um dos personagens homossexuais mais comentados atualmente é a transexual Valéria, interpretada por Rodrigo Sant´Ana no humorístico “Zorra Total”, da TV Globo. Caracterizada pelo visual extravagante, o quadro – no qual Valéria sempre encontra a amiga ingênua Janete (Thalita Carauta) no metrô, sobre quem não perde a oportunidade de destilar veneno – ganhou sucesso e tempo maior de exibição, popularizando bordões como “Ai, como eu tô bandida” e “Só no cutuque”.
Para Irineu Ramos, Valéria é uma personagem que reproduz exatamente o que a sociedade imagina que seja uma travesti ou transexual: uma caricatura sem alma. “No cotidiano estas identidades são muito mais maltratadas pela sociedade que as vê sem alma, em comparação com os gays. Sem alma significa que elas não têm sentimentos e, portanto, passíveis de deboche e risada”, analisa. “As pessoas precisam aprender que ninguém escolhe ser travesti e que, atrás daquela alegria, tem alguém que precisa pagar o aluguel, estudar, ir ao médico, sustentar familia... Isso a sociedade ainda não enxerga”, acrescenta.
Direitos - Do ponto de vista de análise teórica, o Brasil ainda vai demorar um pouco para garantir direitos iguais aos brasileiros. “Os gays vão continuar com menos direitos que os demais cidadãos, porque temos um Congresso de costas para a modernidade e o respeito de seus cidadãos, invadido por frentes religiosas com discursos atrasados. Temos uma Justiça injusta e uma sociedade com pouca informação e baixa educação. Colocando tudo isso no liquidificador dá isso que vemos na TV: perseguição aos gays, maus tratos e outros”, afirma Ramos. “Mas, sem dúvida a TV melhorou muito em todos os aspectos. A tendência é que acompanhe o avanço do mundo... numa velocidade menor”, acrescenta.
O autor - Formado pela Universidade Católica de Santos (UniSantos), pós-graduado em História pela instituição e mestre em Comunicação pela Universidade Paulista (Unip), o jornalista Irineu Ramos também é membro do Centro de Estudos e Pesquisa em Comportamento e Sexualidade (CEPCoS), organização não governamental ligada às questões de gênero e sexo, e integra ainda o Grupo de Estudos “Estética, Mídia e Homocultura” da Universidade de São Paulo (USP).
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