Há pouco mais de um
ano descobri o significado de “deep web”, o lado negro da
internet, o espaço virtual onde se compartilha o que há de mais
indigno, selvagem, bizarro, pervertido e cruel do ser humano na rede. São os sites
de pedofilia, racismo, snuff movies, assassinato e todo o possível e
impensável do comportamento humano. Observando as redes sociais, vi
que a deep web está a um passo de deixar de existir ou de ser uma
lenda urbana: para que esse conceito se esse lado obscuro está por
todos os lados e a linha que separava o útil/fútil da perversidade
está acessível a qualquer um agora?
Vejamos se estou
errado: podemos começar sobre a banalização dos selfies. Recentemente, uma notícia compartilhada no Facebook indicava os selfies
mais bizarros e inconvenientes já vistos nas redes sociais. Era
gente fazendo selfie em velório, em locais de incêndio, em
enterros... Quando não são os autorretratos, são as fotos de gosto
duvidoso, como a garota fazendo poses em túmulos (até aí, poderia
se dizer que era um trabalho artístico, uma –
digamos – licença
poética, não fossem os termos vulgares utilizados pela aspirante a
modelo de filmes pornôs) ou aquela senhorita (qual mesmo o nome
dela?) que tirou fotos nos locais arrasados pelo furacão Katrina em
2007.
Outro
dia, no trabalho, comentei que esse excesso de selfies inconvenientes
e fora de foco está se tornando babaquice. Claro que pelas costas
devo ter sido chamado de reacionário, antipático, frustrado, mal
amado, essas coisas. Foda-se quem vestiu a carapuça e não prestou
atenção nas palavras “excesso”, “inconvenientes” e “fora
de foco”. Claro, é legal registrar e compartilhar momentos com
amigos, familiares, em baladas, viagens, roupas novas, com colegas de
trabalho, ao lado de artistas que admira, em jantares, almoços e
confraternizações. Faz bem à alma e ao ego. A merda começa quando
o ego acaba sendo muito valorizado. Daí surgem os selfies “after
sex”, as fotos em velórios (lembram-se do velório do então
candidato à presidência da República, Eduardo Campos?), os
registros durante a exibição de filmes no cinema (coisa que
enterrou de vez minha paixão por esses lugares) e por aí vai.
O
que tem isso a ver com a deep web? A falta de noção caracteriza o
lado obscuro. A pessoa banaliza o egoísmo e o sofrimento alheio,
deixa de ajudar alguém ferido para registrar o fato e compartilhar o
mais rápido possível na busca de uma popularidade virtual que
talvez não tenha na vida real –
a velha história de “quanto mais 'likes' e 'curtir', melhor”. Aí
desaparece o limite do racional. E tudo começa com o excesso de
selfies absurdos.
Aí chegamos à rede social como um todo. As
ferramentas que em teoria deveriam ser úteis acabam criando
verdadeiros idiotas –
no sentido de perderem sua individualidade e o contato com a
realidade. O Facebook serve para compartilhar ideias, fotos,
opiniões, desabafos, indiretas e piadas –
é uma imensa mesa de bar virtual, então não adianta torcer o nariz
e chamar de “muro das lamentações”. Tem sua utilidade enquanto
não é dominado pelo povo sem noção candidato a ingressar na deep
web. Contra esse, existem as possibilidades de excluir e bloquear. O
problema maior está na dependência criada de tal modo que tudo se
transforma em verdade, não há desejo em se aprofundar na
informação.
Existe o atendimento a um anseio que uma simples frase
–
ou uma foto montada –
se torna a Verdade, quando nas entrelinhas há a distorção. Exemplo
recente é a fotografia compartilhada na qual uma mulher aponta uma
arma na direção de uma bebê que carrega no colo. Qualquer olho
astuto perceberia que se tratava de uma montagem quase perfeita. Na
foto original, ela mostra para a criança um papagaio em sua outra
mão. Na montagem, a ave foi substituída por um revólver. Bastou
uma pesquisa para revelar a armação. Entretanto, a maioria dos
internautas tomou aquilo como verdade e os compartilhamentos
condenaram a vítima. Algo parecido e com resultado trágico
aconteceu em Santa Catarina, quando uma mulher foi linchada sob
acusação –
difundida no Facebook –
de que seria responsável pelo desaparecimento de crianças para
rituais de bruxaria.
As redes sociais se tornaram júris morais. Então, na dúvida, melhor primeiro checar se o que está sendo divulgado é verdadeiro. Até os "três dias de luto por Marcos Archer", supostamente decretados pela presidente Dilma Rousseff, foram tomados como verdade, e no final das contas eram meros boatos. Todo cuidado é pouco.