Lá se vão 100 anos desde que Nelson Rodrigues chegou a este mundo para fazer a diferença na história do teatro brasileiro. Sua vida pessoal, marcada por tragédias (maravilhosamente retratada na biografia "O anjo pornográfico", de Ruy Castro, que eu recomendo), foi a inspiração para seus contos e principalmente suas peças. Lógico, não demorou para suas obras servirem como fonte de histórias para o cinema.
Nem todas foram bem sucedidas. Algumas, em vez de aproveitarem a essência da obra, ficaram centradas na exposição gratuita de nudez e perversões sexuais chocantes. Outras conseguiram ir além e tiveram desempenho à altura de Nelson Rodrigues. Nas primeiras, o dramaturgo era apenas um tarado. Nas demais, teve reconhecida sua genialidade.
A seguir, o melhor e o pior das adaptações de Nelson Rodrigues que eu já assisti. Difícil é não se identificar de alguma forma com as características psicológicas de seus personagens. Nelson é Nelson e será sempre único em sua área.
Bonitinha, mas ordinária (1963), de J. P. Carvalho
A história de Edgar (Jece Valadão), que recebe do patrão, o dr. Werneck (Fregolente), a proposta de casar-se com Maria Cecília (Lia Rossi), filha de família rica que é estuprada por cinco negros, teve um toque bem sutil nessa adaptação. Rapaz íntegro e com problemas financeiros, Edgar é procurado por Peixoto, outro empregado de Werneck, oferecendo-lhe, em nome do patrão, dinheiro para aceitar o casamento e salvar a honra de Maria Cecília. No entanto, fica dividido entre o matrimônio de fachada e o amor de Ritinha (Odete Lara, lindíssima), jovem que se prostitui para sustentar as três irmãs e a mãe louca. Não há nada explícito e a adaptação deixou um pouco de lado a linguagem teatral, algo que ficaria impregnado em várias adaptações de outras obras de Nelson. Vi no Canal Brasil e gostei muito.
Bonitinha, mas ordinária (1983), de Braz Chediak
Apesar de ter Lucélia Santos (Maria Cecília), José Wilker (Edgar), Vera Fischer (Ritinha) e Milton Moraes (Peixoto), essa segunda versão da peça deixou a desejar, apesar de, no mínimo, simpática. A cena do estupro da personagem pelos negros, que acabou se revelando uma armação da própria "vítima" para satisfazer uma tara, foi bem realista, mas hoje em dia há coisas muito mais cruas na própria televisão. Faltou uma adaptação melhor dos diálogos extremamente teatrais. Ainda assim, confesso que gostei.
A dama do lotação (1978), de Neville de Almeida
A felicidade do casal Carlos (Nuno Leal Maia) e Solange (Sônia Braga, no auge da beleza) acaba logo após o casamento, quando ele a possui a força na noite de núpcias. A partir de então, a mulher evita o marido mas, durante o dia, arranja parceiros sexuais durante suas viagens de ônibus. Nessa obsessão por sexo com estranhos acaba envolvendo até mesmo seu sogro (Jorge Dória). O resultado disso tudo é uma tragédia em família, bem ao gosto do dramaturgo. Essa talvez seja a melhor adaptação de um conto de Nelson Rodrigues, reunido na obra "A vida como ela é". Gostei demais!
Álbum de família (1981), de Braz Chediak

O casamento (1975), de Arnaldo Jabor
Baseado em romance de Nelson Rodrigues, é uma das melhores adaptações da década de 1970. Conta a história do empreiteiro Sabino (Paulo Porto), apaixonado platonicamente pela própria filha, Glorinha (Adriana Pietro, lindíssima, que morreria naquele ano). A poucos dias do casamento de Glorinha, é avisado pelo médico Camarinha (Fregolente) que este havia flagrado o futuro genro do empreiteiro aos beijos com o enfermeiro Zé Honório (André Valli). A garota relembra fatos recentes, como seu envolvimento com o filho de Camarinha, Antônio Carlos (Érico Vidal), até o instante do casamento. Enquanto isso, Sabino envolve-se com sua secretária, Eudóxia (Mara Rúbia).
Perdoa-me por me traíres (1980), de Braz Chediak
Outra peça de Nelson Rodrigues que trata de adultério, loucura, prostituição e aborto conseguiu uma boa adaptação (Chediak já havia feito outros filmes sem muito impacto). Glorinha (Lidia Brondi) é confrontada pelo tio Raul (Rubens Corrêa), irmão de seu pai Gilberto (Nuno Leal Maia), após ser descoberta saindo do prostíbulo de Madame Luba (Henriete Morineau), para onde havia sido levada pela colega de escola Nair (Zaira Zambelli). Nesse confronto, Raul acaba contando a história de Gilberto e Judite (Vera Fischer), mãe de Glorinha que havia cometido suicídio quando Glorinha era criança. Nessa retrospectiva são lembradas as traições de Judite, que acaba sendo perdoada pelo marido louco, e a paixão platônica de Raul pela cunhada. Mediano, mas interessante! Vale a pena.
Engraçadinha (1981), de Haroldo Lima Barbosa
Adaptado da primeira parte do romance "Asfalto Selvagem", de Nelson Rodrigues, é uma boa realização de Haroldo Lima Barbosa. Conta a história de Engraçadinha (Lucélia Santos) a partir de suas lembranças narradas a um padre logo após o enterro de seu pai suicida. Nessa retrospectiva, surgem fatos obscuros sobre sua relação com Sílvio (Luiz Fernando Guimarães), noivo de sua prima Letícia (Nina de Pádua), que por sua vez é apaixonada por Engraçadinha. Essa parte da história trata somente da juventude da personagem principal. A melhor exposição de todo o conjunto aconteceria anos depois, com a adaptação para a televisão.
Toda nudez será castigada (1973), de Arnaldo Jabor
Depois da morte da esposa, Herculano (Paulo Porto) entra em depressão. Por obra do cunhado Patrício (Paulo César Pereio), que está de olho em sua fortuna, o empresário conhece a prostituta Geni (Darlene Glória), mulher de bom coração e obcecada pelo medo de desenvolver câncer no seio. Ambos se apaixonam e se casam, mesmo com a oposição das tias de Herculano (as saudosas Henriqueta Brieba e Elza Gomes) e da outra prima (a também saudosa Isabel Ribeiro). Com o casamento, o filho de Herculano, Serginho (Paulo Sacks), fica revoltado, se embebeda e é preso. Na cadeia, é estuprado por um ladrão boliviano. Depois do fato e ao sair da cadeia, torna-se amante de Geni por imposição. Mas tudo não passa de uma armação do jovem para se vingar do pai pelo que ele acha ser desonra à memória da falecida mãe. Outra boa adaptação de Nelson Rodrigues, carregada de humor e com final trágico quase comum a todas as suas obras. Também vale rever sempre!