sábado, 25 de agosto de 2012

Minha vida de editor: dois malucões no Estadão

De 2004 a 2006 fui editor do caderno Manaus, no jornal O Estado do Amazonas, e junto com o subeditor Ricardo Nixon (depois substituido pela Graciene Siqueira e posteriormente pelo Paulo Ricardo "Gavião", que segurou o pepino enquanto eu largava tudo e seguia para outros projetos como assessor de imprensa da Agência de Fomento do Estado do Amazonas), comandava um grupo inicial de 12 repórteres, número que, logo após a primeira avaliação inicial, ficou em torno de sete ou oito jornalistas na editoria de Cidades.

Foi uma experiência muito bacana, pois ali começaram vários bons repórteres que continuam na ativa nas redações, como Mário Adolfo Filho, Diogo Mouco (que não é surdo) e Fabíola Pascarelli. Também houve momentos, por assim dizer, marcantes. Em duas ocasiões, tive que encarar dois malucos, pessoas que foram supostamente fazer denúncias e que, no final das contas, tinham de um a cinco parafusos soltos.

O primeiro caso foi clássico, em certo dia de 2005. Um cidadão chegou à redação querendo fazer uma denúncia, pois segundo ele sua ex-mulher estaria impedindo que visse a filha. Era o tipo do drama humano que poderia dar em uma matéria no mínimo interessante. Encaminhei-o para a Rubia Balbi, que havia chegado de uma pauta e era a única disponível, enquanto eu editava o trabalho do pessoal da manhã.

Passaram-se menos de cinco minutos e lá vem a Rubinha, furiosa (e a Rúbia sempre foi um amor, então para tirá-la do sério a coisa era muito, muito feia).

- César, não dá para entrevistar esse cara! Ele não responde!

E o cidadão, logo atrás:

- Essa repórter não sabe ouvir as pessoas!

Para botar panos quentes no estresse, me encarreguei de entrevistá-lo. Rubinha voltou para escrever a sua matéria e pedi que o rapaz - inclusive de boa estampa e relativamente bem vestido - contasse sua história.

Logo nos primeiros cinco minutos de conversa percebi que o camarada era, no mínimo, esquizofrênico. Contou-me que havia se separado da mulher, a qual fugira com sua filha, depois que ele entrara para uma igreja (acho que era a Universal, até). Ele afirmava que tentara por várias vezes ver a menina, àquela altura morando em Parintins. Mas quando ele disse que no caminho de Manaus para Parintins desembarcara em Barcelos, senti que havia algo de errado: qualquer um sabe que Parintins e Barcelos ficam em regiões opostas e nossa capital fica no meio, então sair daqui para ir a Parintins passando por Barcelos, só sendo um bumerangue ou completamente sem noção de geografia. Nem mesmo rota de barco ou avião aqui na região seria tão desconexa.

Mas o pior estava por ir. Ouvi pacientemente toda a história, até que do nada o rapaz me saiu com essa:

- Sabia que já fui no programa do Faustão me apresentar porque me acharam parecido com o Raul Seixas?

Eu nem sabia o que dizer. Acabei me limitando à espontânea pergunta "É mesmo, é?".

- Isso! E canto igualzinho a ele!

Antes que eu dissesse qualquer coisa, o cidadão levantou da cadeira e começou a cantar bem alto:

- "Eu nasci / há dez mil anos atrás / e não tem nada neste mundo que eu não saiba demais!".

Detalhe: cantando e dançando em plena redação. Fiquei sem reação. Do jeito que eu estava, olhando para a tela do meu computador, eu permaneci, totalmente constrangido e incapaz até de piscar, enquanto o elemento continuava com o show. Mas, ao meu lado, os colegas Emanuela Lago e Paulo Ricardo "Gavião" explodiram em gargalhadas histéricas, daquelas típicas de quem controlou o riso por um tempo quase interminável.

Para acabar com a doidice ali, interrompi os devaneios do rapaz, pedindo-lhe que acompanhasse o fotógrafo Reinaldo Okita para que fosse uma foto na área externa do jornal. Assim eu me livrei do malucão, escrevi uma materinha meia boca de tanta raiva e ainda tive que aturar a gozação dos colegas. Ossos do ofício.

O segundo caso de doidice aconteceu naquele mesmo ano. O então editor executivo do Estadão, Sebastião Reis, recebera a visita de uma senhora, em torno dos 50 anos, em sua sala. Dali a pouco, ele me chama.

- César, tem algum repórter aí?

Não havia. E lá fui eu com bloco e caneta nas mãos.

A dita senhora, de atitudes bem distintas, queria fazer uma denúncia contra o governo federal. Até aí, tudo bem, mas dali a pouco ela começou a falar coisas absolutamente estranhas: que o Lula e sua esposa estavam vindo ao Amazonas para afrontá-la, que ele a perseguia, que não-sei-quem vinha atormentá-la subindo pelo seu fluxo menstrual. Eu havia anotado só o nome dela, mas depois de ouvir tantos absurdos, fiquei com a caneta parada sobre o papel.

Olhei discretamente para o Reis, que também me olhou. Nenhum dos dois conseguiu dizer mais nada, até a mulher continuar com seus devaneios até o fim. Depois, Reis a dispensou, prometendo que iria analisar as informações. Nem precisou me dizer mais nada. Apenas trocamos aquele olhar de "é isso aí. Fazer o quê? Doida de pedra". 

E assim uma segunda pessoa doida marcou minha passagem pelo jornal O Estado do Amazonas. Mas em breve, de volta ao Amazonas em Tempo, teríamos a Tábata. Essa, a Michele Gouvêa vai gostar de relembrar! Fica para outro dia!

Minha vida de repórter: os cães do diabo

Foi em 1999. O Jornal do Norte havia fechado as portas alguns anos antes, mas eu já havia saído de lá no final de 1996, em uma das primeiras demissões em massa que marcaram a derrocada de um veículo que trouxera a proposta de inovar, mas que em razão da péssima administração, foi para o buraco. Eu estava somente trabalhando na assessoria de imprensa da Universidade Federal do Amazonas (onde fiquei até pedir exoneração em 2004) e eventualmente me metendo em algum projeto novo de jornais (até que parei, cansado de levar calote) e freelas, quando o meu amigo Ricardo Nixon me chamou para um teste como repórter de Cidades no jornal Amazonas em Tempo (a primeira de várias idas e vindas nesse jornal que marcou muito minha vida profissional).

O editor de Cidades era o jornalista Augusto Banega, meu amigo até hoje e que fez parte do time de profissionais que me fizeram crescer profissionalmente. E foi assim que cheguei ao Amazonas em Tempo para um teste. E já comecei pagando mais um mico. Já não era mais foca, era um repórter "praticante", por assim dizer.

A pauta não poderia ser mais bizarra: uma senhora no conjunto Dom Pedro II estava sendo denunciada pelos vizinhos por criar pelo menos uns 15 cachorros em sua residência. Nada contra quem ama os bichinhos (eu os adoro também), mas o problema apontado pela vizinhança era a falta de cuidados. Os animais não eram devidamente cuidados, o fedor e o barulho incomodavam demais. Foi minha primeira pauta no Amazonas em Tempo e a primeira de muitas em que fui acompanhado de um profissional que se tornaria um amigo de aventuras na profissão, o repórter fotográfico Danilo Mello.

Chegamos à tal casa, sob o sol das 15h. O imóvel fica na principal avenida do conjunto, próximo à superintendência da Polícia Federal. Bati palmas ao portão, os cães já começaram a fazer a balbúrdia infernal. Verdadeiros cães do diabo! A mulher veio: gorda, cara de barraqueira. Educadamente falei sobre a denúncia feita pelos vizinhos e que gostaria de conversar com ela a respeito.

- Aqui não tem cachorro nenhum, não! Não tem nada aqui! - ela começou a dizer, alterada, descendo as escadas e fazendo menção de abrir o portão menor de entrada, na verdade uma grade. No terreno, os cachorros latiam, mas não era possível vê-los distintamente por causa do portão da garagem. Talvez a mulher fosse mouca ou retardada, até hoje não sei, mas os animais estavam ali, latindo como loucos, e a dita cuja continuou repetindo aos gritos que não havia cães em sua casa.

Tentei argumentar com ela, mas não teve jeito. A criatura virou as costas e voltou para dentro da casa, xingando Deus e o mundo. Lembro que havia uma jovem com ela, talvez sua filha, irmã, amante... sei lá. A garota ficou meio constrangida com aquilo tudo.

Enquanto eu tentava conversar com a mulher, Danilo procurava tirar fotos dos cães do diabo pela fresta do portão da garagem. Sem sucesso. Apelei para a opção de falar com a vizinhança. Curiosamente, nas duas casas vizinhas de cada lado do canil improvisado não havia ninguém. Procurei uns cidadãos que estavam observando tudo de longe, em um boteco. Confirmaram os problemas que a vizinha e seus cães do diabo causavam. Até carrapato era encontrado nos genitais das pessoas! No entanto, não quiseram dar entrevista.

Como última opção, procuramos os vizinhos da rua de trás. Uma senhora falou algumas coisas, confirmando a história do incômodo causado pelo barulho e pela falta de higiene nos cuidados com os bichinhos. Mas não quis se identificar.

Resultado: voltamos para o jornal com uma captação pífia e sem fotos. Talvez o Danilo estivesse acostumado com essas furadas (ele estava ali, salvo engano, havia quase dois anos), mas eu fiquei aborrecido. O que escrevi só rendeu dois míseros parágrafos. Frustrado, achei que ia perder a vaga. Mas, de algum modo, Banega resolveu me contratar. Fui conversar com a então diretora, Menga Junqueira, e pronto! Estava contratado. Porém, a princípio, trabalhei como repórter do caderno Arte Final, editado pelo Aldísio Filgueiras, junto com a Tricia Cabral. E ali começou uma relação de amor e ódio com o jornal Amazonas em Tempo, que dura até hoje! Mas uma coisa é certa: ali foi onde cresci profissionalmente e fiz amigos de longa data. E aprendi que vida de repórter é sujeita a essas pautas furadas, mais dia ou menos dia.

E agora estou me lembrando dos entrevistados malucos do jornal O Estado do Amazonas. Mas fica para a próxima!

Minha vida de foca: tiros no bairro São Jorge

Em uma conversa com um amigo virtual no Facebook, um estudante de Jornalismo, relembrei alguns momentos cômicos do meu início de carreira de redação, em 1995. Ele falava sobre a ansiedade, o receio de fazer a primeira matéria para veículo impresso (eu havia pedido sua ajuda com umas matérias para a revista para a qual escrevo) e a decepção de ter sido praticamente humilhado ao fazer um teste de trabalho e também a dificuldade de conseguir uma oportunidade para aprendizado no mercado.

Eu não tive essa dificuldade naquela época, felizmente. Tinha uma experiência iniciante na área de assessoria de imprensa, estava no quinto período da faculdade e uma amiga me convidou para fazer parte da equipe do Jornal do Norte, hoje extinto. Comecei como radioescuta e logo passei para repórter assim que pintou uma vaga no caderno Radar, de cultura e variedades. Era um foca perfeito, empolgado com o primeiro trabalho em redação, paralelo à faculdade (que acabei precisando trancar parcialmente, mas sem nenhum arrependimento hoje), querendo aprender muito.

Claro, apareceram os micos pelos quais os focas precisam passar. E foi assim que resgatei um episódio ocorrido por volta de 1996. Lembro que era um final de semana (creio que domingo) e eu estava no plantão no Jornal do Norte quando no início da noite houve uma ocorrência no bairro São Jorge, zona oeste de Manaus. Uns cidadãos estavam se embriagando e aconteceu uma discussão cujo ponto alto foi troca de tiros. Uma menina de uns 6 ou 7 anos acabou levando a pior: foi atingida por um tiro no rosto, que lhe entrou pela bochecha. Foi o estopim de uma revolta dos moradores locais, que começaram um quebra-quebra na casa dos encachaçados. Acho que a Mônica Santaella era a chefe de redação naquela época e me passou a bola. E lá fui eu cobrir a história. 

Era a primeira vez que eu ia cobrir algo mais significativo da área policial, mais que as rondas com prisão de bêbados desordeiros e ladrõezinhos. Chegamos ao local (não consigo lembrar quem era o fotógrafo que estava comigo, e nem o nome da rua) e a confusão estava armada. Estilhaços de vidro por todos os cantos, gente falando alto, mulheres histéricas, polícia tentando acalmar os ânimos... A garotinha ferida havia sido levada ao hospital. Fui atrás da história. Um morador me contou uma coisa, outro já aumentou mais a história, dizendo que a menina tinha morrido, e um me disse que os sujeitos eram traficantes.

Um senhor me chamou e apontou para um certo cidadão.

- Ele viu tudo, ele pode contar o que aconteceu!, disse, e depois chamou o fulano.

- Vem cá, conta pra imprensa!, pediu.

O cidadão só olhou para nós (estava visivelmente alterado) e disse:

- Quero que a imprensa vá se "fudê"!

Fiz ouvidos moucos. Só suspirei, irritado. "Caramba, será que ninguém pode me contar a história direito?". Foi então que fui cercado por uns dez moradores, falando ao mesmo tempo, querendo contar sua versão da história. Eu fiquei perdido no meio daquele povo, bloco e caneta na mão, tentando pegar as versões simultâneas de cada um, quase a ponto de explodir e mandar todo mundo calar a boca para botar ordem na baderna.

Foi então que soou o tiro. Um policial apareceu e atirou para o alto. A turma que me cercava praticamente evaporou. Fiquei sozinho, parado na rua do mesmo jeito que antes, o bloco cheio de anotações rabiscadas, nada assustado. Sério, nem susto peguei com o estampido. Muito pelo contrário: estava mais do que aliviado por ter me livrado daquela turba maluca. Qualquer coisa era melhor que várias pessoas falando ao mesmo tempo (e certamente um ou outro iriam inventar mais coisas para queimar mais ainda o filme dos acusados). Aí então, com a "paz" restabelecida, cheguei perto de um policial e obtive, finalmente, a tão esperada história dos bebuns que se estranharam e trocaram tiros, e uma bala perdida havia acertado a garotinha, já encaminhada e tratada no hospital. A polícia precisou intervir para que os vagabundos não fossem linchados pelos moradores revoltados.

Agradeci, chamei o fotógrafo e voltamos para a redação para escrever a matéria. Depois, eu só conseguia rir me lembrando da situação vexatória, com aquela turba enfurecida, cada um querendo dar sua versão da história, e eu me controlando para não perder a compostura com os histéricos. Coisas que parecem só acontecer na vida de um foca.

E esta é apenas a primeira história... Melhor que essa, só a dos cães do diabo. Mas fica para a próxima!

VIAGEM: Cabaceiras, PB (06/04/2024)

Pela terceira vez viajei à Paraíba nas férias - e a primeira vez com meu marido Érico -, e essa foi a oportunidade de realizar um sonho, alé...