terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

'O que vimos em Coari foi uma barbárie'

Deputada federal Érika Kokay (PT) - Foto: Raphael Alves/TJAM

Por Isabella Siqueira, jornalista

Integrantes da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que investiga crimes de exploração sexual de crianças e adolescentes no país, presidida pela deputada federal de Brasília, Érika Kokay (PT), desembarcaram pela terceira vez em Manaus, na semana passada, para apurar novas denúncias contra o prefeito do município de Coari, Adail Pinheiro (PRP).
Segundo a parlamentar, o pior quadro de exploração sexual infantil já visto pelos membros da comissão foi em Coari e que mesmo após a prisão do prefeito, a situação na cidade ainda é calamitosa. Durante três dias no Amazonas, a comissão colheu depoimentos de vítimas, cobrou empenho do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), pediu ao Ministério Público do Estado (MPE) intervenção do município, além de realizar audiências públicas sobre o caso em Manaus e também em Coari.
No fim dos trabalhos, Érika Kokay classificou a Justiça do Amazonas de "frouxa" e disparou críticas contra a atuação dos desembargadores do TJAM. "O que se viu naquele município foi cena de barbárie e impunidade. Crianças e adolescentes sendo aliciadas de forma cruel. E o que mais nos espanta é que alguns já veem esse quadro com algo normal. Não iremos mais permitir isso", declarou a presidente.
A expectativa é que os trabalhos da comissão sejam finalizados em setembro, mas até lá a proposta é que o município sofra uma intervenção imediata para que Coari possa voltar a ter sua dignidade.
Confira a entrevista:

Como está o clima no município de Coari?
Érika Kokay - Existe um clima de terror naquela cidade que faz com que nos estejamos apresentando a necessidade de intervenção naquele município. Vi ali a reedição de Luiz 14, que dizia que "O Estado sou e a lei sou". A prisão do prefeito foi insuficiente para que pudéssemos assegurar um processo sem pressão e coação. Temos denúncia de ameaças de pessoas que estão sofrendo represálias porque relataram casos contra o prefeito. Estamos vivendo ali um pisoteamento do Estado Democrático de Direito.

Nesta terceira visita a Coari, como atuou a comissão?
EK - Não podemos ter a máquina publica sendo utilizada para esses fins. Fomos ver desde necessidade de uma intervenção, como também colher novos depoimentos. E nesta ida descobrimos que até mesmo os conselheiros tutelares estão sendo ameaçados. Tivemos conhecimentos de casos em que pessoas ligadas à administração municipal estiveram na sede do Conselho Tutelar para recolher dados de pessoas que estiveram naquele local para prestar denúncias contra o prefeito Adail. Isso é inadmissível. Vemos ali que a cidade continua aprisionada a uma onda de terror e uma concepção de utilizar a máquina pública para assegurar a impunidade e impedir o processo judicial de atuar de forma clara e limpa.

Diante dos trabalhos já executados pela comissão foram encontradas situações piores que as vistas anteriormente?
EK - Eu diria que nunca vimos tanta arrogância da barbárie que está se impondo naquela cidade. Para nós é um caso emblemático. Sabemos que iremos travar uma luta árdua nesta situação, mas iremos provar que a lei e a Justiça deverão prevalecer. De todas as nossas diligências já feitas em todo país nenhuma delas apresentou dados tão alarmantes como os de que Coari.

Esta é a terceira vez que a comissão foi a município, e da última vez que vocês estiveram lá foram hostilizados pela população. Nesta nova visita a recepção foi melhor?
EK - Fomos recepcionados por um clima de muito medo, vimos pessoas emocionadas, coagidas e vários depoentes chegaram a chorar de forma copiosa. Não tivemos manifestações contrárias ao nosso trabalho, mas percebemos que muitos ainda não têm coragem de denunciar essa questão.

Quem são essas pessoas denunciadas?
EK - É uma rede muito grande, que além do próprio prefeito envolve secretários e assessores diretos da gestão municipal que estão utilizando o seu cargo não para contemplar benefícios à população, e sim para assegurar impunidade ao coagir todos aqueles que buscam se opor a essa lógica. O pior é que esse esquema ainda continua. Mas, vamos convocá-las para que todas essas pessoas prestem depoimentos na CPI. Porém, precisamos que haja uma reação do Amazonas, por isso estamos apelando pela intervenção do município.

E quando deverá ser efetivada essa intervenção?
EK - Isso não depende da CPI e sim do Poder Judiciário. Mas vamos procurar provocar isso. Queremos mostrar que é urgente que se faça um processo de enfrentamento a essa barbárie que assola Coari. O nível de ramificação de utilizar a máquina pública em favor da impunidade é tão grande que se não tivermos a intervenção não teremos como recuperar o município.

Após a saída da comissão de Coari como irão ficar as vítimas que prestaram depoimento e agora sofrem ameaças?
EK - Algumas pessoas já estão em programas de proteção e vamos analisar a necessidade de incluir novos nomes. Porém, é preciso que o Estado e o Tribunal de Justiça do Amazonas assegurem a integridade física destas pessoas, que estão vivendo momentos de muita dor.

Quando podemos esperar o resultado da CPI?
EK - Era para o relatório final ser apresentado em maio, mas como surgiram novos fatos acredito que somente em setembro seja concluído.

A comissão já esteve outras duas vezes em Coari para acompanhar casos de pedofilia. Qual o resultado desses trabalhos anteriores?
EK - Percebemos que houve uma mudança da postura do Tribunal de Justiça. Na última vez que estivemos aqui percebemos que os processos estavam parados e dormitando nas gavetas dos julgadores. Temos os processos caminhando e a prisão do Adail e de pessoas ligadas a ele, mas claro que isso ainda é insuficiente.

Outros dois processos que não estão relacionados à questão da pedofilia, mas que envolve o prefeito Adail foram tirados de pauta do julgamento no TJAM porque eles já haviam prescrito. O que a senhora acha dessa morosidade da Justiça?
EK - Quando vemos um processo deste prescrever é uma dor danada, significa que a impunidade e a morosidade estão vencendo e que mais crianças podem estar sendo vitimadas. Isso é uma vergonha.

Qual o apoio da bancada do Amazonas à presença da CPI da Pedofilia no Amazonas?
EK - Nenhuma. Hoje, apenas a deputada Rebecca Garcia que tem participado de nossas atividades. Chegamos a chamar uma reunião com a bancada no ano passado e apenas dois parlamentares apareceram. Os outros alegaram que no mesmo dia em que agendamos esse encontro estavam em uma reunião com a ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais). Justificaram a falta e nunca mais fizeram contato conosco.

NOTA DO BLOGUEIRO: Esta entrevista foi aqui publicada a meu pedido, com autorização da jornalista.

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