quarta-feira, 18 de julho de 2012

Os pornôs, quem diria, já tiveram seu charme!


Cena do clássico pornográfico "O diabo na carne de miss Jones", de 1973

Sou da época em que a indústria pornográfica começou a invadir os lares - mais especificamente, os quartos - de milhões de adolescentes. Começava, nos meados da década de 1980, a era do pornô em VHS, com a chegada de títulos "clássicos" ao mercado do home video brasileiro, ainda dos anos 1970, como "Atrás da porta verde", "O diabo no corpo de miss Jones" e "Garganta profunda", considerados como a tríade da pornografia norte-americana e um marco nessa indústria ascendente. O Brasil entrava no ramo com "Coisas eróticas", produção muito aquém do nível (!) de qualidade internacional. O mercado fervilhava de marcas do ramo como Sexxy, Buttman, Erotica e outras já esquecidas. E havia as celebridades internacionais do gênero - Ginger Lynn, Vanessa Del Rio, Christy Canion, Tom Byron, Peter North, Ron Jeremy, Dick Rambone e até mesmo a brasileira Elle Rio -, algumas das quais permaneceram no ramo atuando por trás das câmeras, enquanto outras faleceram naturalmente (alguns já atuavam por volta dos 35 anos de idade) ou mudaram de vida.

Passou o tempo, mudaram-se vários costumes e mentalidades e a indústria pornográfica chegou quase intocada à era do DVD e Blu-ray. Quase, pois no rastro das mudanças os novos "talentos" apareceram e a pornografia nacional, principalmente, alcançou um nível de produção nem de longe imaginado naqueles primeiros anos. Mas se a variedade de atores, atrizes e diretores cresceu, tanto aqui quanto em terras estrangeiras, o mesmo não se pode falar da qualidade.

Sim, qualidade. Pode parecer paradoxal, mas a pornografia tem seu aspecto técnico que naquela época fez a diferença e lançou nomes como Alex De Renzy, Herny Pachard e Gerard Damiano, por exemplo. Havia os filmes pornográficos "para casais" ou "com história" que, por incrível que pareça, possuiam bons roteiros que até justificavam as cenas de sexo explícito, criando o "pornô soft". Mesmo o hardcore, com suas peripécias sexuais e perversões variadas em sucessões de closes anatômicos da "ação", tinham um bom conceito estético, do qual os Dark Brothers foram um dos maiores expoentes - basta lembrar a cena lésbica e antológica de "Terapia sexual" (Dr. Penetration), de 1986, em que duas atrizes fazem sexo lambuzadas de óleo dos pés à cabeça. 

Também havia humor nessas produções (como as histórias de adolescentes irrequietos em um acampamento de férias em "As cocotinhas", película desaparecida na história do gênero) e nas sátiras pornográficas ao cinema convencional, que com o tempo foram baixando de nível e descambando para o escatológico carnal, sem sentimento autêntico e robotizado, e as famosas séries que, não fossem pelas cenas explícitas, poderiam muito bem passar como um bom filme comum. É dessa época a famosa - e hoje desaparecida - série "Tabu ao estilo americano" (Taboo american style), uma série de quatro filmes pornográficos de 1985 que contavam a saga de uma família movida pelo incesto - uma espécie de versão hardcore de "Álbum de família", do nosso Nelson Rodrigues. Se bem me lembro, foi um trabalho que conquistou prêmios no ramo.

Ginger Lynn
A pornografia estrangeira ficou no lugar comum das maratonas sexuais de atores e atrizes de carreira volátil. Nunca mais surgiu uma Ginger Lynn, famosa pela sua beleza espetacular e corpo miúdo, ou uma Traci Lords, protagonista de um escândalo na indústria pornô norte-americana ao ser descoberto que falsificara seus documentos e fizera vários filmes de sexo explícito ainda menor de idade (hoje Traci se aventura pelo cinema e pelo lado "decente" da indústria do entretenimento). A brasileira Elle Rio, que foi sensação na terra de tio Sam naquela época pelo furor autêntico nas suas atuações (dizia-se que era ninfomaníaca de verdade, como Debi Diamond, dos anos 1990, praticamente sua sucessora), fez "Rio 69 graus" (Rio Heat) e vários outros filmes e desapareceu do mapa (reza a lenda que teria voltado a Minas Gerais, sua terra natal, mudado de identidade e casado, após faturar alto na horizontal). Vanessa Del Rio, portorriquenha (ou seria cubana?) totalmente fora dos padrões de beleza mas de um apetite sexual violento nos tempos do VHS, hoje é uma sexagenária siliconada repuxada por várias cirurgias plásticas. 

Traci Lords
Dos atores pornôs, Tom Byron, Peter North e Ron Jeremy mantiveram seu lugar também como diretores. Rocco Siffredi, que apareceu com destaque nos anos 1990, largou a "atuação". Outros tantos, diretores, atores e atrizes, foram levados na esteira da vida desregrada: se não morreram naturalmente, cometeram suicídio ou estão perdendo a guerra contra a Aids. No Brasil, com uma produção modesta até meados de 1990, a indústria cresceu recentemente, mas com filmes restritos a cenas sem nexo umas com as outras, sem exceção alguma como a que havia na "era de ouro do pornô".

Na onda retrô que tem dominado o mundo, tem lugar até para a pornografia. Sinal de que aqueles tempos eram melhores até mesmo para fantasias, enquanto hoje o ramo só repete estereótipos e preconceitos - tipo o lado negro do funk que reduz as mulheres a cadelas passivas e vagabundas. Os pornôs, quem diria, já tiveram um dia seu charme.


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