Val (Regina Casé) é a empregada doméstica com quem toda a família de classe média sonha. Mora há mais de dez anos no emprego, num quartinho dos fundos, onde até guarda eletrodomésticos para a casa onde um dia pretende morar. Nordestina, manda dinheiro todos os meses para a terra natal, onde sua filha Jessica é criada por tios. Afetuosa, cria com carinho o filho do casal de patrões, um menino praticamente ignorado pelos pais que desenvolve um elo afetivo muito maior com a empregada. Quando o menino se torna um jovem que conta com a cumplicidade de Val para driblar a atenção do pai e da mãe para recuperar um pacote de maconha e nas noites de insônia procura a criada para lhe fazer cafuné até conseguir dormir, vem a notícia: a jovem Jéssica (Camila Márdila) está a caminho de São Paulo, onde irá prestar vestibular para o curso de Arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) - a mesma onde o filho dos patrões irá fazer o exame. Aí a vida de Val se tornará uma verdadeira tempestade.
No filme de Anna Muylaert, Regina Casé faz uma interpretação comovente e divertida de Val, mulher simples, conformada com o pouco caso que a família rica lhe presta, apesar de ser tratada como parte dela - isso na visão dos patrões, um casal de posses mas medíocre: a mulher, Bárbara (Karine Telles) é uma fashion designer que disfarça o descaso com Val por meio de um falso carinho (em uma cena, Val lhe dá um jogo de xícaras e cafeteira de aniversário, ela agradece mas relega o presente para ficar guardado para uma "ocasião especial", que não será a festa daquela mesma noite, para espanto da empregada); o marido, Carlos (Lourenço Mutarelli), é um rico herdeiro solitário que dorme em quarto separado da esposa e, carente, se sente atraído por Jéssica; e Fabinho (Michel Joelsas) é o filho postiço: para ele, Val é a amiga confidente e cúmplice. Todos eles, no entanto, a despeito da relação de confiança e amizade com a pernambucana, deixam claro o limite entre patrão e serviçal.
A chegada de Jéssica, a quem Val não via há dez anos, começa a abalar essa relação, para horror da mãe da jovem: a garota é bem recebida por todos, mas deixa claro para a empregada que não gostou de saber que ficaria hospedada na casa dos patrões. Sua inteligência e forma sincera de lidar com as situações incomoda Bárbara, encanta Carlos e Fabinho. A jovem logo acaba ficando no quarto de hóspedes a convite de Carlos, o que aborrece Bárbara. Assim começará uma "guerrilha" na qual Val chegará a entrar em desespero: a filha a cutuca para abrir os olhos para a relação de exploração estabelecida pelos patrões, mas a mãe insiste em manter aquele status quo no qual mergulhara há muitos anos. Com o tempo e as reações da filha, que sempre a chama pelo nome, Val vai desenvolver uma reflexão que logo a fará enxergar na chegada de Jéssica - e na descoberta casual de um segredo da filha - a oportunidade de reparar seus erros e evitar que eles se repitam na vida da jovem.
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(SPOILERS A PARTIR DAQUI)
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Há um aspecto interessante no filme, que não se trata da eterna guerra de classes sociais, e sim na hipocrisia das relações artificialmente criadas para tentar esconder as desigualdades. Para poder criar sua filha e lhe garantir um futuro melhor, Val deixa Pernambuco e se emprega no Morumbi como babá e, posteriormente, criada. Logo seu papel vai além disso e ela é considerada membro da família, mas sempre a serviçal acostumada a levar água para seus patrões. Com a chegada de Jéssica, essa relação começa a se revelar em sua essência: o fato de a filha da empregada se candidatar a uma das faculdades mais concorridas é recebida pelos ricos com espanto e incredulidade, principalmente por Bárbara. O fato de Fabinho rir do sotaque pernambucano de Jéssica ("Olha, ela fala igual à Val") expõe um comportamento tanto estúpido quanto ignorante de uma geração sem empatia alguma. Apenas Carlos se propõe a pajear a jovem vestibulanda, querendo saber mais sobre seus estudos, mostrando-lhe a casa, levando-a a lugares da capital paulista onde há exemplos de arquitetura moderna, mas com segundas intenções.
No meio de tudo, a reaproximação entre Val e Jéssica parece mais complicada por conta da personalidade contestadora da jovem, que não admite ver a mãe tão submissa e conformada. Essa critica a filha por suas atitudes "sem noção" junto aos patrões. Então chega a descoberta do segredo: Jéssica tem um filho pequeno, José, a quem deixara em Pernambuco para tentar uma vaga na FAU, de certa forma repetindo o que Val fizera muitos anos antes. O ponto de ruptura começa quando Fabinho não passa no vestibular e Jéssica é aprovada. A forma como Bárbara e o rapaz reagem à notícia, com incredulidade e maus disfarçados sarcasmo e ressentimento, é um dos momentos mais cruéis do filme: o fato da filha da empregada alcançar a meta, enquanto o jovem de boa vida tem um desempenho pífio, gera comentários que não chocam Val em sua mansidão. Mas como uma forma de mostrar que "quem pode, pode", a família decide mandar Fabinho para a Austrália, onde fará intercâmbio por dois anos. Com a partida do rapaz, a quem criara quase como um substituto de Jéssica, o elo é quebrado, e Val pede demissão a uma surpresa Bárbara para morar com a filha em um pequeno apartamento, mandando-a buscar seu netinho para, enfim, em um recomeço, levarem a vida a que se negara por tantos anos.
O título é uma referência a uma frase repetida no início e quase no final do filme. No começo, Fabinho, ainda criança, está na piscina sob o olhar de Val, até um momento em que chega para a então babá e pergunta que horas a mãe voltaria. Perto do encerramento da trama, Jéssica revela à mãe que fazia a mesma pergunta em Pernambuco para a família, pois sentia falta dela. E assim, resolvida a situação, Jéssica passa a tratar Val por "mãe". É chegada a bonança.