quinta-feira, 14 de maio de 2015

Jornalistas ou reprodutores de asneiras?

Editar uma reportagem é mais do que arrumar as ideias e "limar" o texto para adequá-lo ao espaço disponível no veículo impresso: é um tremendo exercício de paciência, uma sujeição aos mais tenebrosos crimes contra a língua portuguesa e até mesmo contra a lógica. Escrever bobagens, frases sem sentido e erros monstruosos não é privilégio da nova geração de jornalistas. Pelo contrário, é um problema existente há muito tempo, reflexo da má formação cultural do profissional. No entanto, parece que é uma situação que cresce cada vez mais, a ponto de eu dizer, sem medo algum de errar, que de cada cinco jornalistas em início de carreira (já ultrapassada a fase do foca), no máximo dois irão se destacar - e isso é muito, garanto.

Em minha experiência como editor (e lá se vão mais de 10 anos), tive contato com tantas bizarrices que criei arquivos de pérolas para posteriormente chamar a atenção dos repórteres para as loucuras que produziam: erros constantes de gramática, vícios de linguagem, palavras usadas sem sentido, expressões sem qualquer nexo, termos pejorativos e assim por diante. Foi uma forma de auxiliar no aprendizado. Atualmente, essas bizarrices conseguem se superar, e o que é pior: por mais que se chame a atenção, elas continuam.

Outro dia, lendo um texto, deparei-me com a seguinte expressão: "...o ato foi publicado no Diário Municipal da União (DMU)". Foi o que bastou para acabar com um dia inteiro de trabalho. Fiquei por muito tempo tentando desvendar o que o repórter imaginou para escrever algo assim, mesmo porque a matéria dizia respeito a uma iniciativa do governo estadual - triplamente errada a expressão, portanto.

Refletindo sobre isso, veio-me à mente os conselhos que sempre dei aos meus repórteres: leia, questione e, na dúvida, pergunte, porque pior que parecer ignorante diante de uma fonte é mostrar a burrice aos colegas e aos leitores - sim, porque entre a fonte e o público leitor, o editor refina esse festival de sandices. Ao que parece, a nova geração de jornalistas - com suas exceções, é óbvio - está muito ligada ao imediatismo e à apatia das notícias instantâneas que viraram lugar comum. Esses novos profissionais não tentam obter conhecimento além do que assimilaram - e mal - nos bancos das faculdades. Ouvem asneiras de suas fontes e as repetem sem pestanejar, sem questionar, colocando seu entrevistado no status de "autoridade inquestionável no assunto". 

Bom, aí temos um problema. Se a fonte falou "Diário Municipal da União", certamente estava distraído, pensando em outra coisa que talvez tenha provocado essa confusão de definições - o tal DMU só poderia ser concebido em uma mente insana. Agora, o repórter reproduzir tal asneira é algo muito sério. Qualquer um sabe que existem os diários oficiais do Município (DOM), do Estado (DOE) e da União (DOU), portanto ver algo estranho como um DMU só pode causar indignação.

O que falta a esses jovens (e nem tão jovens) é conhecimento crítico. É o mínimo que se espera de quem lida com opinião pública - isso e o domínio da língua portuguesa. Não lhes pode bastar apenas ler, absorver superficialmente as palavras: é preciso saber analisar o que se lê, atentar para o formato e o conteúdo, transportar-se de leitor para redator (e vice-versa, após a produção do texto). Seguir fórmulas batidas e ultrapassadas é o refúgio da incompetência, da falta de talento disfarçada por um falso glamour que ainda viceja no mercado jornalístico.

Jornalista é - ou pelo menos deveria ser - formador de opinião, não bajulador, preguiçoso, de pouco conhecimento, alguém que vira arroz de festa. Não se pretende, claro, que o profissional hoje saiba recitar Marx, Engels, Camile Paglia, Nelson Rodrigues nem mesmo Clarice Lispector. Mas, repito, é inadmissível não ter conhecimentos indispensáveis a um jornalista realmente antenado com instituições e cotidianos. Não entendo, por exemplo, como há jornalistas que não sabem onde fica o vulcão Vesúvio, a história de Armero ou nunca tenham ouvido falar nas Diretas Já. Pesquisa não é o forte dessa nova "fornada", obviamente, e o leitor que tente descobrir os fatos que antecederam a situação reportada na edição do dia.

O jornalista tem o poder da palavra, o dom de transformar a declaração sem retirar-lhe o sentido, tornar mais claro o texto. Repetir meramente o que a fonte declarou, com todos os seus absurdos, é reproduzir asneiras, é mostrar que jornalismo nada mais é do que uma infame forma de contar histórias a bel prazer, sem nexo, sem investigação, sem interpretação. O mercado há muito deixou de ser sedutor, atraente. É para quem realmente tem vocação - e ela não está em apenas escrever "de acordo" e "ainda de acordo". O jornalista é, antes de tudo, um mágico das palavras. Portanto, sinto muito, mas mediocridade aqui não tem espaço.

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