De 2004 a 2006 fui editor do caderno Manaus, no jornal O Estado do Amazonas, e junto com o subeditor Ricardo Nixon (depois substituido pela Graciene Siqueira e posteriormente pelo Paulo Ricardo "Gavião", que segurou o pepino enquanto eu largava tudo e seguia para outros projetos como assessor de imprensa da Agência de Fomento do Estado do Amazonas), comandava um grupo inicial de 12 repórteres, número que, logo após a primeira avaliação inicial, ficou em torno de sete ou oito jornalistas na editoria de Cidades.
Foi uma experiência muito bacana, pois ali começaram vários bons repórteres que continuam na ativa nas redações, como Mário Adolfo Filho, Diogo Mouco (que não é surdo) e Fabíola Pascarelli. Também houve momentos, por assim dizer, marcantes. Em duas ocasiões, tive que encarar dois malucos, pessoas que foram supostamente fazer denúncias e que, no final das contas, tinham de um a cinco parafusos soltos.
O primeiro caso foi clássico, em certo dia de 2005. Um cidadão chegou à redação querendo fazer uma denúncia, pois segundo ele sua ex-mulher estaria impedindo que visse a filha. Era o tipo do drama humano que poderia dar em uma matéria no mínimo interessante. Encaminhei-o para a Rubia Balbi, que havia chegado de uma pauta e era a única disponível, enquanto eu editava o trabalho do pessoal da manhã.
Passaram-se menos de cinco minutos e lá vem a Rubinha, furiosa (e a Rúbia sempre foi um amor, então para tirá-la do sério a coisa era muito, muito feia).
- César, não dá para entrevistar esse cara! Ele não responde!
E o cidadão, logo atrás:
- Essa repórter não sabe ouvir as pessoas!
Para botar panos quentes no estresse, me encarreguei de entrevistá-lo. Rubinha voltou para escrever a sua matéria e pedi que o rapaz - inclusive de boa estampa e relativamente bem vestido - contasse sua história.
Logo nos primeiros cinco minutos de conversa percebi que o camarada era, no mínimo, esquizofrênico. Contou-me que havia se separado da mulher, a qual fugira com sua filha, depois que ele entrara para uma igreja (acho que era a Universal, até). Ele afirmava que tentara por várias vezes ver a menina, àquela altura morando em Parintins. Mas quando ele disse que no caminho de Manaus para Parintins desembarcara em Barcelos, senti que havia algo de errado: qualquer um sabe que Parintins e Barcelos ficam em regiões opostas e nossa capital fica no meio, então sair daqui para ir a Parintins passando por Barcelos, só sendo um bumerangue ou completamente sem noção de geografia. Nem mesmo rota de barco ou avião aqui na região seria tão desconexa.
Mas o pior estava por ir. Ouvi pacientemente toda a história, até que do nada o rapaz me saiu com essa:
- Sabia que já fui no programa do Faustão me apresentar porque me acharam parecido com o Raul Seixas?
Eu nem sabia o que dizer. Acabei me limitando à espontânea pergunta "É mesmo, é?".
- Isso! E canto igualzinho a ele!
Antes que eu dissesse qualquer coisa, o cidadão levantou da cadeira e começou a cantar bem alto:
- "Eu nasci / há dez mil anos atrás / e não tem nada neste mundo que eu não saiba demais!".
Detalhe: cantando e dançando em plena redação. Fiquei sem reação. Do jeito que eu estava, olhando para a tela do meu computador, eu permaneci, totalmente constrangido e incapaz até de piscar, enquanto o elemento continuava com o show. Mas, ao meu lado, os colegas Emanuela Lago e Paulo Ricardo "Gavião" explodiram em gargalhadas histéricas, daquelas típicas de quem controlou o riso por um tempo quase interminável.
Para acabar com a doidice ali, interrompi os devaneios do rapaz, pedindo-lhe que acompanhasse o fotógrafo Reinaldo Okita para que fosse uma foto na área externa do jornal. Assim eu me livrei do malucão, escrevi uma materinha meia boca de tanta raiva e ainda tive que aturar a gozação dos colegas. Ossos do ofício.
O segundo caso de doidice aconteceu naquele mesmo ano. O então editor executivo do Estadão, Sebastião Reis, recebera a visita de uma senhora, em torno dos 50 anos, em sua sala. Dali a pouco, ele me chama.
- César, tem algum repórter aí?
Não havia. E lá fui eu com bloco e caneta nas mãos.
A dita senhora, de atitudes bem distintas, queria fazer uma denúncia contra o governo federal. Até aí, tudo bem, mas dali a pouco ela começou a falar coisas absolutamente estranhas: que o Lula e sua esposa estavam vindo ao Amazonas para afrontá-la, que ele a perseguia, que não-sei-quem vinha atormentá-la subindo pelo seu fluxo menstrual. Eu havia anotado só o nome dela, mas depois de ouvir tantos absurdos, fiquei com a caneta parada sobre o papel.
Olhei discretamente para o Reis, que também me olhou. Nenhum dos dois conseguiu dizer mais nada, até a mulher continuar com seus devaneios até o fim. Depois, Reis a dispensou, prometendo que iria analisar as informações. Nem precisou me dizer mais nada. Apenas trocamos aquele olhar de "é isso aí. Fazer o quê? Doida de pedra".
E assim uma segunda pessoa doida marcou minha passagem pelo jornal O Estado do Amazonas. Mas em breve, de volta ao Amazonas em Tempo, teríamos a Tábata. Essa, a Michele Gouvêa vai gostar de relembrar! Fica para outro dia!
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