terça-feira, 19 de maio de 2015

Jornalistas, assessores e fontes: uma relação de amor e ódio

Há algumas semanas, a pedido da colega jornalista Sandra Bezerra, concedi-lhe um depoimento gravado (mesmo com reservas quanto a me expor, fiz esse sacrifício pela amizade e consideração com Sandra) no qual expus brevemente algumas opiniões e dicas sobre a fonte ideal para um jornalista e os critérios de seleção de releases para publicação no jornal impresso.

O assunto, a meu ver, é bem amplo, entretanto pelo tempo disponível (e pela minha intimidação por estar em frente a uma câmera) fui muito breve, mas creio que neste espaço posso me alongar e expressar minhas opiniões a respeito dessa área, com base em 20 anos de experiências em jornais e assessorias - ainda que em tempos alternados entre um e outro, mas o que vale é a primeira vez que se pisa em uma redação e/ou escritório de assessoria.

A relação entre jornalistas, fontes e suas assessorias é recheada de amor e ódio. Amor, por ser uma forma de se criar confiança entre as partes; ódio, pela incompreensão de como funciona esse processo onde se passam crivos até a publicação do material de interesse da fonte e, claro, do assessor que quer mostrar resultados. Desse arremedo de tapas e beijos surge a figura do entrevistado ideal - bem difícil, mas não impossível, de se encontrar.

Como eu disse a Sandra, o entrevistado ideal é pontual, tem domínio do assunto a ser exposto e tem uma relação cordial mesmo no caso de se sentir intimidado com algum questionamento. O jornal é um produto que tem prazos e cronogramas (os deadlines), portanto o jornalista não pode ficar à mercê do empresário, do governador, do prefeito, do parlamentar, do dono da loja de doces ou do sacerdote. Infelizmente, na maioria das vezes, é o que acontece. Pontualidade é uma virtude de poucos, e quando sua falta é recorrente, deduz-se que o entrevistado faz pouco caso do trabalho jornalístico. Na imprensa amazonense há casos frequentes, principalmente de certos políticos, e como existe o atrelamento de interesses entre a mídia e as autoridades, engole-se esse sapo. No entanto, a relação de cordialidade necessária deixa de existir, e tanto interfere na produção do jornalista quanto no seu respeito à fonte - quem vai negar que o atraso de duas horas do prefeito, sem justificativa plausível, tira todo o "apetite" pela notícia? Que atire a primeira pedra o jornalista que nunca praguejou contra o atrasadinho.

O domínio do assunto é fundamental porque uma fonte mal preparada e sem a relação cordial torna-se agressiva e até mesmo inconveniente. Ela está apenas disposta a mostrar o lado "Terra do Nunca" de suas atitudes, sem permitir questionamentos sobre o ponto cinzento no arco-íris. A sua defesa é partir para a arrogância e a intimidação. Há certos políticos e empresários (e eaté outros jornalistas) amazonenses famosos por seu "trato cavalar" com a imprensa: isso indica apenas ocultar a incompetência sob um manto de estupidez.

O outro ponto tratado com Sandra diz respeito aos materiais recebidos de assessorias de imprensa. Sem dúvida, são contribuições importantes, mas muitos assessores pensam que qualquer coisa - qualquer mesmo - pode virar notícia. Cada editoria deve ter seu método de triagem de releases, mas para a área na qual atualmente trabalho - Cidades -, a seleção tem base: a) na importância social do que está sendo divulgado; b) no interesse coletivo; c) na consistência das informações; e d) na possibilidade de surgir uma pauta mais ampla - não necessariamente nessa ordem.

Para que se compreenda melhor, entre um release informando que o prefeito de Manaus iniciou um plano de combate às ocupações irregulares de áreas de preservação ambiental e outro onde o governador participou de uma missa de formatura de uma universidade qualquer, o primeiro possui pelo menos três dos quatro critérios antes enumerados. O segundo não passa de um mero registro sem importância para minha área - afinal, no que pode interessar ao guardador de carros ou ao vendedor de bananas se o governador quebrou o protocolo em uma formatura? 

Entretanto, o assessor se submete ao assessorado, mas com alguma abertura - nem sempre possível -, ele pode evitar o desperdício de seu talento nessa massagem de ego. É daí que surgem aquelas famosas Grandes Manchetes do Jornalismo Brasileiro: a imprensa a serviço da inutilidade e a serviço da superficialidade. Amarras políticas e econômicas à parte, dá para se compreender essa dificuldade em produzir com qualidade. E cabe a nós, enquanto editores, tentar minimizar o impacto de tanta tolice.

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