sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

RIP Jornalismo, ou: A Merda no Ventilador

Esta semana fui entrevistado pela equipe de um site local a respeito da crise no jornalismo amazonense (no caso da minha área de atuação, a modalidade impressa), tendo em vista que saí de uma redação em meio a uma onda de demissões violenta – cerca de 25 jornalistas demitidos em um dia. Não estive entre os despedidos, mas pedi meu desligamento em razão de enxergar nesse ato um futuro perverso: um jornalista trabalhando pelos quatro ou cinco de sua equipe dispensados pela empresa, sobrecarregado, sem direitos trabalhistas respeitados e servindo de marionete para interesses políticos e econômicos escusos do empresário – que algumas vezes, cinicamente, ainda tem a coragem de se intitular jornalista.

A entrevista acabou me servindo como uma comporta que se abriu para derramar todas as minhas decepções não apenas com os rumos do jornalismo como um todo, mas com os próprios profissionais. Serviu também para estimular este artigo, como uma forma de mostrar os fatos ensejadores dessa triste mudança enfrentada por essa profissão hoje tão desvalorizada – do ponto de vista de quem sentiu isso na pele.

A crise nos jornais impressos, eu respondi à repórter, tinha relação – isso é bem evidente – com o despontar dos portais de notícia, que levam ao leitor-internauta a informação em tempo real, sem considerar, a princípio, o aspecto da qualidade (isso fica para mais adiante). Uma publicação impressa demanda custos altos de produção com aquisição de papel, manutenção de máquinas, distribuição e outros. A publicação eletrônica zerou esse custo, tornando mais atraente o investimento na comunicação instantânea que tornou os impressos “frios” - salvo publicações especializadas, com matérias melhor trabalhadas, como no caso das revistas.

Nas particularidades do Amazonas, ainda há quem feche os olhos para essa evolução – da mesma forma como os cineastas do cinema mudo do passado fizeram vistas grossas ao emergente cinema falado. Hoje, jornalismo impresso vive de aparências.

O principal propulsor desse mercado – o jornalista – acaba sofrendo nessa nova situação: seu trabalho é considerado como elemento de alto custo para a empresa; logo, é dispensável. Os cadernos comuns e os especiais podem ser mantidos, sem uma única redução/adaptação à situação provocada pela “crise”, e o vácuo deixado por um profissional demitido é preenchido por dois inexperientes de menor custo, em uma lógica empresarial equivocada e desastrada. Nessa trapalhada toda armada pelo empresário e seus gerentes – pessoas que geralmente odeiam jornalistas (quem trabalha ou trabalhou em redação sabe da veracidade dessa minha afirmação) -, perde o veículo em si e o leitor, pois essa entrada descontrolada afeta a qualidade do produto.

Na “lógica sem lógica” do dono do jornal, o profissional mais antigo é ultrapassado, e o mercado é para os jovens. Nem é preciso ser superdotado intelectualmente para saber o resultado disso: os novos profissionais acabam ficando sem a devida orientação dos experientes e, dessa forma, tornam-se mais manipuláveis, exatamente ao gosto de quem usa o veículo de comunicação para muitas finalidades, exceto cumprir o papel de informar com imparcialidade e ajudar a desenvolver o senso crítico do leitor.

Chegamos ao novo profissional. Desde minha primeira experiência em redação, em 1995, tive excelentes editores me auxiliando na carreira mas sempre tive o cuidado de manter aquele requisito essencial para o jornalista: a leitura para formação e informação. Ao chegar ao cargo de editor, foi minha vez de lidar com jornalistas iniciantes, passando-lhes as mesmas informações e dicas que meus chefes anteriores. Quem tinha vocação, venceu – e não foram poucos. Hoje esses profissionais estão por aí, dando conta do recado em jornais, portais ou assessorias. Nas minhas idas e vindas pelas redações, porém, senti uma mudança péssima nesse quadro. Surgiu hoje o foca arrogante, sedento de poder, sem escrúpulos e, para coroar todo esse naipe de caráter, burro.

O termo “burro” vai muito além de escrever palavras com grafia errada ou frases sem concordância. Tem mais relação com o ditado “Errar é humano, mas insistir no erro é burrice”. O novo profissional – salvo várias exceções, felizmente – acredita que a bagagem acadêmica lhe é suficiente (e vamos concordar que pelo nível da produção de muitos focas há algo muito errado nas faculdades de jornalismo). Ele não admite ser corrigido, não tem o hábito da leitura, é superficial e vive ofuscado pelo ilusório deslumbramento de ser uma subcelebridade em sua profissão. O trabalho perdeu a seriedade para ser o oba-oba, a reunião de comadres, o encontro dos jornalistas-de-selfie e a proliferação dos copidesques da produção alheia. Para quem vem de uma escola de profissionais egressos de um mercado outrora sortido de talentos e intelectos de qualidade, é um choque ver a mediocridade tomar as rédeas da produção jornalística. E são esses pobres jornalistas ricos a melhor fonte para o empresário sem escrúpulos, sedento em conseguir sua fatia na verba aparentemente inesgotável da publicidade oficial. Sempre há um cargo a se conquistar quando, na melhor das hipóteses, o “profissional” se presta ao papel de “olheiro”, “alcagueta”, puxa-saco. É uma alma sendo vendida ao diabo, um pacto de mediocridade. Uma assinatura em reportagem (inclusive exigida nas famosas e vergonhosas matérias recomendadas - as RECs) tem mais valor para o ego do que a qualidade do texto escrito – modificado, muitas vezes, por um paciente e triste editor que ainda tem um fio de esperança de despertar do novo jornalista para a realidade dura.

Sem entrar muito no mérito do fato, o tiro fatal da mediocridade e mesquinharia foi uma discussão que testemunhei com relação a um determinado “jabá” cobrado por um grupo de colegas, composto desses novos jornalistas e mais alguns com certo tempo de estrada. Naquele momento, quando se questionava que determinada empresa não havia dado os “mimos” depois de tantas matérias positivas durante o ano, minha esperança cavou um buraco, jogou-se nele, cobriu-se de terra para se esconder e aguardar o fim do mundo. Vergonha alheia: ali eu vi que o jogo da empresa jornalística está conquistando adeptos por livre, alegre e espontânea vontade, criando parasitas de toda a espécie. Como nem tudo pode ser uma desgraça, há excelentes profissionais resistindo – é preciso colocar comida na mesa, pagar as contas, educar os filhos, sobreviver, mesmo que para isso seja preciso engolir sapos, tolerar o(a) amante, agregado(a) ou parente do(a) chefe ou do(a) dono(a) ser melhor sucedido sem o merecer. Quer prova disso? Veja o(a) colega antes tão legal de repente se tornar a arrogância personalizada e apontado(a) como "promissor talento do jornalismo" - ainda que ache que exista "Diário Municipal da União" ou escreva "o elo de ligação se rompeu há dez anos atráz".

Isso acontece em qualquer profissão, é óbvio. Mas cada uma amarga a maneira como isso afeta seu trabalho. Ao jornalista, cujo mercado vem encolhendo na oferta de oportunidades, resta tentar romper com essa mediocridade. A iniciativa de grupos tem se tornado a melhor saída, mesmo que não muito fácil. A competição está aí. O futuro do jornalista da região (e do país, na verdade), como eu disse à repórter que me entrevistou, é nebuloso, caso continue sendo moldado pelo deslumbramento, burrice e superficialidade. Joguei a toalha, e pelo andar da carruagem, não vou recolhê-la tão cedo. Mas o jornalismo impresso está agonizando de todas as formas possíveis, e a mediocridade de hoje só está apressando a hora fatal. Só não aceita quem não quer.

PS 1: “ah, se reclama, procura outra atividade profissional” - claro, vamos aguentar calados tudo para nos tornarmos seres frustrados. Mas ainda há a opção das atividades autônomas, claro. Foda-se o conformista.

PS 2: “ah, jornalismo é isso, não é serviço público, está na alma” - de fato, não é, mas é uma atividade profissional com direitos trabalhistas como qualquer outra. Se quer trabalhar de graça, perder suas noites e fins de semana para enriquecer seu patrão enquanto ele nem sabe seu nome (a não ser que seja da elite jornalística), fique à vontade, mas não encha o saco com esse discurso utópico e ultrapassado.

PS 3: “ah, mas quando você trabalhava lá, não reclamava” - pelo contrário. Com salário atrasado, todo mundo reclama. O reflexo sai na edição do dia seguinte.

PS 4: “ah, está cuspindo no prato que comeu” - de forma alguma, porque tinha uma relação trabalhista, não uma relação de caridade.

PS 5: “ah, você é um profissional frustrado e agora está atacando de graça os colegas” - quem não seria frustrado depois de ver a bosta em que se transformou sua profissão a qual foram dedicados quatro anos e meio de sua vida (e às vezes à toa, quando vê tanto paraquedista entrando pela janela nas redações)? Não estou atacando ninguém. Como diria um grande colega e amigo considerado: quem for podre que se quebre.

PS 6: "ah, está dando indiretas" - Bom... Se a carapuça serviu, melhor ficar na sua.

Um comentário:

  1. Boa, Cesário.... concordo em número, gênero e "degrau"... as redações se tornaram grandes panelas, com suas infindáveis picuinhas e puxadas de tapetes. Que os generais (ou seriam capitães) dos pseudos jornalistas, voltem para suas casernas.Abraços.

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