domingo, 30 de setembro de 2018

FILMES: "Boogie nights - Prazer sem limites" (Boogie nights, 1997)


A década de 1970 viu a popularização do cinema pornográfico, antes marginalizado e agora prestes a entrar em um "namoro" com o mundo da sétima arte. Foi nessa época que surgiram os três ícones do gênero: "Atrás da porta verde" (1972), "Garganta profunda" (1972) e "O diabo na carne de miss Jones" (1973), e vários nomes se tornaram mitos ao longo daquele período até os anos 1980, como Linda Lovelace, Marilyn Chambers, Georgina Spelvin, Harry Reems, Gerard Damiano, John Holmes, Ginger Lynn, Amber Lynn,  e tantos outros. É exatamente essa fase áurea - e depois sua decadência - que Paul Thomas Anderson nos mostra em "Boogie nights", cujo subtítulo no Brasil, "Prazer sem limites", considero meio apelativo.

As ilusões, os dramas pessoais e a dura realidade de quem entrou nesse mercado naqueles anos - e que continuam até hoje - são contados a partir do jovem Eddie Adams (Mark Wahlberg, que recentemente renegou o papel, considerando-o "um grande erro"), um garçom de 17 anos que vive com os pais em uma pequena da Califórnia, em 1977. Entre as escapadinhas para transas com a vizinha afoita, as brigas violentas com a mãe e a revolta com o pai dominado e impotente diante das grosserias da esposa, o rapaz faz bicos em festas servindo o público, e nas devidas oportunidades exibindo, em troca de alguns dólares, seu "dote": um pênis avantajado. Essa característica logo é descoberta em uma dessas noites pelo diretor de filmes pornográficos Jack Horner (Burt Reynolds).

É assim que, logo depois, Eddie dá lugar a Dirk Diggler, nome artístico sugerido pelo próprio jovem. O sucesso é imediato, e nos anos seguintes Eddie/Dirk experimenta as delícias de sua nova vida - e logo depois a desgraça. Seu "reinado" como estrela premiada do hardcore dura sete anos, tempo em que se torna arrogante e egoísta, e assim começa sua derrocada, principalmente com o abuso das drogas.


Outros personagens são marcantes: Amber Waves (Julianne Moore), uma das principais atrizes do gênero, que enfrenta o ex-marido na justiça para tentar ver o próprio filho; a Rollergirl (Heather Graham), jovem que brilha no gênero mas tem seus traumas; Scotty J. (o saudoso Philip Seymour Hoffman), da equipe de filmagem, homossexual que desenvolve uma atração por Eddie/Dirk; Reed Rotchild (John C. Reilly), ator pornô que se torna grande amigo de Eddie e o acompanha na queda livre de sua carreira; Little Bill (William H. Macy), membro da equipe de filmagem que é humilhado e traído abertamente pela mulher (interpretada pela veterana atriz pornô Nina Hartley); e Buck Swope (Don Cheadle), que divide seu tempo como ator pornográfico e vendedor.

A história de Dirk e seus amigos acompanha o desenvolvimento da própria indústria pornográfica, que com o advento do VHS nos anos 1980 deixou a produção cinematográfica para enveredar pelas produções mais baratas e de consumo imediato, feitas em vídeo. O próprio Jack Horner resiste à ideia no início, mas logo se rende à novidade. Ao lado desse contexto histórico do gênero, "Boogie nights" explora a veia social cínica norte-americana, que ao mesmo tempo consome e condena o trabalho dos artistas pornôs, um lado muito cruel desse mundo: Buck, por exemplo, busca financiamento para iniciar seu próprio negócio de vendas, mas apesar de reunir todos os requisitos para obter o dinheiro, tem o pedido negado por ser "pornográfico". O próprio Dirk sente na pele as consequências de entrar nesse mundo, quando, no fundo do poço, viciado em drogas e envolvido com gente barra pesada, é levado a se prostituir e é barbaramente espancado por um bando de valentões homofóbicos.

Como mostraria em seu filme seguinte, o espetacular "Magnólia" (no qual aproveitaria boa parte do elenco brilhante de "Boogie nights"), Anderson abre uma brecha de esperança para todos os que caem nas sombras de suas escolhas.Assim acontece com Dirk e todos os outros no fundo do poço. Filme recomendável!

LIVROS: "Babi Iar", de Anatoly Kuznetsov (1966)

O escritor soviético Anatoly Kuznetsov (1929-1979) era quase um adolescente quando os alemães ocuparam sua cidade, Kiev, em 1941. As lembranças do jovem e das atrocidades cometidas pelos nazistas resultaram em "Babi Iar", um romance documentário de 1966 no qual Anatoly narra o sofrimento de seu povo durante os anos da invasão do exército de Hitler, principalmente a luta contra a fome e o medo constante de ser levado para o Babi Iar, uma ravina na qual aconteciam constantemente assassinatos de opositores e indesejáveis ao Terceiro Reich.

Babi Iar é conhecida como o local nos arredores de Kiev onde, nos dias 29 e 30 de setembro de 1941 - um mês após a invasão nazista -, 33.771 homens, mulheres e crianças judeus da cidade foram fuzilados metodicamente pelos Einsatzgruppen, tornando o lugar uma gigantesca vala comum. Mas opositores do regime e muitos cidadãos soviéticos foram também assassinados na ravina, fazendo com que o número total de vítimas nos dois anos de ocupação ficasse em torno de 200 mil pessoas.

Além do massacre dos judeus, narrado por Anatoly por meio do relato de uma sobrevivente, Dina Mirónovna, outro episódio relembrado foi o do time de futebol de Kiev, o Dínamo, chamado para disputar uma partida com o time alemão no verão de 1942. Os jogadores venceram os rivais, e por conta dessa vitória - que foi praticamente um ato de resistência contra os invasores -, foram levado ao Babi Iar e também assassinados.

A narrativa de Anatoly é forte, sobretudo quando expõe seus pensamentos de jovem diante dos invasores, uma mistura de raiva, medo e impotência, sua preocupação com o amigo judeu Churka Matza, com o pai no front e até mesmo com seu gato de estimação, Tito, e sua luta diária para sobreviver com sua família à escassez de alimentos.

Publicado no Brasil pela editora Civilização Brasileira, "Babi Iar" não teve relançamento mas pode ser encontrado em sebos.

VIAGEM: Cabaceiras, PB (06/04/2024)

Pela terceira vez viajei à Paraíba nas férias - e a primeira vez com meu marido Érico -, e essa foi a oportunidade de realizar um sonho, alé...