De vez em quando, na vida de repórter, você dá de cara com alguém abusado, daqueles que gostam de perguntar "sabe com quem está falando?" ou se acham com o direito de meter o bedelho em assuntos fora de seu domínio. Encarei vários assim, mas em nome da boa relação tive que engolir "sapos".
Ainda no Jornal do Norte, já não tão foca, tive esse tipo de experiência com Nelson Ned, aquele cantor nanico que, para recuperar sua carreira decadente, virou evangélico e passou a renegar o passado de luxúria. Só se esqueceu de que arrogância também é pecado. Fui escalado para cobrir duas apresentações naquela noite de 1996, e uma delas era a desse cidadão. No entanto, comecei pelo outro show, programado para iniciar mais cedo. Acontece que demorou demais e, quando nossa equipe chegou ao Nostalgia Clube, no bairro Cachoeirinha, zona sul de Manaus, local de apresentação de Nelson Ned, ele já estava terminando seu falatório. O jeito era esperar. Quando acabou tudo e ele saiu do palco, fomos ao seu camarim para conversar. Cumprimentei-o educadamente. O objetivo da matéria, expliquei, era mostrar como o novo modo de vida havia modificado o cantor. Ele simplesmente, do seu metro e parcos centímetros de altura, somente me olhou e disse:
- Não vou falar nada. Contei tudo em minha apresentação.
Tentei argumentar, pedi desculpas pelo atraso por causa da pauta anterior, mas não teve jeito. Aquele boneco de ventríloquo afirmou que não iria repetir tudo e ponto final. Tive vontade de mandá-lo pegar toda aquela arrogância e socar naquele lugar onde o sol não bate, mas suspirei, chamei o fotógrafo e demos meia volta. Gastar meu verbo com esse tipo de gente? Não, obrigado. E o desgraçado ainda falou (eu não ouvi. O Rodrigo Pacheco Araújo, que acompanhou nossa equipe naquela noite, ouviu e me contou depois), quando cruzamos a porta do camarim:
- Que cara folgado!
Essa atitude arrogante mereceu uma nota de escracho na edição seguinte do jornal. Por onde anda esse sujeito hoje, não sei nem quero saber. Já não era grande coisa, sem trocadilhos, talvez agora não seja nada.
Outro caso de que me lembro aconteceu no jornal Amazonas em Tempo, por volta de 2001. O editor me passou uma pauta no bom estilo drama humano: um radialista (faz tempo, então esqueci seu nome) estava passando por necessidades, sem trabalho e doente, então fomos lá falar com o homem. Ele deveria ter uns 50 e poucos anos e sua pele era completamente amarela. Usava óculos escuros porque tinha fotofobia. Morava em uma casa inacabada de tijolos em um bairro da periferia de Manaus. Por causa da hepatite, seu fígado estava praticamente destruído. Não conseguia mais trabalho devido ao seu estado. Situação terrível, mesmo.
Escrevi a matéria, saiu no dia seguinte. Qual não foi minha surpresa ao receber uma ligação do referido cidadão. Reproduzo suas exatas palavras:
- Olha, César. A matéria ficou legal, mas se fosse paga, eu teria que pagar de novo, porque tu não colocou o número da minha conta para o pessoal depositar dinheiro.
Fiquei boquiaberto. Em nenhum momento da entrevista ele falou de conta, de campanha para ajuda nem nada disso. Ao espanto seguiu-se a irritação. Como no caso do Nelson Ned, por pouco não disse ao cidadão o que deveria fazer com a sua conta bancária. Ele teve que se contentar com o que havia sido publicado. A essa altura do campeonato, deve ter morrido.
E assim nossa vida nada fácil vai seguindo. Não foram os primeiros arrogantes e abusados a cruzarem os caminhos dos jornalistas, e provavelmente não serão os últimos. Haja paciência, então!
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