Há umas três semanas
acabei me deparando com três vídeos compartilhados no Facebook com
cenas chocantes. No primeiro, uma mulher jovem era cercada por uma
multidão em uma tentativa de linchamento. Bastante
machucada, ela teve fogo ateado a uma parte de seu tórax e caiu no
chão, gemendo de dor. Como se não bastasse tamanha violência, um
homem passou com um balde e jogou seu conteúdo sobre a jovem caída
no chão, que instantaneamente explodiu em chamas, que ainda
atingiram superficialmente algumas pessoas mais próximas. Era
gasolina.
O segundo e terceiro
vídeos mostraram torturas e mortes de animais. Em um, um cidadão segurava um gato
siamês, imobilizando-o, enquanto outro atingiu o pobre animal com
uma ferramenta pesada. O agressor ainda fez sinal de positivo com o polegar para a
câmera enquanto o gatinho se contorcia, depois deu-lhe mais dois
golpes que o mataram. No outro vídeo, aparentemente gravado
escondido, um homem aproxima-se de um cachorro amarrado
(provavelmente em seu quintal), agarra-o pela coleira e atira-o
violentamente contra a parede. Enquanto o animal se contorce em
agonia, o assassino apanha uma garrafa e a quebra contra a cabeça do
cachorro, matando-o não sem antes causar-lhe terríveis sofrimentos.
Acabei sendo induzido a
ver tais vídeos bárbaros pelas declarações de quem os
compartilhou - e meu castigo foi ficar deprimido por vários dias. Um dizia apenas que a mulher havia torturado um
cachorro com um maçarico até a morte e foi espancada por uma
multidão revoltada – fatos que, descobri depois, não guardavam
nenhum tipo de relação. Os outros dois vídeos seguiam o estilo
“compartilhe para denunciar e achar o criminoso”. O grau de
violência mostrado me levou a deixar de seguir as pessoas que o
compartilhavam ou denunciar o vídeo – algo inútil, em várias
situações.
As redes sociais
deixaram de ser meio de relacionamento para adquirirem tons de
barbaridade gratuita sem que muitas vezes as pessoas o percebam. A
atitude de denunciar por fotos ou vídeos pode parecer nobre, mas
esconde em diversos casos o desejo bizarro de popularidade virtual:
“manda bem” quem tem mais “likes” e compartilhamentos. Pura
tolice.
Quando se compartilha
um vídeo de agressão (seja contra animais ou outros humanos), não
há ajuda alguma – aquela conversa de “cada clique vale um real
para ajudar” é conversa de desocupado. Quem quer ajudar, em vez de
compartilhar nas redes sociais, entrega a a tal evidência às
autoridades competentes, podendo, dentro de seu direito como cidadão,
cobrar providências. Por outro lado, não checar a procedência de
tais vídeos acaba tornando o internauta um grande otário, pois
muitos desses vídeos e fotos são antigos (ou de casos já
solucionados) e os fatos não são o que parecem. O compartilhamento
acaba sendo inútil, um gasto estúpido de tempo, ou o fato revelador
de que seu amigo virtual não passa de um tolo – tipo aquele que
compartilha memes do tipo “se fosse putaria seria compartilhado”
(ah, a maldita imposição sobre a consciência alheia!). Não se
pode, ainda, comparar tais desejos de “denunciar” às campanhas
que mostram animais ou pessoas feridos, em situação de risco social
– nesses casos, a causa pode ser nobre, desde que comprovada sua
veracidade, pois espertalhões proliferam também na web.
Aqui em Manaus, em 2014, houve uma situação semelhante. O cadáver de um homem, esquartejado, foi encontrado dentro de uma mala, nas margens do rio Negro, provavelmente um crime relacionado ao tráfico de drogas. Logo pipocaram vídeos compartilhados, principalmente via Whatsapp, mostrando a suposta tortura e morte do homem. Tudo foi conversa fiada. O tal vídeo, descobrimos quando eu ainda trabalhava em redação, era provavelmente a execução de uma pessoa na guerra do tráfico em algum país latino-americano que não o Brasil - era fácil ouvir as falar em espanhol.
Há também as famosas
montagens, desvendadas apenas com um pouco de bom senso e exame
detalhado – isso vale para fotos e vídeos. Fácil lembrar o caso
da mulher que supostamente estaria apontando uma arma para um bebê,
há uns dois ou três anos. Bastou um olhar mais detalhado para se
perceber a farsa. No lugar do revólver, na verdade, havia um
papagaio, e a jovem apenas mostrava para a criança segura em seu
outro braço – alguém fez a alteração com alguma intenção
sombria. O mal havia sido feito, mas não chegou perto da fatalidade
da mulher apontada em um vídeo como sequestradora de crianças: uma
inocente acabou sendo linchada, e a gravação de seu assassinato
virou atração nas redes sociais.
Não se trata de ser
politicamente correto, chato defensor dos bons costumes ou fiscal de etiqueta das redes sociais, e sim de usar o bom senso e tirar a cortina do
ódio insano da frente dos olhos. Então, antes de compartilhar
qualquer vídeo de violência ou mesmo de acusações contra uma
pessoa, é bom checar a origem e a veracidade. Compartilhamento sem
responsabilidade, além de ser uma estupidez, pode provocar
cumplicidade em crimes.
Para finalizar, é justo eu colocar esclarecimentos sobre os vídeos citados no início do post. O caso da jovem linchada aconteceu na Guatemala, no ano passado. A mulher era filha de um traficante de drogas e estaria envolvida, com outras pessoas, no assassinato de um taxista. A população, revoltada, fez "justiça" com as próprias mãos, e nem a polícia conseguiu livrar a garota de um assassinato cruel - portanto, fato sem relação com a mulher que torturou e matou um animal usando um maçarico (ao que consta, tal crueldade aconteceu nas Filipinas ou algum outro país asiático). O vídeo do assassinato do gato siamês levou à captura do criminoso, um ex-presidiário no Acre, também no ano passado. Já o da morte do cãozinho... esse ainda não consegui descobrir a real procedência.
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