Esta
semana fui entrevistado pela equipe de um site local a respeito da
crise no jornalismo amazonense (no caso da minha área de atuação,
a modalidade impressa), tendo em vista que saí de uma redação em
meio a uma onda de demissões violenta – cerca de 25 jornalistas
demitidos em um dia. Não estive entre os despedidos, mas pedi meu
desligamento em razão de enxergar nesse ato um futuro perverso: um
jornalista trabalhando pelos quatro ou cinco de sua equipe
dispensados pela empresa, sobrecarregado, sem direitos trabalhistas
respeitados e servindo de marionete para interesses políticos e
econômicos escusos do empresário – que algumas vezes,
cinicamente, ainda tem a coragem de se intitular jornalista.
A
entrevista acabou me servindo como uma comporta que se abriu para
derramar todas as minhas decepções não apenas com os rumos do
jornalismo como um todo, mas com os próprios profissionais. Serviu
também para estimular este artigo, como uma forma de mostrar os
fatos ensejadores dessa triste mudança enfrentada por essa profissão
hoje tão desvalorizada – do ponto de vista de quem sentiu isso na
pele.
A
crise nos jornais impressos, eu respondi à repórter, tinha relação
– isso é bem evidente – com o despontar dos portais de notícia,
que levam ao leitor-internauta a informação em tempo real, sem
considerar, a princípio, o aspecto da qualidade (isso fica para mais
adiante). Uma publicação impressa demanda custos altos de produção
com aquisição de papel, manutenção de máquinas, distribuição e
outros. A publicação eletrônica zerou esse custo, tornando mais
atraente o investimento na comunicação instantânea que tornou os
impressos “frios” - salvo publicações especializadas, com
matérias melhor trabalhadas, como no caso das revistas.
Nas
particularidades do Amazonas, ainda há quem feche os olhos para essa
evolução – da mesma forma como os cineastas do cinema mudo do
passado fizeram vistas grossas ao emergente cinema falado. Hoje,
jornalismo impresso vive de aparências.
O
principal propulsor desse mercado – o jornalista – acaba sofrendo
nessa nova situação: seu trabalho é considerado como elemento de
alto custo para a empresa; logo, é dispensável. Os cadernos comuns
e os especiais podem ser mantidos, sem uma única redução/adaptação
à situação provocada pela “crise”, e o vácuo deixado por um
profissional demitido é preenchido por dois inexperientes de menor
custo, em uma lógica empresarial equivocada e desastrada. Nessa
trapalhada toda armada pelo empresário e seus gerentes – pessoas
que geralmente odeiam jornalistas (quem trabalha ou trabalhou em
redação sabe da veracidade dessa minha afirmação) -, perde o
veículo em si e o leitor, pois essa entrada descontrolada afeta a
qualidade do produto.
Na
“lógica sem lógica” do dono do jornal, o profissional mais
antigo é ultrapassado, e o mercado é para os jovens. Nem é preciso
ser superdotado intelectualmente para saber o resultado disso: os
novos profissionais acabam ficando sem a devida orientação dos
experientes e, dessa forma, tornam-se mais manipuláveis, exatamente
ao gosto de quem usa o veículo de comunicação para muitas
finalidades, exceto cumprir o papel de informar com imparcialidade e
ajudar a desenvolver o senso crítico do leitor.
Chegamos
ao novo profissional. Desde minha primeira experiência em redação,
em 1995, tive excelentes editores me auxiliando na carreira mas
sempre tive o cuidado de manter aquele requisito essencial para o
jornalista: a leitura para formação e informação. Ao chegar ao
cargo de editor, foi minha vez de lidar com jornalistas iniciantes,
passando-lhes as mesmas informações e dicas que meus chefes
anteriores. Quem tinha vocação, venceu – e não foram poucos.
Hoje esses profissionais estão por aí, dando conta do recado em
jornais, portais ou assessorias. Nas minhas idas e vindas pelas
redações, porém, senti uma mudança péssima nesse quadro. Surgiu
hoje o foca arrogante, sedento de poder, sem escrúpulos e, para
coroar todo esse naipe de caráter, burro.
O
termo “burro” vai muito além de escrever palavras com grafia
errada ou frases sem concordância. Tem mais relação com o ditado
“Errar é humano, mas insistir no erro é burrice”. O novo
profissional – salvo várias exceções, felizmente – acredita
que a bagagem acadêmica lhe é suficiente (e vamos concordar que
pelo nível da produção de muitos focas há algo muito errado nas
faculdades de jornalismo). Ele não admite ser corrigido, não tem o
hábito da leitura, é superficial e vive ofuscado pelo ilusório
deslumbramento de ser uma subcelebridade em sua profissão. O
trabalho perdeu a seriedade para ser o oba-oba, a reunião de
comadres, o encontro dos jornalistas-de-selfie e a proliferação dos
copidesques da produção alheia. Para quem vem de uma escola de
profissionais egressos de um mercado outrora sortido de talentos e
intelectos de qualidade, é um choque ver a mediocridade tomar as
rédeas da produção jornalística. E são esses pobres jornalistas
ricos a melhor fonte para o empresário sem escrúpulos, sedento em
conseguir sua fatia na verba aparentemente inesgotável da
publicidade oficial. Sempre há um cargo a se conquistar quando, na
melhor das hipóteses, o “profissional” se presta ao papel de
“olheiro”, “alcagueta”, puxa-saco. É uma alma sendo vendida
ao diabo, um pacto de mediocridade. Uma assinatura em reportagem (inclusive exigida nas famosas e vergonhosas matérias recomendadas - as RECs) tem
mais valor para o ego do que a qualidade do texto escrito –
modificado, muitas vezes, por um paciente e triste editor que ainda
tem um fio de esperança de despertar do novo jornalista para a
realidade dura.
Sem
entrar muito no mérito do fato, o tiro fatal da mediocridade e
mesquinharia foi uma discussão que testemunhei com relação a um
determinado “jabá” cobrado por um grupo de
colegas, composto desses novos jornalistas e mais alguns com certo
tempo de estrada. Naquele momento, quando se questionava que determinada empresa não havia dado os “mimos” depois de tantas matérias
positivas durante o ano, minha esperança cavou um buraco, jogou-se nele, cobriu-se
de terra para se esconder e aguardar o fim do mundo. Vergonha alheia: ali eu vi que o
jogo da empresa jornalística está conquistando adeptos por livre,
alegre e espontânea vontade, criando parasitas de toda a espécie.
Como nem tudo pode ser uma desgraça, há excelentes profissionais
resistindo – é preciso colocar comida na mesa, pagar as contas,
educar os filhos, sobreviver, mesmo que para isso seja preciso
engolir sapos, tolerar o(a) amante, agregado(a) ou parente do(a)
chefe ou do(a) dono(a) ser melhor sucedido sem o merecer. Quer prova disso? Veja o(a) colega antes tão legal de repente se tornar a arrogância personalizada e apontado(a) como "promissor talento do jornalismo" - ainda que ache que exista "Diário Municipal da União" ou escreva "o elo de ligação se rompeu há dez anos atráz".
Isso
acontece em qualquer profissão, é óbvio. Mas cada uma amarga a
maneira como isso afeta seu trabalho. Ao jornalista, cujo mercado vem
encolhendo na oferta de oportunidades, resta tentar romper com essa
mediocridade. A iniciativa de grupos tem se tornado a melhor saída,
mesmo que não muito fácil. A competição está aí. O futuro do
jornalista da região (e do país, na verdade), como eu disse à
repórter que me entrevistou, é nebuloso, caso continue sendo
moldado pelo deslumbramento, burrice e superficialidade. Joguei a
toalha, e pelo andar da carruagem, não vou recolhê-la tão cedo.
Mas o jornalismo impresso está agonizando de todas as formas
possíveis, e a mediocridade de hoje só está apressando a hora
fatal. Só não aceita quem não quer.
PS
1: “ah, se reclama, procura outra atividade profissional” -
claro, vamos aguentar calados tudo para nos tornarmos seres
frustrados. Mas ainda há a opção das atividades autônomas, claro. Foda-se o conformista.
PS
2: “ah, jornalismo é isso, não é serviço público, está na
alma” - de fato, não é, mas é uma atividade profissional com
direitos trabalhistas como qualquer outra. Se quer trabalhar de
graça, perder suas noites e fins de semana para enriquecer seu
patrão enquanto ele nem sabe seu nome (a não ser que seja da elite
jornalística), fique à vontade, mas não encha o saco com esse
discurso utópico e ultrapassado.
PS
3: “ah, mas quando você trabalhava lá, não reclamava” - pelo
contrário. Com salário atrasado, todo mundo reclama. O reflexo sai na edição do dia seguinte.
PS
4: “ah, está cuspindo no prato que comeu” - de forma alguma,
porque tinha uma relação trabalhista, não uma relação de
caridade.
PS
5: “ah, você é um profissional frustrado e agora está atacando
de graça os colegas” - quem não seria frustrado depois de ver a
bosta em que se transformou sua profissão a qual foram dedicados
quatro anos e meio de sua vida (e às vezes à toa, quando vê tanto
paraquedista entrando pela janela nas redações)? Não estou atacando
ninguém. Como diria um grande colega e amigo considerado: quem for
podre que se quebre.
PS
6: "ah, está dando indiretas" - Bom... Se a carapuça serviu, melhor ficar na sua.