sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Comentário: "Fome de viver" (The hunger, 1983), o legado cult de Tony Scott

Tony Scott (1944-2012)
O cinema perdeu Tony Scott, irmão de Ridley Scott, no dia 19 de agosto. Partiu outro cineasta que deixou sua marca na sétima arte. Dias antes de saber de sua morte, fui movido pela vontade de rever um de seus filmes que inclui na lista dos meus preferidos, daqueles de assistir várias e várias vezes, sem enjoar: "Fome de viver".

A adaptação do livro de Whitley Strieber foi bem concisa e ganhou nas mãos de Scott um tom iconográfico. A fotografia, o clima noir, a magnífica trilha sonora com composições clássicas e as atuações de Catherine Deneuve, David Bowie e Susan Sarandon como o triângulo amoroso central contribuiram para atribuir a esse filme um status de cult movie da década de 1980.

Miriam e Jonh à procura de vítimas
"Fome de viver" - livro e filme -, acima de tudo, foi uma reinvenção das histórias de vampiros, com fórmulas repetidas exaustivamente, praticamente sem renovar seus elementos, apesar de umas modificações pontuais, restritas a mudança de época (vide "Salem's Lot", livro de Stephen King, adaptado para a televisão em 1978 trazendo a história do Drácula de Bram Stoker para o interior do Maine na era contemporânea). Aqui, os vampiros não são criaturas noturnas, assustadoras, intolerantes ao sol ou vestidas em trajes sombrios. Pelo contrário: caminham entre nós, dia e noite, são elegantes, de gosto musical refinado e ricos, bastante ricos. 

Abertura do filme, com Peter Murphy (Bauhaus)
Assim é a vampira Mirian Blaylock, a personagem de Catherine Deneuve. Ao seu lado, como seu parceiro e amante na eternidade, ela tem John Blaylock (Bowie), a quem havia transformado em vampiro séculos atrás. Da mansão em que vivem, ambos saem juntos em busca de vítimas para saciar sua fome de sangue, como é mostrado na abertura antológica em que o casal as encontra em uma boate. Troca de olhares e gestos revelam a armadilha, enquanto Peter Murphy, do Bauhaus, canta "Bela Lugosi is dead", música mais que adequada ao clima. No lugar dos caninos e olhos amarelos, um minúsculo e belo punhal egípcio é usado para cortar a jugular de suas vítimas.
A transformação de John
John, no entanto, começa a ter problemas para dormir - é o primeiro sinal de que a transformação feita por Mirian está entrando em processo de reversão. O amante da bela vampira começa a envelhecer rapidamente, sendo tomado por uma fome violenta que o leva à loucura aos poucos. Na tentativa de ajudá-lo, Mirian descobre o trabalho da doutora Sara Roberts (Sarandon), autora de estudos sobre distúrbios do sono, uma provável fonte de recupeação para John. No entanto, Mirian se sente atraida por Sara e decide torná-la sua companheira, no lugar do amante cada vez mais envelhecido.

Miriam e Sarah em momento trágico do filme
A cena de sedução entre Mirian e Sara, ao som de um dueto da ópera Lakmé que trata do amor entre duas mulheres, é uma das mais belas que já vi, sutil e bem fotografada. É a transição do inferno que começa na vida de Sara e termina de forma abrupta para os três personagens.

Como sempre, o livro é melhor. A relação entre John, Mirian e Sara foi mantida, assim como personagens como Tom Haver, namorado de Sara, e Alice Cavender, garota que pratica música instrumental com os Blaylock e acaba se tornando vítima da fome descontrolada de John. Mas a obra de Strieber é repleta de flashbacks que contam a história de perseguições ao longo dos séculos que a raça de Mirian sofreu a ponto de quase serem exterminados, bem como a quantidade imensa de amantes que ela teve ao longo de sua vida. O final também foi modificado no filme, mas nada que comprometa o resultado. Tony Scott conseguiu deixar um verdadeiro marco de admirável técnica. Essa é a verdadeira vida eterna.

E atenção para o horário humorístico gratuito!

Desde que me entendo por gente, abomino o horário eleitoral gratuito. Todo ano eleitoral é a mesma coisa: acusações aqui, cutucadas com vara curta ali, baixarias e a famosa farsa da oposição ferrenha (evidenciada após diversas tramoias políticas que fazem os adversários trocarem gentilezas e negando os ataques e contra-ataques). 

Ontem, porém, enquanto me distraia no Facebook, deixei a televisão ligada justamente nesse intervalo de tempo, e um nome me chamou a atenção: Madona dos Rodoviários, candidata a uma vaga na Câmara Municipal de Manaus por uma das coligações que disputam o poder na capital amazonense. Uma concorrente a vereadora que nem de longe lembra a homônima da Blonde Ambition. Foi então que larguei o netbook e passei a observar os nomes e as atitudes dos candidatos dali em diante, onde houve espaço até mesmo para o Highlander, um dos rivais de Madona (a nossa, não a megastar).

Tenho que confessar que passei a ver o horário político como algo tão surreal que se torna humor escrachado. Enquanto alguns candidatos ao cargo de prefeito de Manaus apelam para lágrimas,  "belas e exemplares" histórias de vida e pegam emprestada a aura de algum anjo da guarda incauto que esteja nas proximidades, outros parecem ter copiado seu cenário daqueles lugares em que os asseclas da Al-Qaeda proferiam ameaças e imprompérios contra o Grande Satã e a civilização judaico-cristã do Ocidente, como bem observaram vários amigos nas redes sociais. A atração principal, fora os candidatos "nanicos" à prefeitura, por assim dizer, acabam sendo os que buscam uma "boquinha" nas dependências da Câmara Municipal.

Temos Madona e Highlander. Os nomes bizarros vão aparecendo aqui e acolá. Mas as atitudes são mais divertidas. Tem candidato que parece estar lendo suas declarações em uma cartolina erguida pelo câmera. Outros estão praticamente congelados e só movem os lábios, em meio a um sorriso amarelo. Alguns são tão espontâneos que não se acanham em massacrar a nossa tão sofrida gramática e ainda abraçam o candidato a prefeito, que parece mais uma estátua de cera (ou "estauta", como alguns dizem). Existem também os que aparentam ter saído de um ônibus lotado, de tão amarrotadas que estão suas roupas, sem nenhum cuidado com a produção visual (ou então pecam pelo excesso, transformando-se em bolos confeitados ambulantes). Vi um cidadão que, se usasse uma peruca preta toda encrespada, poderia muito bem ser o clone da Adelaide, aquela mendiga do programa Zorra Total que sempre pede "cinquenta centarru, vintecinco centarru ô dez centaaaaaaaaarru", mas tem um "tábreti". 

Os tipos estranhos e curiosos continuam em desfile. Tanta bizarrice me trouxe à mente a campanha para a presidência da República na década de 1990, quando entre os embates de Collor e Lula (ainda um trabalhador que todos desejavam ver no poder) apareceram figuras como o Marrozinho, que não conseguia falar e mostrava uma mordaça, a primeira mulher candidata que fazia a propaganda à beira do fogão e o alegórico e já falecido Enéas (este pelo menos conseguiu conquistar seu objetivo e foi um exemplo de persistência). Sem contar o Ronaldo Caiado, bancando o salvador da Pátria montado em um cavalo branco, uma coisa extremamente apelativa e de péssimo gosto.

Depois de muito tempo sem prestar atenção no horário eleitoral gratuito na televisão, descobri uma nova forma de rir e esquecer um pouco as amarguras da vida. Sem querer debochar dos coitados que só estão ali fazendo sabe Deus o quê (se votarem em si já será uma conquista), mas em muitos casos está na cara, literalmente, o despreparo do cidadão. É óbvio que para muitos almejar uma vaga no mundo da política é conseguir uma boquinha para ganhar muito dinheiro (claro, com tantas mordomias é normal haver essa ambição). Mas aqui e ali aparecem pessoas sérias (uns poucos eu conheço pessoalmente e um deles já terá meu voto), e aos demais que involuntariamente acabam se tornando engraçados, só posso desejar boa sorte, pois se Tiririca chegou lá, a zebra pode acontecer de novo. Mas para isso, falta o carisma e uma música idiota que conquiste o público. Pelo andar da carruagem da pobreza musical em nosso país, talvez não seja tão difícil.


VIAGEM: Cabaceiras, PB (06/04/2024)

Pela terceira vez viajei à Paraíba nas férias - e a primeira vez com meu marido Érico -, e essa foi a oportunidade de realizar um sonho, alé...