Na abertura de "No mundo de 2020" (Soylent green, 1973), dirigido por Richard Fleischer, em
apenas dois minutos, é mostrada a desagregação do planeta Terra em vários
fotogramas que aceleram conforme a passagem do tempo, dos tranquilos
ambientes do século 19 até a loucura moderna com poluição,
superpopulação, calor extremo e miséria. É nesse ambiente, projetado no
ano 2022 em uma Nova York de 40 milhões de habitantes e altas temperaturas, que o policial
Robert Thorne (Charlton Heston) é encarregado de investigar o assassinato de um
rico empresário, William Simonsen (Joseph Cotten), morto a golpes de gancho sem
oferecer nenhuma resistência ao seu algoz, um jovem recrutado entre a
população miserável que lota as ruas da metrópole.
O autor
do crime e o mandante são logo revelados, mas o mistério é saber tanto a
motivação do assassinato quanto a razão da inércia de Simonsen diante
da própria execução. Para isso, Thorne conta com a ajuda de um amigo
investigador, Sol Roth (Edward G Robinson, em seu último filme e uma participação emocionante), já idoso, que conhecera as
belezas do mundo de outrora. Ao mesmo tempo, acaba se envolvendo com
Shirl (Leigh Taylor Young), uma "mobília" de Simonsen - uma espécie de
empregada-amante que faz parte do aluguel do apartamento, do mesmo jeito
que várias outras mulheres. É ela quem vai dar algumas pistas para
Thorne, que se recusa a abandonar a investigação mesmo com a
determinação de seu chefe Hatcher (Brock Peters), este já devidamente
pressionado pelo pessoal do governador Santini (Whit Bissell), ligado à
empresa Soylent, que fornece alimentos para a população - na verdade,
uma espécie de comida sintética produzida na forma de barras a partir de
plânctons dos oceanos. A resolução do mistério é surpreendente e
sinistra, explicando tanto a atitude de Simonsen diante de seu assassino
quanto dos demais personagens que descobrem o segredo mortal. Mas até chegar à solução, Thorne terá que enfrentar ameaças à sua própria vida.
O
filme é uma distopia chocante que se fia nas piores previsões
malthusianas sobre o futuro da humanidade. A escassez de alimentos
naturais - encontrados agora apenas a preços exorbitantes para classes
ricas - leva à produção de comidas sintéticas, dadas diariamente a
multidões nas ruas de Nova York. O próprio Robert se aproveita da investigação para surrupiar alimentos e produtos de limpeza do apartamento da vítima. As pessoas miseráveis se aglomeram em escadas, corredores e igrejas pela falta de imóveis. Água quente é um dos privilégios dos ricos. Os mortos não são sepultados, mas descartados em uma espécie de estação de tratamento. Além disso, morre-se também quando se deseja, em uma espécie de eutanásia assistida na qual as pessoas podem se encantar com imagens coloridas e belas do passado do planeta. Um universo totalmente deprimente e decadente, onde seres humanos são divididos entre os ricos e poderosos e os miseráveis e abandonados, quase uma fábula sobre um futuro alternativo muito real e talvez mais próximo do que se imagina.
"No mundo de 2020" é baseado no romance "Make a room! Make a room!", escrito por Harry Harrison e publicado em 1966.
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