terça-feira, 5 de dezembro de 2017

FILMES: "No mundo de 2020" (Soylent green, 1973)




Na abertura de "No mundo de 2020" (Soylent green, 1973), dirigido por Richard Fleischer, em apenas dois minutos, é mostrada a desagregação do planeta Terra em vários fotogramas que aceleram conforme a passagem do tempo, dos tranquilos ambientes do século 19 até a loucura moderna com poluição, superpopulação, calor extremo e miséria. É nesse ambiente, projetado no ano 2022 em uma Nova York de 40 milhões de habitantes e altas temperaturas, que o policial Robert Thorne (Charlton Heston) é encarregado de investigar o assassinato de um rico empresário, William Simonsen (Joseph Cotten), morto a golpes de gancho sem oferecer nenhuma resistência ao seu algoz, um jovem recrutado entre a população miserável que lota as ruas da metrópole.
 
O autor do crime e o mandante são logo revelados, mas o mistério é saber tanto a motivação do assassinato quanto a razão da inércia de Simonsen diante da própria execução. Para isso, Thorne  conta com a ajuda de um amigo investigador, Sol Roth (Edward G Robinson, em seu último filme e uma participação emocionante), já idoso, que conhecera as belezas do mundo de outrora. Ao mesmo tempo, acaba se envolvendo com Shirl (Leigh Taylor Young), uma "mobília" de Simonsen - uma espécie de empregada-amante que faz parte do aluguel do apartamento, do mesmo jeito que várias outras mulheres. É ela quem vai dar algumas pistas para Thorne, que se recusa a abandonar a investigação mesmo com a determinação de seu chefe Hatcher (Brock Peters), este já devidamente pressionado pelo pessoal do governador Santini (Whit Bissell), ligado à empresa Soylent, que fornece alimentos para a população - na verdade, uma espécie de comida sintética produzida na forma de barras a partir de plânctons dos oceanos. A resolução do mistério é surpreendente e sinistra, explicando tanto a atitude de Simonsen diante de seu assassino quanto dos demais personagens que descobrem o segredo mortal. Mas até chegar à solução, Thorne terá que enfrentar ameaças à sua própria vida.

O filme é uma distopia chocante que se fia nas piores previsões malthusianas sobre o futuro da humanidade. A escassez de alimentos naturais - encontrados agora apenas a preços exorbitantes para classes ricas - leva à produção de comidas sintéticas, dadas diariamente a multidões nas ruas de Nova York. O próprio Robert se aproveita da investigação para surrupiar alimentos e produtos de limpeza do apartamento da vítima. As pessoas miseráveis se aglomeram em escadas, corredores e igrejas pela falta de imóveis. Água quente é um dos privilégios dos ricos. Os mortos não são sepultados, mas descartados em uma espécie de estação de tratamento. Além disso, morre-se também quando se deseja, em uma espécie de eutanásia assistida na qual as pessoas podem se encantar com imagens coloridas e belas do passado do planeta. Um universo totalmente deprimente e decadente, onde seres humanos são divididos entre os ricos e poderosos e os miseráveis e abandonados, quase uma fábula sobre um futuro alternativo muito real e talvez mais próximo do que se imagina.

"No mundo de 2020" é baseado no romance "Make a room! Make a room!", escrito por Harry Harrison e publicado em 1966.

In memoriam: Irving Wallace (1916-1990)



Conheci a literatura de Irving Wallace por volta de 1986, quando li seu mais recente livro (na época), “O sétimo segredo”, emprestado por um colega de classe no 1º grau (atual ensino fundamental). Em dois dias “devorei” o livro, e foi só o primeiro dele que me conquistou. Depois disso, seguiram-se “O milagre”, “O elixir da longa vida”, “Os sete minutos”, “O fã-clube” e “A sala vip” - uma pequena parte das 19 obras de ficção e outras dezenas de não ficção deixadas pelo escritor norte-americano, morto em 1990 por um câncer no pâncreas.

Hoje não vejo publicações de Irving Wallace reeditadas, o que é uma pena. A última que ainda vi foi uma edição de bolso de “Os sete minutos”. O restante você só acha em sebos. Uma lástima, já que Wallace é da época de ouro dos best sellers que marcaram a minha adolescência, ao lado de Harold Robbins e Sidney Sheldon, que terão posts futuros.
Wallace ia além do modelo óbvio dos best sellers, limitado a uma heroína, muito sexo, tramas diabólicas, reviravoltas constantes na trama, agilidade na narrativa (nada desabonador, já que best sellers se propõem a divertir na maioria das vezes). Em qualquer livro dele você acha temas atemporais, criativos, reflexivos e polêmicos. Se suas obras fossem relançadas com o mesmo fervor com que eram naqueles anos, tenho certeza de que iria repetir o sucesso daquela época. Irving bolava suas tramas com base em fatos e pesquisas, e sua narrativa nos fazia viajar para os lugares mais distantes. Em suas histórias, ele acabava por propor uma reflexão sobre as atitudes humanas frente à ciência, ao preconceito, à religião, à sexualidade e à censura. Como não admirar “O milagre”, uma história que polemiza o confronto entre religião e ciência? Ou “O fã-clube”, sobre os efeitos nefastos da sexualização das celebridades pela mídia? E sem falar na criatividade de “O sétimo segredo”, uma realidade alternativa onde o Terceiro Reich tenta se reerguer no mundo.
 
Em tempos de literatura fasciculada, rasteira e com tramas repetitivas, nesse ramo dos thrillers Wallace faz muita falta. A seguir relaciono os seis livros que li, com um pequeno resumo e minhas considerações.

“O sétimo segredo” (The seventh secret, 1985) – nessa trama interessante, Wallace parte da premissa de que o ditador nazista Adolf Hitler forjou o próprio suicídio e o da amante, Eva Braun, vindo a morrer de velhice e deixando a missão de recriar o Terceiro Reich nas mãos de Eva, agora chamada Evelyn Hoffman. Um historiador e escritor da biografia do Führer, professor Harrison Ashcroft, encontra, 40 anos após o final da Segunda Guerra Mundial, pistas sobre a verdade e acaba morrendo em um estranho acidente de trânsito em Berlim Ocidental. Sua filha, Emily, resolve continuar o trabalho do pai, mas acaba ficando na mira de um grupo neonazista que em segredo tenta dar continuidade ao Terceiro Reich de Hitler. Ao seu lado estão o arquiteto Rex Foster e uma agente do Mossad, o serviço secreto israelense, Tovah Levine. O livro é eletrizante e cheio de suspense e surpresas, o primeiro livro que li de Wallace e pelo qual ele me conquistou!

“Os sete minutos” (The seven minutes, 1969) - Na Califórnia dos anos 1960, o livreiro Ben Fremont o é preso acusado de vender o livro "Os sete minutos", considerado obsceno. Escrito por J J Jadway, um romancista obscuro, a obra revela os pensamentos de uma mulher durante os sete minutos de sua relação sexual. Uma batalha judicial tem início, com base na liberdade de expressão, mas a situação se complica quando uma jovem é morta após ser agredida e estuprada pelo namorado, supostamente sob influência do livro. O advogado Mike Barrett luta contra o tempo para livrar seu cliente da cadeia, e para isso vai investigar a vida de J J Jadway, descobrindo seus segredos e os usando a seu favor.  Outro best seller de Wallace, vibrante em suas passagens no tribunal e na excelente reviravolta nas últimas páginas. Essa obra foi um libelo pela liberdade de expressão, pornografia e contra a hipocrisia, com momentos sensacionais ambientados no tribunal. Foi adaptado para o cinema em 1971, com direção de Russ Meyer. Eu vi esse filme na Bandeirantes há muitos anos, e detestei por conta do final modificado e, por isso, absurdo.

“O milagre” (The miracle, 1984) - esse livro eu considero genial porque faz veladamente críticas à mídia e à manipulação religiosa, bem como abrange os conflitos entre ciência e religião. Na cidade de Lourdes, na França, é anunciada o terceiro segredo da freira Bernadette Soubirous: a aparição da Virgem Maria no santuário. Quando a notícia corre, o centro de peregrinação se torna o palco de uma trama de batalhas ideológicas, assassinatos e tramas políticas. Uma jornalista, Liz Finch, é encarregada de cobrir os eventos para a API, mas, inconformada com a superficialidade da pauta, sempre está à procura de alguma notícia de maior impacto, como denunciar a farsa do milagre. Na pequena cidade francesa, ela irá cruzar com diversos personagens em uma trama cujo pano de fundo é a nova aparição da Virgem Maria, mas recheada de intrigas políticas, conflitos entre fé e conhecimento, chantagens e mentiras, até o surpreendente final.

“O elixir da longa vida” (Pigeon project, 1979) - a trama abrange a busca da humanidade pela longevidade e o que se faria em nome dessa obsessão. Na Rússia, um cientista britânico descobre uma fórmula que pode levar o ser humano a viver pelo menos até os 180 anos. Sua descoberta, entretanto, é desejada pelas autoridades da então União Soviética, em plena Guerra Fria, enquanto o cientista quer compartilhar sua importante descoberta com todos os seres humanos, conflito que vai resultar em uma verdadeira perseguição que ultrapassa várias fronteiras na Europa, com traições, mentiras, fugas espetaculares e muita violência. Uma história sensacional que revela a face obscura do ser humano.

  “O fã-clube” (The fan club, 1974) - esse livro é talvez o mais violento e cruel de Wallace, entre todos os que li, e o que faz uma crítica ácida à espetacularização da vida das celebridades, mostrando suas consequências. Um grupo de homens funda um fã-clube para a atriz Sharon Fields, sempre mostrada como uma mulher sexy, provocante e em busca de aventuras sexuais. Obcecados, acabam sequestrando a mulher e a confinando em uma casa num lugar ermo. Entretanto, ao se revelarem para ela, conhecem a verdadeira Sharon, diferente da farsa midiática feita em torno de sua imagem. Temerosos de serem presos, resolvem mantê-la prisioneira e a submetem a todo tipo de violência sexual, enquanto seus amigos e agentes procuram descobrir seu paradeiro. Sem ter como escapar, Sharon vai encenar a falsa imagem de mulher sexy e sedutora para iniciar um jogo perigoso com seus algozes, a fim de conseguir se libertar.

“A sala VIP” (The golden room, 1989) - o último livro de Wallace que li. Gostei, mas não chegou a ser um dos meus preferidos. As irmãs Aida e Minna Everleigh são donas de um bordel de luxo em Chicago e lutam contra as investidas do prefeito da cidade para fechar o prostíbulo. O livro trata da batalha de ambas contra as ameaças do gestor e ainda precisam enfrentar duas situações: a chegada de seus sobrinhos, que desconhecem a atividade das tias; e o desaparecimento de várias das prostitutas da casa, vítimas de um assassino em série.

Fora "Os sete minutos", relançado em 2011 pela BestBolso, do grupo Record, os demais títulos não foram republicados, e hoje só são encontrados em sebos, como verdadeiras raridades - cheguei a ver um exemplar de "O milagre", muito bem conservado, sendo vendido por quase R$ 60 na Estante Virtual. Uma injustiça com um dos grandes escritores dos anos 1970-80. Mas há um fio de esperança, já que a editora Record relançou os títulos de Sidney Sheldon, aproveitando a produção literária de Tilly Bagschawe com a "marca" criada com o nome do escritor após sua morte - particularmente, achei um desastre, mas isso fica para outro post.

VIAGEM: Cabaceiras, PB (06/04/2024)

Pela terceira vez viajei à Paraíba nas férias - e a primeira vez com meu marido Érico -, e essa foi a oportunidade de realizar um sonho, alé...