Em uma conversa com um amigo virtual no Facebook, um estudante de Jornalismo, relembrei alguns momentos cômicos do meu início de carreira de redação, em 1995. Ele falava sobre a ansiedade, o receio de fazer a primeira matéria para veículo impresso (eu havia pedido sua ajuda com umas matérias para a revista para a qual escrevo) e a decepção de ter sido praticamente humilhado ao fazer um teste de trabalho e também a dificuldade de conseguir uma oportunidade para aprendizado no mercado.
Eu não tive essa dificuldade naquela época, felizmente. Tinha uma experiência iniciante na área de assessoria de imprensa, estava no quinto período da faculdade e uma amiga me convidou para fazer parte da equipe do Jornal do Norte, hoje extinto. Comecei como radioescuta e logo passei para repórter assim que pintou uma vaga no caderno Radar, de cultura e variedades. Era um foca perfeito, empolgado com o primeiro trabalho em redação, paralelo à faculdade (que acabei precisando trancar parcialmente, mas sem nenhum arrependimento hoje), querendo aprender muito.
Claro, apareceram os micos pelos quais os focas precisam passar. E foi assim que resgatei um episódio ocorrido por volta de 1996. Lembro que era um final de semana (creio que domingo) e eu estava no plantão no Jornal do Norte quando no início da noite houve uma ocorrência no bairro São Jorge, zona oeste de Manaus. Uns cidadãos estavam se embriagando e aconteceu uma discussão cujo ponto alto foi troca de tiros. Uma menina de uns 6 ou 7 anos acabou levando a pior: foi atingida por um tiro no rosto, que lhe entrou pela bochecha. Foi o estopim de uma revolta dos moradores locais, que começaram um quebra-quebra na casa dos encachaçados. Acho que a Mônica Santaella era a chefe de redação naquela época e me passou a bola. E lá fui eu cobrir a história.
Era a primeira vez que eu ia cobrir algo mais significativo da área policial, mais que as rondas com prisão de bêbados desordeiros e ladrõezinhos. Chegamos ao local (não consigo lembrar quem era o fotógrafo que estava comigo, e nem o nome da rua) e a confusão estava armada. Estilhaços de vidro por todos os cantos, gente falando alto, mulheres histéricas, polícia tentando acalmar os ânimos... A garotinha ferida havia sido levada ao hospital. Fui atrás da história. Um morador me contou uma coisa, outro já aumentou mais a história, dizendo que a menina tinha morrido, e um me disse que os sujeitos eram traficantes.
Um senhor me chamou e apontou para um certo cidadão.
- Ele viu tudo, ele pode contar o que aconteceu!, disse, e depois chamou o fulano.
- Vem cá, conta pra imprensa!, pediu.
O cidadão só olhou para nós (estava visivelmente alterado) e disse:
- Quero que a imprensa vá se "fudê"!
Fiz ouvidos moucos. Só suspirei, irritado. "Caramba, será que ninguém pode me contar a história direito?". Foi então que fui cercado por uns dez moradores, falando ao mesmo tempo, querendo contar sua versão da história. Eu fiquei perdido no meio daquele povo, bloco e caneta na mão, tentando pegar as versões simultâneas de cada um, quase a ponto de explodir e mandar todo mundo calar a boca para botar ordem na baderna.
Foi então que soou o tiro. Um policial apareceu e atirou para o alto. A turma que me cercava praticamente evaporou. Fiquei sozinho, parado na rua do mesmo jeito que antes, o bloco cheio de anotações rabiscadas, nada assustado. Sério, nem susto peguei com o estampido. Muito pelo contrário: estava mais do que aliviado por ter me livrado daquela turba maluca. Qualquer coisa era melhor que várias pessoas falando ao mesmo tempo (e certamente um ou outro iriam inventar mais coisas para queimar mais ainda o filme dos acusados). Aí então, com a "paz" restabelecida, cheguei perto de um policial e obtive, finalmente, a tão esperada história dos bebuns que se estranharam e trocaram tiros, e uma bala perdida havia acertado a garotinha, já encaminhada e tratada no hospital. A polícia precisou intervir para que os vagabundos não fossem linchados pelos moradores revoltados.
Agradeci, chamei o fotógrafo e voltamos para a redação para escrever a matéria. Depois, eu só conseguia rir me lembrando da situação vexatória, com aquela turba enfurecida, cada um querendo dar sua versão da história, e eu me controlando para não perder a compostura com os histéricos. Coisas que parecem só acontecer na vida de um foca.
E esta é apenas a primeira história... Melhor que essa, só a dos cães do diabo. Mas fica para a próxima!
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