Todo
cinéfilo que admira a obra do cineasta inglês Alfred Hitchcock
(1899-1980) sabe a grande parceira que o Mestre do Suspense teve em
sua esposa Alma Reville (1899-1982). Graças a ela, uma das maiores
obras-primas do gênero, “Psicose”, de 1960, por pouco não foi
um tremendo fiasco que macularia a imagem do marido. É essa a
história que Sacha Gervasi nos traz em “Hitchcock” (Hitchcock,
2012): a relação entre Alma e Alfred em um momento de crise
criativa do cineasta – problema que se estende ao casamento que já
durava três décadas.
No
filme, logo após a festejada premiére de “Intriga internacional”,
de 1959, Hitchcock (magnificamente “restaurado” fisicamente e
pela interpretação impecável de sir Anthony Hopkins) é
questionado por um repórter se, àquela altura, nos seus 60 anos de
idade, não estaria na hora de “sair de cena”. Um pequeno salto
de poucos anos nos traz o inglês em busca de uma nova história para
levar às telas. É quando descobre o livro “Psicose”, de Robert
Bloch, um relato sobre um assassino em série – escolha que faz a
imprensa e os produtores torcerem o nariz.
Alma
Reville (Helen Mirren, como sempre uma atriz de talento respeitável)
também discorda do marido sobre sua decisão de transformar uma
história muito violenta em filme. Nessas idas e vindas surge
Whitfield Cook (Danny Huston), roteirista que tenta aproveitar o
momento para aproveitar sua amizade com Alma e usá-la para
“empurrar” um roteiro para Hitchcock.
O
foco do filme, porém, não fica centrado nos bastidores de
“Psicose”. Acima disso, está a relação estagnada entre Alfred
e Alma – ele, obcecado pelas suas protagonistas lindas e louras
como Grace Kelly e Kim Novak, guarda fotos delas em sua escrivaninha.
A descoberta de Alma sobre essa paixão secreta – ela, já cansada
dos flertes do marido com suas estrelas, como Janeth Leigh (Scarlett
Johanson, perfeita), escolhida para ser a desafortunada protagonista
de “Psicose” – acaba aproximando-a de Whitfield na ajuda em
melhorar o seu roteiro. Alfred passa a questionar a fidelidade da
esposa, gerando interferência até mesmo nas filmagens da futura
obra-prima.
O
filme em si funciona até mesmo com uma homenagem a Hitchcock. O
prólogo segue o estilo usado pelo cineasta na famosa série “Alfred
Hitchcock apresenta”: uma situação que termina em crime,
observada pelo inglês, que a partir dali narra – com seu sutil
senso de humor negro - o que acontecerá em seguida. Os devaneios do
personagem em seus diálogos imaginários com o assassino em série
Ed Gein (Michael Wincott), inspirador de Bloch ilustram um pouco do
processo criativo que resultou em um dos mais originais filmes da
década de 1960 e um marco no cinema de suspense.
Mas
a verdadeira heroína de “Psicose” acaba sendo, no final das
contas, a própria Alma, que tomou para si a tarefa de reeditar a
película para transformá-la, de fato, no espetáculo no qual se
tornou. Foi o seu afeto ao marido, afinal, que imortalizou o
atormentado Norman Bates na história da sétima arte. Emocionante,
para dizer o mínimo!
Publicado no caderno Plateia, jornal Amazonas em Tempo, edição de 28/07/2013, sob o título "O amor por trás da obra-prima"