domingo, 26 de agosto de 2012

Minha vida de repórter: pautas furadas

Se algum repórter disser que nunca pegou uma pauta furada ou ridícula, daquelas capazes de colocá-lo em uma situação constrangedora até, está mentindo. Acontece, e como! Na minha época de repórter do jornal Amazonas em Tempo, foi o que mais me ocorreu. Íamos atrás do ouro e voltávamos com ouro de tolo. Foram muitas furadas, mas três são dignas de serem lembradas.

Invasões
De vez em quando pipocavam invasões em Manaus, e lá íamos cobrir. Algumas rendiam um ótimo material, quando a área invadida era de preservação e havia conflitos. Em 2000, recebi uma pauta sobre um terreno invadido na estrada da Ponta Negra, onde hoje existe um posto de gasolina, nas proximidades do hipermercado DB. Chegamos ao local, eu e Danilo Mello, e estranhamos a calmaria. O terreno era cercado por um muro de tijolos, mas, fora um segurança na entrada, estava vazio. Será que fomos ao local errado? Perguntei ao segurança e a resposta foi: algumas pessoas haviam tentado realmente invadir, mas foram logo impedidos e não houve maiores conflitos. Gasolina e tempo perdidos.

A febre dos patinetes
Essa pauta começou comigo, passou para a Márcia Daniella e depois para a Patrícia Almeida. Nunca foi feita. Nosso editor havia dito que Manaus passava por uma verdadeira febre de patinetes, e por todos os lugares viam-se crianças usando o brinquedo. Esse foi o problema. Onde fomos, nunca víamos as tais crianças e os tais patinetes. Procurei até nos mais distantes recantos de Manaus, inclusive no perigoso Bariri, uma região não muito digna de visitas até hoje. Tempos depois chegamos a uma conclusão: a febre dos patinetes acontecia somente no condomínio do editor. 

Dia de Finados
Em 2002, meu editor me passou uma pauta até interessante, inspirada em uma matéria retirada da Agência Estado, sobre histórias curiosas a respeito do Dia de Finados - rituais diferentes e casos insólitos. Gostei da ideia e sai em campo. Pior foi aguentar o olhar dos funcionários das funerárias quando eu me identificava e explicava qual era a matéria. Ou ninguém entendeu o espírito da coisa ou Manaus não tinha histórias para contar. Passei por umas cinco funerárias, e em somente uma consegui um "causo": segundo a gerente, dois funcionários foram buscar o cadáver de um idoso em um hospital. Na hora de erguer o morto pelos braços e pelos pés, o corpo soltou gases, o que fez com que um dos trabalhadores tomasse um tremendo susto, largasse as pernas do cadáver e saísse em disparada do local. Quase morri de rir da história. No entanto, por tão pouca quantidade de informação, a matéria não foi escrita. Mais uma pauta furada para minha coleção.

Trabalho de repórter é isso aí!!!!




Minha vida de foca: baixaria no Katikero

Era uma noite de domingo em 1996. Plantão no Jornal do Norte. Lembro que eram quase 21h e eu já estava de saída para casa quando o diretor de redação Hiel Levy me chamou. Confusão no bar Katikero, maior quebradeira, briga e blá-blá-blá. Fui à missão acompanhado do repórter fotográfico Alberto César Araújo.

O bar Katikero existe até hoje. Fica localizado na avenida Floriano Peixoto, Centro de Manaus, a poucos metros do cruzamento com a rua José Paranaguá, nas proximidades do antigo quartel da Polícia Militar. Não chega a ser um lugar mal frequentado: é um dos raros pontos de encontro ainda resistentes no Centro, reunindo trabalhadores daquela área para um happy hour, e até funciona como restaurante salvo engano.

Naquela noite em questão, ao nos aproximarmos, o cenário era bem diferente. Em vez de polícia, curiosos, mesas jogadas, garrafas quebradas e tudo o que possa lembrar um campo de batalha urbano, só havia um homem parado em frente ao bar. E este estava fechado. Não entendi mais nada, porém fomos até o cidadão e vimos que se tratava do Celso, na época editor executivo do Jornal do Norte.

Celso estava parado na calçada do Katikero, em pé. Aos seus pés, um pequeno maço de dinheiro - notas de R$ 10, R$ 5 e R$ 1, se bem me lembro. Ele havia ligado para a redação. O problema: depois de ter tomado uma ou duas cervejas, ele dera uma nota de R$ 50 para pagar. No entanto, o troco viera incompleto. Faltavam exatos 25 centavos!

Era isso. O circo estava armado por causa de 25 centavos que faltavam para completar o troco. Inacreditável que eu e Alberto estávamos ali por conta da birra do colega. Em vez de gente ferida, garrafas quebradas e todo tipo de dano que uma baderna em boteco pode gerar, estava o editor do jornal inconformado em não receber míseros 25 centavos de troco. Ainda fossem R$ 25, eu até entenderia. Mas vida de foca é uma desgraça: fosse hoje, eu daria ao chefe o tão choramingado dinheirinho para encerrar aquela papagaiada. O jeito era esperar para ver.

Mas a pauta idiota não foi nada. Pior foi a baixaria que se seguiu. O dono do bar morava no prédio onde funciona o Katikero (não sei se hoje ele ainda reside lá ou se permanece proprietário do boteco) e viu, lá de cima, a movimentação do cliente chato e da equipe de repórteres. Ele já desceu com 200 pedras na mão, esculhambando todo mundo. Eu fiquei de braços cruzados observando a cena. Sobrou para o Alberto, coitado. O cidadão, que tinha quase uns dois metros de altura, achou que o fotógrafo havia tirado fotos dele, agarrou-o pelos braços e o sacudiu, ameaçando-o caso fosse publicado algo, apesar de Alberto haver garantido não ter feito fotografia alguma. Foi um corre daqui e dali para acalmar o elemento, até a esposa dele se meteu para acalmar a besta fera. Enquanto isso, Celso somente dava um sorriso debochado. Satisfeito em ter irritado o cidadão, recolheu seu rico dinheirinho e foi embora. Voltamos para a redação, eu e o Alberto, fulos da vida, contamos o que havia acontecido e pronto. Muitas risadas, nada de matéria, nada de fotos, nada de nada. Plantão encerrado.

Nem preciso dizer que essa aventura frustrada foi a gozação da semana para mim e para o Alberto, que quase apanha por causa do falso alarme criado pelo nosso chefe maluco. Nunca havia sequer entrado no Katikero, mas depois daquela palhaçada toda nem fiz questão. Quanto ao Celso, algum tempo depois foi demitido ou pediu demissão do jornal, não lembro ao certo. Eu só pude dizer: "já vai tarde". E levou minha vontade de esganá-lo.

Comentário: "Precisamos falar sobre o Kevin" (We need to talk about Kevin, 2011)

Tilda Swinton e Ezra Miller em cena do filme
Ler a sinopse de "Precisamos falar sobre o Kevin", filme de Lynne Ramsay lançado em 2011, foi o suficiente para minha busca pelo download do filme. A mãe de um jovem que comete assassinato em massa em sua escola tenta compreender o que poderia ter levado o filho a um ato tão selvagem. Dois nomes no elenco já chamaram minha atenção: Tilda Swinton ("Queime depois de ler", "As crônicas de Nárnia" e "Constantine") e John C. Reilly ("Boogie Nights" e "Magnólia"), atores competentes e dignos de premiações.

Na cena inicial, vista de cima, uma multidão se aglomera em algum lugar não especificado, todos jogando um líquido vermelho (sangue? tinta?) uns nos outros, e no meio dessa confusão humana emerge Eva (Tilda Swinton), carregada pela multidão, pregada em uma cruz imaginária. Logo se vê que se tratava de um sonho. Eva desperta em sua pequena casa e descobre que o imóvel foi todo manchado de tinta vermelha. Obra da vizinhança que a repudia e hostiliza, chegando ao ponto da agressão física: ao conseguir um emprego em uma agência de viagens, a satisfação de Eva é eliminada por uma mulher que a esbofeteia ao ver tamanha felicidade da mulher.

Toda essa hostilidade será explicada no decorrer do filme, que alterna a condição atual de Eva com fragmentos de sua vida a partir do nascimento de Kevin. Nessas idas e vindas temporais da trama, Eva tentará compreender sua relação com o menino, tumultuada desde o princípio. Kevin chora constantemente, a ponto de a mãe preferir o barulho ensurdecedor de uma britadeira que sufoca os gritos do bebê. 

À medida que o tempo passa, o menino vai se tornando arredio com a mãe, mas convive bem com o pai Franklin (John C. Reilly). O garoto parece ter o propósito de atormentar Eva: defeca nas fraldas recém trocadas que ainda usa por volta dos 4 anos para obrigá-la a trocá-lo constantemente, lambuza com tinta toda a decoração das paredes do quarto de Eva, feita com mapas, ignora a mãe e chega ao absurdo de permitir um acidente doméstico que causa a perda de um dos olhos da irmã menor, Celia, não sem antes matar o hamster da menina (as duas últimas situações não ficam explícitas, mas com muita atenção se compreende o que realmente ocorreu). 

Já adolescente, Kevin (Ezra Miller) parece dar uma trégua a Eva, apesar de provocá-la constantemente, como na sequência em que ela o flagra se masturbando no banheiro. Em vez de ficar constrangido, ele continua o ato encarando-a com ódio. A situação foge ao controle quando, na véspera do seu 16º aniversário, Kevin mata e fere dezenas de colegas a flechadas em sua escola, consumando a tragédia com a destruição de sua própria família.

Em vez de se prender ao massacre, o filme é uma busca de Eva pela compreensão de uma maldade que viu desde o início estampada nos olhos do filho. Desse modo, ficou claro que buscou como opção uma segunda gravidez, da qual nasceu Celia (Ursula Parker), para revolta inicial do marido, o qual sempre foi conivente com as atitudes do filho, buscando botar panos quentes no clima negativo entre mãe e filho. Nesses retrospectos, ela tenta lidar com a culpa ao mesmo tempo em que busca recomeçar a vida depois da tragédia.

"Precisamos falar sobre o Kevin" acabou sendo um filme impactante para mim. Perturbador e traumatizante, até. Mas é um ótimo trabalho sobre a maldade inata do ser humano e a nossa própria impotência diante de tanta perversidade.

VIAGEM: Cabaceiras, PB (06/04/2024)

Pela terceira vez viajei à Paraíba nas férias - e a primeira vez com meu marido Érico -, e essa foi a oportunidade de realizar um sonho, alé...