terça-feira, 1 de maio de 2012

Comentário: "Amarga sinfonia de Auschwitz" (Playing for time, 1980)

Em uma das cenas de "Amarga sinfonia de Auschwitz", Fania Fenelon (Vanessa Redgrave) grita para as outras prisioneiras que está cansada de rótulos e é apenas um ser humano. É um dos diversos momentos de destaque desse telefilme de sucesso de 1980, baseado nas memórias de Fania Fenelon (1908-1983), judia francesa e cantora deportada para Auschwitz no início de 1944, após ser denunciada também por ser membro da Resistência durante a ocupação nazista.
Vanessa Redgrave interpreta a cantora e membro da Resistência Fania Fenelon

Ao entrar no universo de vida e morte de Auschwitz, o mais famoso campo de extermínio da Segunda Guerra Mundial, no sul da Polônia ocupada pelos nazistas, Fania passa a fazer parte da orquestra de mulheres (judias ou não) do local, que faz apresentações para seus carrascos e para os prisioneiros judeus recém chegados ao lugar e selecionados para a morte nas câmaras de gás. Os dilemas em nome da sobrevivência são muitos. Alma Rosé (Jane Alexander), a regente da orquestra, é uma mulher judia rigorosa com as companheiras a ponto de parecer em alguns momentos estar alheia à carnificina diária promovida pelos nazistas, e com quem eventualmente Fania tem diálogos duros sobre suas ações. Transportada juntamente com Fania para o campo, Marianne (Melanie Mayron) também entra para o grupo, mas recorre à prostituição para obter comida. Por se considerar meio judia pelo fato de sua mãe ser católica, Marianne dá-se o direito de usar meia estrela de Davi em sua roupa, como se fosse uma garantia ainda que insuficiente de sobrevivência, pelo que é criticada pelas demais prisioneiras.
Jane Alexander como Alma Rosé

O filme revela uma atmosfera meio que surreal do campo de Auschwitz, célebre pelas altas cifras de mortes de judeus, ciganos, opositores do regime nazista, homossexuais e outras minorias perseguidas. A líder do campo Maria Mandel (Shirley Knight, que apareceu recentemente como Phyllis, a sogra de Bree Van De Kamp, personagem de Marcia Cross em "Desperate housewives") é uma carrasca brutal que espanca os prisioneiros e toma para si o filho pequeno de uma judia condenada à câmara de gás. No entanto, é uma mulher que pessoalmente procura um par de sapatos que sirva para a recém chegada Fania, colocando-os em seus pés, e não esconde sua dor ao ser obrigada a entregar à morte o menino que tirara da mãe prisioneira. O dr. Mengele (Max Wright, conhecido pelo papel de William Tanner na telessérie da década de 1980, "Alf, o E.Teimoso") revela sentimentos de compaixão e amor, a despeito de o personagem real historicamente ser conhecido pelas experiências bárbaras realizadas em Auschwitz e também responsável pelas seleções para o extermínio. Sobressaindo-se a esse lado humanizado da figura do carrasco, seu caráter evidenciado pela História volta a surgir, ao determinar que a orquestra feminina ensaie uma apresentação musical para um grupo de prisioneiros formado por doentes mentais sob o pretexto de estudar as suas reações à música. Logo depois, todas as pessoas seriam executadas nas câmaras de gás.
Shirley Knight como Maria Mandel

É nessa luta pela sobrevivência que conflitos morais são colocados em evidência pelas prisioneiras em sua luta diária para terem suas vidas poupadas. Há momentos de grande esperança: em uma das cenas, um dos prisioneiros judeus aproxima-se de Fania e lhe mostra a palma da mão, onde está escrito "Os aliados desembarcaram na Normandia"; em outra, as prisioneiras comemoram a fuga de uma judia influente, Mala, interpretada por Maud Adams, de "007 contra Octopussy", crentes de que ela e seu amante Edek (Lee J. Nelson) poderiam revelar ao mundo as barbáries de Auschwitz. No entanto, tais esperanças logo são destruídas: aviões que sobrevoam a região são abatidos pela artilharia antiaérea nazista, e Mala e Edek são recapturados e enforcados em frente ao barracão das prisioneiras. O pesadelo se arrasta até a morte de Alma Rosé, envenenada por uma guarda nazista que preferiu matá-la a deixá-la sair de Auschwitz para o front onde cantaria para soldados alemães (pela afronta aos superiores, a guarda foi fuzilada). Única garantia de vida para todas as mulheres da orquestra, sua perda significava incerteza para o grupo, que passa a ter sua liderança disputada entre Fania e a polonesa Olga (Christine Baranski, que apareceu como mãe do nerd Sheldon em "The Big Bang Theory"). Parte das mulheres sobreviveu até o dia da libertação.
O elenco da orquestra de Auschwitz

Na história real de Fania Fenelon, Auschwitz foi evacuado com a aproximação dos aliados e as prisioneiras foram levadas a Bergen Belsen, onde a libertação chegaria em abril de 1945. Das cerca de 80 componentes do grupo, 47 sobreviveram ao Holocausto. Maria Mendel foi presa, condenada por crimes contra a humanidade e executada em Cracóvia, Polônia, em 1948. Fania escreveu suas memórias e morreu de câncer em Paris, em 1983. Sua história não é somente um retrato da brutalidade das perseguições na Europa nazista representada por Auschwitz e seu duro leque de dilemas, mas também de esperança e luta.


Onde baixar: Filmes Cult

Nenhum comentário:

Postar um comentário

VIAGEM: Cabaceiras, PB (06/04/2024)

Pela terceira vez viajei à Paraíba nas férias - e a primeira vez com meu marido Érico -, e essa foi a oportunidade de realizar um sonho, alé...