Ainda me lembro de quando assisti "Os pássaros", de Alfred Hitchcock, pela primeira vez. Foi na década de 1980, quando a Rede Globo exibia o Festival Hitchcock, que entre outros incluiu "Psicose", "Frenesi" e "´Topázio". Como eu era um moleque ainda, não conseguia ficar acordado até a hora do filme, mas descobri que meu irmão mais velho o havia gravado em VHS. Não contei conversa. Na primeira oportunidade, lá estava eu assistindo o drama de Melanie Daniels (Tipi Hedren), filha do dono de um grande jornal californiano, aprisionada na pequena cidade de Bodega Bay, na Califórnia, por uma série de repentinos e inexplicáveis ataques de todas as espécies de pássaros.
Ao final do filme, fiquei totalmente mudo e assustado, reação que tenho até hoje. Muitos não gostam do filme principalmente por dois motivos: efeitos especiais ultrapassados e um final sem explicação nenhuma. Digo que para assistir "Os pássaros" é preciso se transportar para a época em que o filme foi produzido. Na década de 1960, não havia efeitos espetaculares, mas o que vemos em "Os pássaros" foi um avanço para aqueles anos: cenários pintados incríveis, pássaros empalhados em meio a pássaros reais e montagens hoje muito óbvias. Mas para o público de 1963, era assustador. Hoje, é fichinha, mas Hitchcock estava à frente de seu tempo, e é algo a ser levado em consideração. Quanto ao final, a questão é: existe algo mais apavorante que testemunhar ataques de aves até então inofensivas e não conseguir encontrar a razão para isso? Essa foi a finalidade do diretor. Não é preciso ter uma explicação. Cada um que se apavore com suas teorias. O mundo estava um caos e nada mais tinha a aparência de inofensivo.
O bom humor de Hitchcock ficou evidente desde o início, no encontro casual entre Melanie e o advogado Mitch Brenner (Rod Taylor) em uma loja de pássaros em São Francisco. Ele a reconhece como a socialite que sempre saia em colunas de fofocas por seu comportamento, digamos, incomum e escandaloso, e resolve lhe pregar uma peça fazendo-a passar por uma verdadeira "saia justa" na lojinha. Em meio a discussões ferinas e encanto mútuo, Melanie vai à procura do advogado em seu refúgio dos finais de semana: a pequena Bodega Bay, onde Mitch tem uma fazenda na qual moram sua mãe viúva Lydia (a saudosa Jessica Tandy) e a irmã menor, Cathy (Veronica Cartwright, a Lambert de "Alien - o oitavo passageiro"). Na cidadezinha também mora a professora Annie Hayworth (Suzanne Pleshette), ex-namorada de Mitch, que se mudara para o lugar somente para ficar perto do advogado. Começa uma série de sutis conflitos entre Melanie e Lydia, uma mãe protetora e desconfiada. É quando iniciam gradualmente os ataques dos pássaros: primeiro contra Melanie em um barco, depois na festa de aniversário de Cathy, posteriormente na escola (uma das sequências mais tensas que já vi) até, finalmente, a família Brenner e Melanie ficarem encurralados na fazenda do advogado por milhares de pássaros. Cada um que explique suas metáforas.
Uma das melhores sequências é a do ataque a Bodega Bay. Ficou clássica entre os cinéfilos e admiradores de Hitchcock a cena em que a explosão de uma bomba de gasolina é vista de cima, do ponto de vista dos pássaros, que aos poucos começam a encher a tela, unindo-se para arremeterem contra os moradores da cidade. Uma pena que haja quem, hoje em dia, repudie essa obra-prima do cinema por motivos superficiais - para não usar um termo mais agressivo.
Houve uma sequência do filme, um pecado terrível que não deu certo, trazendo novamente Tipi Hedren no elenco, como uma dona de pousada. Essa pseudocontinuação era tão ruim que nem me lembro de nada do enredo, fora a presença da atriz (aliás, mãe de Mellanie Grifith). O original, primeiro e único para mim, tem lugar eternamente reservado na minha coleção.