domingo, 31 de dezembro de 2017

2017: um ano de ótimas viagens!!!

SOBRE O PRAZER DE VIAJAR

Viajar se tornou para mim uma necessidade. Descobri meio que tardiamente esse prazer em 2011, quando viajei pela primeira vez depois de três décadas para Fortaleza (CE). Uma resolução acertada para quem até então vivia para trabalhar, sem férias decentes. A vida passa, e esperar para curti-la depois da aposentadoria é a regra mais estúpida que se pode imaginar: como diria a atriz Betty Faria, "melhor idade é o cacete". Nem todos chegam aos 60, 65 com vigor. Portanto, o momento é agora. Um pouco de planejamento e mudança de velhos hábitos ajuda, e muito!

Este ano, apesar de muitos problemas para manter o orçamento em ordem (e quem não os tem? Só os bem nascidos, mas esta postagem não é para eles), consegui fazer três viagens sensacionais. Em janeiro, por conta de férias pendentes do ano passado, fomos de Fortaleza a Recife (PE), passando por Natal (RN) e João Pessoa (PB); em junho, em uma decisão de última hora e graças ao programa de pontos da Azul Linhas Aéreas (e a alguns dias de licença especial) fui a Fortaleza ciceronear um casal de amigos que nunca fora ao Ceará; e em setembro, aproveitando a Semana da Pátria e metade das minhas férias deste ano, o destino foi encantador: Minas Gerais, em uma rota que começou em Diamantina e terminou em Uberlândia, incluindo aí Cordisburgo, Belo Horizonte, Ouro Preto, Mariana, Congonhas, Tiradentes, São João del-Rei e Araxá.

"Mas como você viaja tanto?". Costumo dizer que viajar não é para quem pode, é para quem quer. Tempo? Vejamos: trabalho no serviço público estadual, tenho férias certas que posso dividir durante o ano e programar de forma que rendam bastante (começando ou terminando perto de feriados/feriadões). Desse jeito, já determinando o período e o destino, começa a pesquisa por passagens aéreas. Nem sempre o valor mais baixo compensa: em primeiro lugar eu vejo a melhor rota (menor número de conexões ou escalas, menor tempo de espera na conexão. Há rotas com 70 escalas, 20 conexões e até 15 horas de espera nos aeroportos (o exagero é intencional). Além disso, aprendi que em geral quando se compra passagens com muita antecedência, é possível conseguir adquirir com um valor muito em conta (por exemplo: minha viagem a Foz do Iguaçu, no Paraná, ano passado, só foi possível porque em dado momento, depois de já haver decidido aproveitar um feriadão para conhecer o lugar, achei passagens com valor na metade do comum, como já narrei em outro post na época), mas isso requer muita pesquisa.

"E como você tem tanto dinheiro?". Quem disse que é preciso ser rico ou levar uma mala cheia de dinheiro? Para começar, como já disse antes, abrir mão de certos hábitos perfeitamente dispensáveis (muitas roupas novas, farra toda semana, pizza todo sábado ou domingo, comprar o novo lançamento de smartphone) ajuda bastante. Quando você limita seus gastos às despesas normais (contas, faturas de cartão), você cria uma margem de reserva bacana. No meu caso, minhas viagens não incluem noitadas, pois viajo para descansar e conhecer (ou revisitar) lugares. No máximo, uma noite numa lanchonete ou em um barzinho com música ao vivo. Aliado a isso há a ajuda do cartão de crédito, que deixo de utilizar um tempinho antes da viagem para liberar o máximo do limite possível para utilizar. E tem outro detalhe: saber onde comer ajuda a economizar bastante. Prefira os PFs aos restaurantes tradicionais com preços exorbitantes. Não é atestado de pobreza, é atestado de esperteza: a comida é praticamente a mesma, e nos restaurantes você paga o conforto luxuoso (claro, ir apenas uma vez não vai deixar ninguém na miséria em terra estranha).

"Ah, mas quando você volta o cartão de crédito está estourado". Não é bem assim: existe uma coisa chamada PARCELAMENTO na maioria dos lugares de venda de lembranças. Também não é mania de pobre. Deixe esse conceito para os esbanjadores.

"E os gastos com a hospedagem?". Bom, não sou fã de hostels nem de estabelecimentos em lugares badalados. Sempre acertei na hospedagem  (exceto em uma ocasião, na minha primeira viagem ao Rio de Janeiro em 2014, mas é uma história que prefiro esquecer), e o PARCELAMENTO ajuda muito!

OS NOVOS DESTINOS DO ANO!

Foram nove destinos este ano, entre eles os preferidos do Nordeste. As exceções ficam com João Pessoa (onde eu só passara um final de semana em 2013) e Recife (primeira vez na cidade), nossos destinos depois de Fortaleza e Natal. A capital da Paraíba é uma cidade tranquila, muito agradável, uma metrópole emergente com ares pacatos de cidade interiorana em alguns lugares. Dona de uma orla magnífica, Jampa faz justiça a quem lhe elogia. De lá fomos passear em Cabedelo, onde há as ruínas da fortaleza dos tempos do Império, e nas praias do Amor e de Coqueirinho (esta última a minha preferida, com sua enseada tranquila e belíssima, agora dotada de uma boa infraestrutura e pista de acesso arrumada).

Recife foi uma surpresa agradável. Cidade grande, bonita, com um Centro Histórico fantástico e um trânsito não tão caótico como imaginei que seria. Ficamos em Boa Viagem, perto da praia, onde admiramos um luar fantástico! Dali fomos conhecer outros lugares quase num ritmo acelerado, pois só tínhamos quatro dias antes de voltarmos a Manaus no dia 18 de janeiro. Fomos então a Olinda, bem ao lado, a Porto de Galinhas (muito bonito mesmo), a Caruaru (adorei o local que concentra os artesãos) e ao museu do Instituto Ricardo Brennand, um apanhado fantástico de pinturas, esculturas e objetos diversos, duplicados ou originais. Uma viagem no tempo imperdível!

Outro destino novo acabou me conquistando pela beleza dos lugares, pelo clima agradável, pela culinária divina e, sobretudo, pela simpatia do seu povo: Minas Gerais. Dia 5 de setembro embarcamos rumo a Belo Horizonte, uma viagem um tanto cansativa com uma conexão no Galeão (Rio de Janeiro). Em nossa chegada, como já havia definido no roteiro, fomos almoçar em Lagoa Santa, perto do aeroporto de Confins, antes de entrar no hotel Confins Aeroporto. Foi um pernoite necessário para um merecido descanso. Dali, na manhã seguinte, começou a viagem propriamente dita, quando seguimos rumo a Diamantina, lugar que fazia questão de conhecer. Antes, fizemos uma paradinha em Cordisburgo, no caminho para lá, cidade do escritor Guimarães Rosa onde visitamos o museu criado na casa onde ele viveu e o portal que retrata os jagunços de sua obra máxima, "Grande sertão: veredas".

Assim começou nosso roteiro, que posso resumir assim:

- em Diamantina, conhecemos a casa onde nasceu o ex-presidente Juscelino Kubitscheck, a casa de Chica da Silva (por um golpe de sorte a encontramos aberta, já que estava, segundo a antipática funcionária que abordamos, fechada para reforma), o parque do Biribiri, onde fica a antiga vila de Biribiri, hoje funcionando apenas como ponto turístico, o casario antigo e lindo da cidade e o Parque Estadual do Rio Preto;

- seguimos para Belo Horizonte, onde em dois dias conhecemos o famoso Parque da Pampulha, o Mirante do Mangabeiras, a praça do Papa e outros locais bacanas nos arredores do bairro Funcionários, onde ficamos hospedados;

- depois de BH, foi a vez de Ouro Preto. Ah, cidade deliciosa!!!! Tudo ali é História, cada canto, cada prédio. Fiquei apaixonado mesmo por aquele lugar. O friozinho da noite (maior do que o que sentimos em Diamantina e BH) foi uma atração à parte para dois amazonenses que sobrevivem no calor amazônico. Dali fizemos um "estica" até Congonhas e Mariana;

- o destino seguinte foi São João del-Rey. Outra cidade maravilhosa, bonita, simpática, onde o antigo contrasta com o moderno. De lá fomos ainda dar uma volta em Tiradentes;

- próxima parada: Araxá. Bonita, muito bem cuidada, a cidade da lendária Dona Beija (ou Beja) é charmosa, tranquila  e preserva com competência sua história. Conheci o Memorial de Araxá e fiquei encantado! Os sabonetes Nur, feitos com a lama da fonte da personagem histórica (aberta para visitação gratuita), e os doces Dona Joaninha (cada um mais delicioso que o outro) completaram a paixão. O único porém foi não termos conhecido a Casa de Dona Beja, fechada para reformas até 2019, e o Parque do Cristo, de onde se tem uma vista linda de Araxá, pois, embora já revitalizado, só iria ser reaberto pela prefeitura no final do ano (santa sacanagem, Batman); e

- finalmente, chegamos a Uberlândia, ponto final da viagem. Cidade grande, quase uma metrópole, mas com aquele mesmo clima agradável das antecessoras. Como foi uma passagem corrida para visitar nossa amiga Patrícia Martins (a quem havíamos conhecido em Ilhéus, em 2014), só pudemos mesmo ir ao Parque do Sabiá (delicioso para caminhadas) e alguns lugares da área do Centro, onde ficamos hospedados.

Enfim, Minas Gerais conquistou meu coração e espero retornar, talvez em 2019, para revisitar lugares e  conhecer novos, como São Thomé das Letras e Monte Verde. Mas, para 2018, os destinos já estão traçados: um retorno a Santa Catarina (Joinville-Blumenau-Balneário Camboriú-Florianópolis) e nossa primeira ida ao Rio Grande do Sul (Gramado-Ijuí/Missões-Porto Alegre). Ano que vem haverá mais histórias para contar!

Feliz 2018!!!!!!

sábado, 30 de dezembro de 2017

FILMES: "360" (2012)

Sempre gostei de filmes com aqueles loopings interessantes onde os destinos dos personagens se cruzavam e, de certa maneira, influenciavam uns aos outros, mostrando como a nossa existência é mais repleta de causas e consequências do que imaginamos, quase em uma precisão matemática. Assim foi com "Magnólia"(1999), de Paul Thomas Anderson, "Cenas da vida" (Short cuts, 1993), de Robert Altman, e "Babel" (2006), de Alejandro González Iñarritu. "360" (referência ao círculo de 360 graus), dirigido por Fernando Meirelles, vai por esse caminho, mas em vez de ser apenas outro filme com uma estrutura nada original, vem somar a esse universo de temas infindáveis relacionados às coincidências e encontros fortuitos nas vidas dos personagens.

O filme começa em Viena, com Mirkha (Lucia Siposová) fazendo seu book para se tornar mais uma garota de programa recrutada pelo cafetão Rocco (Johannes Krisch), sob o olhar reprovador da irmã mais nova Anna (Gabriela Marcinková), que mesmo assim compreende o esforço da mais velha para sustentar a família. Seu primeiro cliente deverá ser Michael Daly (Jude Law), um inglês casado com Rose (Rachel Weisz), a quem deixou em Londres. Na capital inglesa, Rose tem um caso com o fotógrafo brasileiro Rui (Juliano Cazarré), o qual viajara para a Inglaterra com a namorada Laura (Maria Flor) para juntos tentarem uma nova vida. Ao descobrir a traição de Rui, Laura volta para o Brasil, e na viagem de retorno via Estados Unidos conhece John (Anthony Hopkins), um senhor a caminho de reconhecer o corpo de uma mulher que poderia ser sua filha desaparecida tempos atrás, e Tyler (Ben Foster), recém colocado em liberdade condicional após prisão por abusos sexuais, e agora a caminho de sua casa e de um recomeço. Em Paris, Valentina (Dinara Dukarova) trabalha como assistente de um dentista muçulmano (Jamel Debbouze). Este guarda uma paixão pela colega, mas o respeito à religião impede a aproximação, pois Valentina é casada com Sergei (Vladimir Vdovichenkov), que trabalha como motorista para um rico e arrogante empresário e arma para ele em Viena um encontro com uma prostituta: Mirkha, que usa o codinome Blanka.

Fechado o círculo de personagens, começa a série de encontros, desencontros e entrada em cena de outras pessoas. Cada diálogo e atitude vai interferir nos seus destinos, afetando também aos demais. Na noite em que vai encontrar Mirkha/Blanka, Michael é surpreendido por dois colegas, os quais veem a prostituta e fazem comentários desaprovadores, levando Daly a desistir do encontro e ligar para a esposa Rose, revelando sua saudade. Ao ouvir o recado do marido, Rose repensa sua relação com Rui e termina o caso após um último encontro. E essa fórmula vai se repetindo no decorrer do filme, com resultados felizes para alguns e infelizes para outros - mostra de que desencontros e medo de expor sentimentos acabam prejudicando mais ainda a pessoa. Ou seja, nada na nossa vida acontece por puro acaso.

Onde baixar: Filmes Cult

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

FILMES: "Corra!" (Get out, 2017)




Se você é negro, sente que vive em uma sociedade onde o racismo é disfarçado e por isso é "escaldado", vai entender a reação de desconfiança do jovem fotógrafo Chris Washington (Daniel Kaluuya) durante a festa tradicional que a família de sua namorada branca Rose Armitage (Allison Williams) promove anualmente em sua propriedade: só há pessoas brancas que o tratam com cortesia e gentileza extremas, e fora ele, os únicos negros são empregados dos Armitage - Georgina (Betty Gabriel), a copeira, e Walter (Marcus Henderson), o jardineiro. Rose o leva até o lugar para apresentá-lo ao pai neurocirurgião, Dean (Bradley Withford), e à mãe, Missy (Catherine Keener), a qual desenvolveu interessantes técnicas de hipnose que em um primeiro momento conseguem fazer Chris largar o hábito de fumar, instantaneamente. Além deles, há o irmão de Rose, Jeremy (Caleb Landry Jones), um tipo meio encrenqueiro. Está armada a trama de "Corra!", de Jordan  Peele, uma alegoria bem interessante sobre racismo velado e a hipocrisia das relações sociais entre brancos e negros.

No filme, os Armitage são uma família que diz repudiar o racismo, mas sua tentativa constante de afirmar isso, seja por palavras ("eu voltaria no Obama", diz Dean) ou atitudes, deixa Chris cada vez mais desconfiado. É para o amigo gente boa Rod (Lil Rel Howery), um divertido agente de segurança, que ele vai contar por celular suas suspeitas de que há algo muito errado naquele lugar, sobretudo pelas atitudes de Georgina e Walter, estranhamente conformados, como se fossem robôs ou houvessem passado por uma lavagem cerebral. As desconfianças vão se agravar após a chegada à festa de Sebastian (Keith Stanfield), outro negro, acompanhado de sua mulher, uma branca muito mais velha. A reação aparentemente agressiva de Sebastian ao flash do celular de Chris - foto que ele vai mandar para Rod posteriormente - faz disparar o alarme na mente do fotógrafo. Só que aí ele vai perceber que caiu em uma armadilha.

(SPOILERS A SEGUIR)
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O próprio espectador vai começar a ficar nervoso justamente com a chegada de Sebastian, pois vai reconhecer nele o jovem que, no prólogo do filme, é sequestrado por um homem encapuzado quando caminhava rumo a um suposto encontro. Ele, na verdade, é Andrew Logan, um conhecido de Rod e Chris, dado como desaparecido há meses, como o agente vai descobrir em sua investigação quando Chris não retorna do final de semana com os Armitage. A essa altura, o fotógrafo já descobriu da pior maneira possível quem é a família de sua namorada: perpetradores de uma técnica desenvolvida pelo patriarca, já falecido, que lhes permitia, por meio da hipnose, transformar pessoas negras em seres submissos, inclusive de forma sexual. Pior que isso: com uso de cirurgia, conseguem fazer uma espécie de transplante de consciência, tornando a vítima um tipo de hospedeiro. E, pior ainda: Chris será o próximo, leiloado em um silencioso evento entre todos os brancos na festa. Os momentos finais do filme, quando Chris consegue driblar os Armitage e iniciar sua represália para poder fugir, explicam as atitudes dos convidados com o fotógrafo.


"Corra!" também reserva uma crítica à suposta paranoia envolvendo o racismo, evidente na sequência em que Rod, extremamente preocupado com o sumiço do amigo e quase próximo da verdade após descobrir o desaparecimento de Andrew, procura a polícia para contar suas suspeitas e é recebido com incredulidade e risadas dos policiais - dois dos quais são negros. Ou seja, o racismo muitas vezes é tomado como exagero - uma forma de minimizar um problema não só grave como repulsivo: até declarações públicas racistas (seja como piada ou como exposição de estereótipos) tendem a ser relevadas por conta de "exageros" de quem se sente ofendido.

Interessante é saber que o final do filme, quando Chris mata todos os algozes (o que me vez vibrar a cada contra ataque) e descobre a verdade sobre Georgina e Walter (para os quais foram transplantadas as lembranças dos pais de Dean), havia sido modificado por conta da má reação da plateia em exibições prévias. No original, depois de estrangular Rose, a última que ainda o perseguia, Chris é preso. Na cadeia, condenado, revela a Rod que está tranquilo, pois conseguira parar a loucura dos Armitage. Na versão dos cinemas, é Rod quem aparece e resgata Chris. Ambos vão embora e deixam Rose, que fora baleada por Walter num instante de lucidez (que o leva a se matar depois), sangrar até a morte na estrada (eu, particularmente, passaria com o carro por cima da vadia, tamanha a revolta que aquela trama imoral me provocou).

Longe de ser apenas um filme de terror psicológico, "Corra!" é uma reflexão sobre as considerações feitas sobre o racismo hoje e a condenação do "politicamente correto" quando o assunto é ofensa racial. É para isso que serve a situação absurda mostrada por Peele na trama: nada é tão absurdo e inacreditável que não possa se tornar, em algum momento, uma verdade pavorosa.

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

LIVROS: "O conto da Aia", de Margaret Atwood (The handmaid´s tale, 1985)


- CONTÉM SPOILERS SOBRE O LIVRO E A SÉRIE -
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É preciso, inicialmente, estabelecer um elo interessante entre o livro de Margaret Atwood e sua adaptação televisiva de 2017: um acaba complementando o outro, preenchendo lacunas e diminuindo a angústia que se pode sentir na história contada em primeira pessoa por Offred, único nome pelo qual a personagem é identificada na obra escrita. Assim, fica difícil até eleger o que é melhor: se o livro, que nos permite uma viagem intimista pelos pensamentos da Aia condenada à servidão e submissão, ou o filme, que revela os destinos sobre personagens apenas citados nas lembranças da jovem - seu  marido Luke e sua filhinha, de quem foi separada após sua tentativa frustrada de fuga para o Canadá, e a mãe -, sempre incertas sobre os rumos que tomaram após o desaparecimento dos Estados Unidos e a ascensão da república de Gilead.

Offred - cujo nome real não é revelado no livro, enquanto na série foi batizada como June (e no filme de 1990, como Kate) - começa a contar ao leitor seu dia a dia na convivência com o Comandante e a esposa Serena Joy, como Aia do casal. Em Gilead, estado teocrático, totalitário, militarizado em constante guerra, as Aias são mulheres férteis selecionadas (geralmente solteiras, feministas e amasiadas) e preparadas para o único papel de reprodutora, já que as taxas de natalidade caíram assustadoramente nesse futuro hipotético - resultado de radiação. Em uma reprodução patética literal de uma passagem bíblicas (em que a mulher de Jacó, Raquel, estéril, oferece sua criada ao marido para que ela pudesse conceber e assim lhes dar filhos "sobre seus joelhos"), elas participam de um ritual sexual bizarro no qual são estupradas pelo seu comandante sob o olhar da esposa, teoricamente infértil (o machismo de Gilead não admite a infertilidade masculina). E bizarrice não falta nesse novo mundo criado: há rituais para execuções de desafetos (os "salvamentos") e para o nascimento das crianças geradas pelas Aias, entre outros.

Assim, nessa aparente conversa com o leitor, a Aia vai mostrar sua rotina diária, interrompida aqui e ali pelas lembranças da sua vida com Luke, como se tornaram amantes e depois se casaram após o divórcio dele, a filha de ambos, as mudanças graduais que começaram a acontecer na sociedade e culminaram no extermínio do presidente americano e todo o congresso, resultando daí a república de Gilead, fundamentada na interpretação literal dos escritos bíblicos mas que ainda esconde uma fachada depravada (como bem o mostra a existência e o funcionamento do bordel Casa de Jezebel). Nessa nova ordem, revistas e leitura são proibidos a ponto de placas de estabelecimentos serem identificadas apenas por desenhos; nas novas castas surgidas, as Tias são responsáveis pela doutrinação e controle das aias, numa verdadeira lavagem cerebral que não raro usa a violência física e psicológica; e as Marthas são relegadas aos afazeres domésticos.

É nessa cumplicidade estabelecida como o leitor que reside a angústia de "O conto da Aia": Offred expõe seus sentimentos, seus conflitos e dúvidas. Como só temos contato com a realidade absurda e apavorante de Gilead através de seus relatos, compartilhamos de sua agonia em não saber o que houve com Luke, sua filha, sua mãe (personagem que não aparece na série, pelo menos na primeira temporada), sua amiga Moira e Ofglen, de quem se aproxima depois de uma certa desconfiança (afinal, Aias podem ser submissas ao extremo a Gilead, e mesmo cúmplices no controle autoritário de comportamentos e atitudes. Uma passagem em que as Aias são estimuladas a lincharem um homem - supostamente acusado de estupro e assassinato, em uma solenidade pública, prova bem isso). Em determinado momento, Offred imagina várias hipóteses sobre o destino de Luke: pode estar morto, pode ter conseguido atravessar a fronteira, pode estar aprisionado em algum lugar da nova república. Em outros episódios, ela se mostra insegura e até mesmo se julga conforme suas ações (como a aproximação súbita com o Comandante, da qual imagina poder tirar algum proveito). No filme, sabemos, Luke foi ferido na fuga, conseguiu sair do país e começa a busca por Offred; a filha de ambos, batizada de Hannah na adaptação, passou a ser criada em Gilead; e Moira conseguiu empreender uma fuga espetacular e reencontra Luke. Aqui cabe citar mais uma diferença entre livro e série: o marido de Offred é branco, assim como sua filha e Moira. Na adaptação, a mudança da etnia imprimiu um tom mais dramático e reflexivo à trama.

Quando se lê o livro e se assiste ao filme (ou vice versa), dá para sentir essa "complementação", o preenchimento das lacunas angustiantes na história de Offred. A forma brilhante como Margaret Atwood coloca as palavras da Aia no papel é genial dentro do retrocesso desse novo mundo, onde homossexuais, opositores e intelectuais representantes da "antiga ordem" - principalmente se forem mulheres - são eliminados e expostos no Muro, pendurados em ganchos e com as cabeças envoltas em sacos - uma ironia cruel, pois o local dos suplícios era, na era pré Gilead, uma universidade.

Para concluir, Margaret Atwood nos brinda com um epílogo que se passa em 2195, quando aparentemente a república de Gilead deixou de existir e todos os fatos ocorridos da sua ascensão até sua derrocada são objetos de estudo em uma convenção de pesquisadores em uma outra situação histórica, onde as gravações feitas por Offred (sim, no final das contas suas palavras eram realmente faladas, registradas em fitas) foram encontradas enterradas e fazem parte do material a ser analisado. Como prova a nossa própria História, Gilead e seu retrocesso moral, político e social passaram (ou ainda passarão?) e também ficaram (ficarão?) relegados a registros históricos a serem recuperados para compreensão do novo presente.

sábado, 9 de dezembro de 2017

FILMES: "Que horas ela volta?" (2015)


Val (Regina Casé) é a empregada doméstica com quem toda a família de classe média sonha. Mora há mais de dez anos no emprego, num quartinho dos fundos, onde até guarda eletrodomésticos para a casa onde um dia pretende morar. Nordestina, manda dinheiro todos os meses para a terra natal, onde sua filha Jessica é criada por tios. Afetuosa, cria com carinho o filho do casal de patrões, um menino praticamente ignorado pelos pais que desenvolve um elo afetivo muito maior com a empregada. Quando o menino se torna um jovem que conta com a cumplicidade de Val para driblar a atenção do pai e da mãe para recuperar um pacote de maconha e nas noites de insônia procura a criada para lhe fazer cafuné até conseguir dormir, vem a notícia: a jovem Jéssica (Camila Márdila) está a caminho de São Paulo, onde irá prestar vestibular para o curso de Arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) - a mesma onde o filho dos patrões irá fazer o exame. Aí a vida de Val se tornará uma verdadeira tempestade.

No filme de Anna Muylaert, Regina Casé faz uma interpretação comovente e divertida de Val, mulher simples, conformada com o pouco caso que a família rica lhe presta, apesar de ser tratada como parte dela - isso na visão dos patrões, um casal de posses mas medíocre: a mulher, Bárbara (Karine Telles) é uma fashion designer que disfarça o descaso com Val por meio de um falso carinho (em uma cena, Val lhe dá um jogo de xícaras e cafeteira de aniversário, ela agradece mas relega o presente para ficar guardado para uma "ocasião especial", que não será a festa daquela mesma noite, para espanto da empregada); o marido, Carlos (Lourenço Mutarelli), é um rico herdeiro solitário que dorme em quarto separado da esposa e, carente, se sente atraído por Jéssica; e Fabinho (Michel Joelsas) é o filho postiço: para ele, Val é a amiga confidente e cúmplice. Todos eles, no entanto, a despeito da relação de confiança e amizade com a pernambucana, deixam claro o limite entre patrão e serviçal.

A chegada de Jéssica, a quem Val não via há dez anos, começa a abalar essa relação, para horror da mãe da jovem: a garota é bem recebida por todos, mas deixa claro para a empregada que não gostou de saber que ficaria hospedada na casa dos patrões. Sua inteligência e forma sincera de lidar com as situações incomoda Bárbara, encanta Carlos e Fabinho. A jovem logo acaba ficando no quarto de hóspedes a convite de Carlos, o que aborrece Bárbara. Assim começará uma "guerrilha" na qual Val chegará a entrar em desespero: a filha a cutuca para abrir os olhos para a relação de exploração estabelecida pelos patrões, mas a mãe insiste em manter aquele status quo no qual mergulhara há muitos anos. Com o tempo e as reações da filha, que sempre a chama pelo nome, Val vai desenvolver uma reflexão que logo a fará enxergar na chegada de Jéssica - e na descoberta casual de um segredo da filha - a oportunidade de reparar seus erros e evitar que eles se repitam na vida da jovem.
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(SPOILERS A PARTIR DAQUI)
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Há um aspecto interessante no filme, que não se trata da eterna guerra de classes sociais, e sim na hipocrisia das relações artificialmente criadas para tentar esconder as desigualdades. Para poder criar sua filha e lhe garantir um futuro melhor, Val deixa Pernambuco e se emprega no Morumbi como babá e, posteriormente, criada. Logo seu papel vai além disso e ela é considerada membro da família, mas sempre a serviçal acostumada a levar água para seus patrões. Com a chegada de Jéssica, essa relação começa a se revelar em sua essência: o fato de a filha da empregada se candidatar a uma das faculdades mais concorridas é recebida pelos ricos com espanto e incredulidade, principalmente por Bárbara. O fato de Fabinho rir do sotaque pernambucano de Jéssica ("Olha, ela fala igual à Val") expõe um comportamento tanto estúpido quanto ignorante de uma geração sem empatia alguma. Apenas Carlos se propõe a pajear a jovem vestibulanda, querendo saber mais sobre seus estudos, mostrando-lhe a casa, levando-a a lugares da capital paulista onde há exemplos de arquitetura moderna, mas com segundas intenções.

No meio de tudo, a reaproximação entre Val e Jéssica parece mais complicada por conta da personalidade contestadora da jovem, que não admite ver a mãe tão submissa e conformada. Essa critica a filha por suas atitudes "sem noção" junto aos patrões. Então chega a descoberta do segredo: Jéssica tem um filho pequeno, José, a quem deixara em Pernambuco para tentar uma vaga na FAU, de certa forma repetindo o que Val fizera muitos anos antes. O ponto de ruptura começa quando Fabinho não passa no vestibular e Jéssica é aprovada. A forma como Bárbara e o rapaz reagem à notícia, com incredulidade e maus disfarçados sarcasmo e ressentimento, é um dos momentos mais cruéis do filme: o fato da filha da empregada alcançar a meta, enquanto o jovem de boa vida tem um desempenho pífio, gera comentários que não chocam Val em sua mansidão. Mas como uma forma de mostrar que "quem pode, pode", a família decide mandar Fabinho para a Austrália, onde fará intercâmbio por dois anos. Com a partida do rapaz, a quem criara quase como um substituto de Jéssica, o elo é quebrado, e Val pede demissão a uma surpresa Bárbara para morar com a filha em um pequeno apartamento, mandando-a buscar seu netinho para, enfim, em um recomeço, levarem a vida a que se negara por tantos anos.

O título é uma referência a uma frase repetida no início e quase no final do filme. No começo, Fabinho, ainda criança, está na piscina sob o olhar de Val, até um momento em que chega para a então babá e pergunta que horas a mãe voltaria. Perto do encerramento da trama, Jéssica revela à mãe que fazia a mesma pergunta em Pernambuco para a família, pois sentia falta dela. E assim, resolvida a situação, Jéssica passa a tratar Val por "mãe". É chegada a bonança.

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

FILMES: "No mundo de 2020" (Soylent green, 1973)




Na abertura de "No mundo de 2020" (Soylent green, 1973), dirigido por Richard Fleischer, em apenas dois minutos, é mostrada a desagregação do planeta Terra em vários fotogramas que aceleram conforme a passagem do tempo, dos tranquilos ambientes do século 19 até a loucura moderna com poluição, superpopulação, calor extremo e miséria. É nesse ambiente, projetado no ano 2022 em uma Nova York de 40 milhões de habitantes e altas temperaturas, que o policial Robert Thorne (Charlton Heston) é encarregado de investigar o assassinato de um rico empresário, William Simonsen (Joseph Cotten), morto a golpes de gancho sem oferecer nenhuma resistência ao seu algoz, um jovem recrutado entre a população miserável que lota as ruas da metrópole.
 
O autor do crime e o mandante são logo revelados, mas o mistério é saber tanto a motivação do assassinato quanto a razão da inércia de Simonsen diante da própria execução. Para isso, Thorne  conta com a ajuda de um amigo investigador, Sol Roth (Edward G Robinson, em seu último filme e uma participação emocionante), já idoso, que conhecera as belezas do mundo de outrora. Ao mesmo tempo, acaba se envolvendo com Shirl (Leigh Taylor Young), uma "mobília" de Simonsen - uma espécie de empregada-amante que faz parte do aluguel do apartamento, do mesmo jeito que várias outras mulheres. É ela quem vai dar algumas pistas para Thorne, que se recusa a abandonar a investigação mesmo com a determinação de seu chefe Hatcher (Brock Peters), este já devidamente pressionado pelo pessoal do governador Santini (Whit Bissell), ligado à empresa Soylent, que fornece alimentos para a população - na verdade, uma espécie de comida sintética produzida na forma de barras a partir de plânctons dos oceanos. A resolução do mistério é surpreendente e sinistra, explicando tanto a atitude de Simonsen diante de seu assassino quanto dos demais personagens que descobrem o segredo mortal. Mas até chegar à solução, Thorne terá que enfrentar ameaças à sua própria vida.

O filme é uma distopia chocante que se fia nas piores previsões malthusianas sobre o futuro da humanidade. A escassez de alimentos naturais - encontrados agora apenas a preços exorbitantes para classes ricas - leva à produção de comidas sintéticas, dadas diariamente a multidões nas ruas de Nova York. O próprio Robert se aproveita da investigação para surrupiar alimentos e produtos de limpeza do apartamento da vítima. As pessoas miseráveis se aglomeram em escadas, corredores e igrejas pela falta de imóveis. Água quente é um dos privilégios dos ricos. Os mortos não são sepultados, mas descartados em uma espécie de estação de tratamento. Além disso, morre-se também quando se deseja, em uma espécie de eutanásia assistida na qual as pessoas podem se encantar com imagens coloridas e belas do passado do planeta. Um universo totalmente deprimente e decadente, onde seres humanos são divididos entre os ricos e poderosos e os miseráveis e abandonados, quase uma fábula sobre um futuro alternativo muito real e talvez mais próximo do que se imagina.

"No mundo de 2020" é baseado no romance "Make a room! Make a room!", escrito por Harry Harrison e publicado em 1966.

In memoriam: Irving Wallace (1916-1990)



Conheci a literatura de Irving Wallace por volta de 1986, quando li seu mais recente livro (na época), “O sétimo segredo”, emprestado por um colega de classe no 1º grau (atual ensino fundamental). Em dois dias “devorei” o livro, e foi só o primeiro dele que me conquistou. Depois disso, seguiram-se “O milagre”, “O elixir da longa vida”, “Os sete minutos”, “O fã-clube” e “A sala vip” - uma pequena parte das 19 obras de ficção e outras dezenas de não ficção deixadas pelo escritor norte-americano, morto em 1990 por um câncer no pâncreas.

Hoje não vejo publicações de Irving Wallace reeditadas, o que é uma pena. A última que ainda vi foi uma edição de bolso de “Os sete minutos”. O restante você só acha em sebos. Uma lástima, já que Wallace é da época de ouro dos best sellers que marcaram a minha adolescência, ao lado de Harold Robbins e Sidney Sheldon, que terão posts futuros.
Wallace ia além do modelo óbvio dos best sellers, limitado a uma heroína, muito sexo, tramas diabólicas, reviravoltas constantes na trama, agilidade na narrativa (nada desabonador, já que best sellers se propõem a divertir na maioria das vezes). Em qualquer livro dele você acha temas atemporais, criativos, reflexivos e polêmicos. Se suas obras fossem relançadas com o mesmo fervor com que eram naqueles anos, tenho certeza de que iria repetir o sucesso daquela época. Irving bolava suas tramas com base em fatos e pesquisas, e sua narrativa nos fazia viajar para os lugares mais distantes. Em suas histórias, ele acabava por propor uma reflexão sobre as atitudes humanas frente à ciência, ao preconceito, à religião, à sexualidade e à censura. Como não admirar “O milagre”, uma história que polemiza o confronto entre religião e ciência? Ou “O fã-clube”, sobre os efeitos nefastos da sexualização das celebridades pela mídia? E sem falar na criatividade de “O sétimo segredo”, uma realidade alternativa onde o Terceiro Reich tenta se reerguer no mundo.
 
Em tempos de literatura fasciculada, rasteira e com tramas repetitivas, nesse ramo dos thrillers Wallace faz muita falta. A seguir relaciono os seis livros que li, com um pequeno resumo e minhas considerações.

“O sétimo segredo” (The seventh secret, 1985) – nessa trama interessante, Wallace parte da premissa de que o ditador nazista Adolf Hitler forjou o próprio suicídio e o da amante, Eva Braun, vindo a morrer de velhice e deixando a missão de recriar o Terceiro Reich nas mãos de Eva, agora chamada Evelyn Hoffman. Um historiador e escritor da biografia do Führer, professor Harrison Ashcroft, encontra, 40 anos após o final da Segunda Guerra Mundial, pistas sobre a verdade e acaba morrendo em um estranho acidente de trânsito em Berlim Ocidental. Sua filha, Emily, resolve continuar o trabalho do pai, mas acaba ficando na mira de um grupo neonazista que em segredo tenta dar continuidade ao Terceiro Reich de Hitler. Ao seu lado estão o arquiteto Rex Foster e uma agente do Mossad, o serviço secreto israelense, Tovah Levine. O livro é eletrizante e cheio de suspense e surpresas, o primeiro livro que li de Wallace e pelo qual ele me conquistou!

“Os sete minutos” (The seven minutes, 1969) - Na Califórnia dos anos 1960, o livreiro Ben Fremont o é preso acusado de vender o livro "Os sete minutos", considerado obsceno. Escrito por J J Jadway, um romancista obscuro, a obra revela os pensamentos de uma mulher durante os sete minutos de sua relação sexual. Uma batalha judicial tem início, com base na liberdade de expressão, mas a situação se complica quando uma jovem é morta após ser agredida e estuprada pelo namorado, supostamente sob influência do livro. O advogado Mike Barrett luta contra o tempo para livrar seu cliente da cadeia, e para isso vai investigar a vida de J J Jadway, descobrindo seus segredos e os usando a seu favor.  Outro best seller de Wallace, vibrante em suas passagens no tribunal e na excelente reviravolta nas últimas páginas. Essa obra foi um libelo pela liberdade de expressão, pornografia e contra a hipocrisia, com momentos sensacionais ambientados no tribunal. Foi adaptado para o cinema em 1971, com direção de Russ Meyer. Eu vi esse filme na Bandeirantes há muitos anos, e detestei por conta do final modificado e, por isso, absurdo.

“O milagre” (The miracle, 1984) - esse livro eu considero genial porque faz veladamente críticas à mídia e à manipulação religiosa, bem como abrange os conflitos entre ciência e religião. Na cidade de Lourdes, na França, é anunciada o terceiro segredo da freira Bernadette Soubirous: a aparição da Virgem Maria no santuário. Quando a notícia corre, o centro de peregrinação se torna o palco de uma trama de batalhas ideológicas, assassinatos e tramas políticas. Uma jornalista, Liz Finch, é encarregada de cobrir os eventos para a API, mas, inconformada com a superficialidade da pauta, sempre está à procura de alguma notícia de maior impacto, como denunciar a farsa do milagre. Na pequena cidade francesa, ela irá cruzar com diversos personagens em uma trama cujo pano de fundo é a nova aparição da Virgem Maria, mas recheada de intrigas políticas, conflitos entre fé e conhecimento, chantagens e mentiras, até o surpreendente final.

“O elixir da longa vida” (Pigeon project, 1979) - a trama abrange a busca da humanidade pela longevidade e o que se faria em nome dessa obsessão. Na Rússia, um cientista britânico descobre uma fórmula que pode levar o ser humano a viver pelo menos até os 180 anos. Sua descoberta, entretanto, é desejada pelas autoridades da então União Soviética, em plena Guerra Fria, enquanto o cientista quer compartilhar sua importante descoberta com todos os seres humanos, conflito que vai resultar em uma verdadeira perseguição que ultrapassa várias fronteiras na Europa, com traições, mentiras, fugas espetaculares e muita violência. Uma história sensacional que revela a face obscura do ser humano.

  “O fã-clube” (The fan club, 1974) - esse livro é talvez o mais violento e cruel de Wallace, entre todos os que li, e o que faz uma crítica ácida à espetacularização da vida das celebridades, mostrando suas consequências. Um grupo de homens funda um fã-clube para a atriz Sharon Fields, sempre mostrada como uma mulher sexy, provocante e em busca de aventuras sexuais. Obcecados, acabam sequestrando a mulher e a confinando em uma casa num lugar ermo. Entretanto, ao se revelarem para ela, conhecem a verdadeira Sharon, diferente da farsa midiática feita em torno de sua imagem. Temerosos de serem presos, resolvem mantê-la prisioneira e a submetem a todo tipo de violência sexual, enquanto seus amigos e agentes procuram descobrir seu paradeiro. Sem ter como escapar, Sharon vai encenar a falsa imagem de mulher sexy e sedutora para iniciar um jogo perigoso com seus algozes, a fim de conseguir se libertar.

“A sala VIP” (The golden room, 1989) - o último livro de Wallace que li. Gostei, mas não chegou a ser um dos meus preferidos. As irmãs Aida e Minna Everleigh são donas de um bordel de luxo em Chicago e lutam contra as investidas do prefeito da cidade para fechar o prostíbulo. O livro trata da batalha de ambas contra as ameaças do gestor e ainda precisam enfrentar duas situações: a chegada de seus sobrinhos, que desconhecem a atividade das tias; e o desaparecimento de várias das prostitutas da casa, vítimas de um assassino em série.

Fora "Os sete minutos", relançado em 2011 pela BestBolso, do grupo Record, os demais títulos não foram republicados, e hoje só são encontrados em sebos, como verdadeiras raridades - cheguei a ver um exemplar de "O milagre", muito bem conservado, sendo vendido por quase R$ 60 na Estante Virtual. Uma injustiça com um dos grandes escritores dos anos 1970-80. Mas há um fio de esperança, já que a editora Record relançou os títulos de Sidney Sheldon, aproveitando a produção literária de Tilly Bagschawe com a "marca" criada com o nome do escritor após sua morte - particularmente, achei um desastre, mas isso fica para outro post.

domingo, 1 de outubro de 2017

Ponto de vista: As melhores adaptações de Stephen King

Desde a primeira adaptação de "Carrie" (1976), a literatura de horror de Stephen King encontrou altos e baixos quando se trata de levar para as telas do cinema ou da televisão o universo sobrenatural de suas obras. O filme dirigido por Brian De Palma (insuperável em seu domínio técnico para narrar uma história de forma impactante) revelou uma mina de ouro nova no ramo do entretenimento, já tão repleto de adaptações de Bram Stoker e Mary Shelley, e ainda pouco explorando o universo dos zumbis de George Romero exposto na década anterior. Entretanto, poucos conseguiram transformar os personagens em carne e osso mantendo a história cativante.

Adaptar um livro de Stephen King não é muito fácil. Lawrence D. Cohen, roteirista de "Carrie", conseguiu a façanha de transformar satisfatoriamente em um enredo linear uma história não linear costurada por narrativas temporais diversas, fragmentos de livros escritos por personagens, notícias de jornais e relatórios de uma investigação sobre a tragédia da Noite do Baile. O livro é pequeno, comparado a outros como "A hora do vampiro" (hoje relançado como "Salem"), "O iluminado" e "Angústia" (relançado como "Louca obsessão"), lançados anos mais tarde, portanto pode até se dizer que foi "fácil" adaptá-lo e, com o talento de De Palma, transformar a primeira adaptação de King (de seu primeiro livro) em um clássico do cinema de terror. 

Outras obras do autor são mais complexas, repletas de detalhes necessários para que o leitor se envolva na atmosfera sobrenatural proposta pelo escritor. Daí algumas das suas adaptações (sobretudo aquelas feitas para a televisão como telefilmes ou minisséries) acabarem sendo cansativas e, consequentemente, se tornarem maçantes para o público. É o caso da adaptação de "A coisa" ("It - uma obra-prima do medo" - título, aliás, bem tosco), feita em 1990. Há coisas que funcionam nas páginas, mas nas telas o melhor é enxugar a história ao máximo.

A seguir, listo as melhores adaptações feitas de obras de Stephen King para o cinema ou televisão que eu assisti, em meu ponto de vista. Os filmes estão relacionados por ordem cronológica.
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(AVISO: PODE HAVER SPOILERS NO TEXTO)
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"Carrie, a estranha" (Carrie, 1976) - a história da adolescente Carrie White (Sissi Spacek), que sofre bullying na escola por ser reprimida pela mãe fanática religiosa Margareth (Piper Laurie), teve outras duas adaptações (uma para a TV e outra para o cinema) e uma sequência desnecessária. Entretanto, essa primeira versão se mantém imbatível como clássico. O roteiro conseguiu extrair o essencial da trama, até minimizando-a ao limitar a vingança de Carrie à Noite do Baile: no livro, a fúria da jovem telecinética atinge toda a cidade de Chamberlain, onde se passa a história, provocando uma grande destruição com centenas de mortos. Essa parte foi incluída na adaptação televisiva com Angela Bettis no papel principal (mas o final foi muito modificado) e não foi explorada na versão de 2013 que traz Grace Chloe Moretz como Carrie. A forma como a história é contada, usando as técnicas de slow motion (câmera lenta) e split screen (divisão da tela verticalmente para mostrar situações simultâneas) para aumentar a tensão das cenas, é mais um motivo para eu considerar essa uma adaptação insuperável.



"Os vampiros de Salem" (Salem´s Lot, 1979) - esse telefilme em duas partes, já disponível em DVD ou facilmente encontrada para download por torrent, também é uma boa adaptação que conseguiu transferir para as telas a atmosfera assustadora que tomou conta da cidadezinha de Jerusalem´s Lot (ou apenas Salem´s Lot) após a chegada do antiquário Richard Straker (James Mason), quando passam a ocorrer uma série de mortes e desaparecimentos. O escritor Ben Mears (David Soul) tenta investigar o mistério com sua amiga Susan (Bonnie Bedelia) e o adolescente Mark Petrie (Lance Kerwin) e descobre uma trama na qual a pequena cidade começa a ter seus habitantes transformados em vampiros pelo sinistro sr. Barlow. A direção é do saudoso Tobe Hooper. Em 2004, uma nova versão para a TV foi feita, com Rob Lowe no papel de Ben Mears e Donald Sutherland como Richard Straker, enquanto Rutger Hauer interpretou Barlow. No Brasil, foi exibido no canal HBO como "A mansão Marsten", referência à mansão onde Barlow e Striker se ocultam.



"O iluminado" (The shining, 1980) - Stephen King pode ter odiado, mas a adaptação dirigida por Stanley Kubrick conseguiu sintetizar em uma sequência de imagens belas, sutis e ao mesmo tempo assustadoras, aliadas ao talento do sensacional Jack Nicholson, a história do escritor Jack Torrance (Nicholson), que se isola com a esposa Wendy (Shelley Duvall) e o filho Danny (Danny Lloyd) no Overlook Hotel, onde irá trabalhar como zelador durante o inverno (quando o estabelecimento fica vazio) e tentar escrever seu livro. Entretanto, aparições começam a mexer com a sanidade de Jack, tornando-o gradualmente um perigo para sua própria família, enquanto o pequeno Danny tem visões confusas e desenvolve seus poderes sensitivos. O livro explora bem a relação de Jack com sua família, expondo os traumas de um contato abusivo, ajudando a criar o mistério sobre o fato de o hotel ser assombrado ou Jack ser um psicopata. O roteiro filmado por Kubrick conseguiu ser bem sucinto. Em 1997, o próprio King roteirizou uma versão para a televisão em forma de minissérie, lançada recentemente em DVD, mais fiel ao livro, com Steven Weber e Rebecca De Mornay nos papeis de Jack e Wendy. Achei um pouco cansativo, mas não deixa de ser interessante e vale a pena assistir.



"Christine" (Christine, 1983) - John Carpenter se tornou um de meus diretores favoritos desde "Halloween", de 1978, então seria injusto eu não listar "Christine" entre meus preferidos. Não é uma obra prima, na verdade, mas consegue ser uma versão competente da história do jovem Arnie Cunningham (Keith Gordon) e sua relação obsessiva com Christine, um velho e destruído Plymouth Fury que comprou de um estranho. Mesmo contra a vontade dos pais e com os conselhos de seu melhor amigo Dennis (John Stockwell), ele reconstrói o veículo e começa a mudar sua personalidade, aparentemente sob influência maligna do carro, no qual já aconteceram estranhas mortes no passado. A trilha sonora composta pelo próprio Carpenter, como em suas outras obras, pontua as cenas de suspense. Boa adaptação do volumoso livro.



"Na hora da zona morta" (The dead zone, 1983) - após um acidente de trânsito ao voltar da casa de sua namorada, o professor John Smith (Christopher Walken) fica em coma por cinco anos. Ao despertar, descobre que, além de sua namorada Sarah (Brooke Adams) ter seguido em frente e casado com outro, adquiriu o dom da premonição, que o leva a ajudar as pessoas mas também o torna assustador para muitos outros. Entretanto, ele vai se deparar com uma missão sinistra ao tentar deter um político em ascensão, Greg Stillson (Martin Sheen), cuja vitória no rumo da Casa Branca poderá acarretar uma tragédia de nível global. Dirigido por David Cronenberg, é uma das adaptações mais bem avaliadas por todos os admiradores de King. O talento de Walken e a narrativa dramática ajudam nesse resultado.



"Cujo" (Cujo, 1983) - Cujo é o nome de um dócil cão São Bernardo que é mordido por um morcego durante uma de suas brincadeiras no bosque de Castle Rock e adquire raiva. Aos poucos, o dócil cão desenvolve a doença e ameaça os humanos que se aproximam. A primeira vítima é seu dono, mas o ponto mais tenso do filme é quanto Donna Trenton (Dee Wallace) e seu filho Tad (Danny Pintauro) são encurralados por muitas horas pelo enorme animal dentro de um carro enguiçado na propriedade da família proprietária do cão. Na adaptação do livro dirigida por Lewis Teague, o final acabou sendo modificado, mas o resultado final não deixa a desejar. Não tem o elemento sobrenatural, o que torna a história ainda mais apavorante. O epílogo foi um dos mais assustadores que vi desde "Carrie".



"A incendiária" (Firestarter, 1984) - Depois de "E.T.", Drew Barrymore teve esse outro papel marcante como Charlie McGee, uma menina que pode atear fogo em tudo ao seu redor apenas com o poder da mente. Graças a essa condição, adquirida após seus pais Andy (David Keith) e Vicky (Heather Locklear) terem participado de experimentos secretos quando jovens, a criança é caçada por agentes do governo. Nessa perseguição, a mãe da menina é morta e um cruel assassino, Rainbird (George C. Scott), é colocado no encalço dos fugitivos, aproximando-se então da garota para conseguir sua confiança. É um filme menor e com roteiro muito enxuto em relação ao livro, mas vale como curiosidade.



"A colheita maldita" (Children of the corn, 1984) - Adaptado do conto "As crianças do milharal", integrante da coletânea "Sombras da noite", o filme mudou bastante o texto original, inclusive o final, que ficou menos, digamos, distópico. Em Gatlin, todos os adultos são assassinados em um dia pelas crianças e adolescentes, influenciados pelo maligno Isaac (John Franklin) e seu braço direito Malachai (Courtney Gains). Dias depois, o casal Vicky (Linda Hamilton) e Burt (Peter Horton) passa de carro pela estrada próximo a Gatlin e atropelam um  menino que fugia da cidade. Então o levam para lá na tentativa de encontrar seus pais, mas deparam com a estranha seita de Isaac, que prega o uso do sangue dos adultos como fertilizante para os milharais do lugar, onde uma criatura demoníaca é cultuada por todos. Dirigido por Fritz Kierch, o filme é interessante e ainda rendeu uma franquia com sete sequências, todas perfeitamente dispensáveis.



"A hora do lobisomem" (Silver bullet, 1985) - Na pequena cidade de Tarker´s Mill, algumas mortes bizarras começam a acontecer a cada ciclo da lua cheia. As vítimas aparecem terrivelmente mutiladas, e o jovem Marty (Corey Haim) está convencido de que um lobisomem está por trás dos assassinatos. Quando descobre a identidade humana do monstro, o menino, que é paraplégico, tem que correr contra o tempo com a ajuda de sua irmã Jane (Megan Follows) e do tio Red (Gary Busey) para deter a criatura, mas antes terá que convencê-los da realidade do perigo. No filme acaba sendo fácil descobrir a real identidade da criatura em uma cena de pesadelo do personagem reverendo Lowe (Everett McGill), mas a trama fica centrada na luta de Marty convencer os outros que suas suspeitas não são fantasiosas, o que é angustiante.



"Cemitério maldito" (Pet sematary, 1989) - Sem dúvida um dos livros mais assustadores de Stephen King e que se tornou um dos filmes mais badalados da década de 1980. Dirigido por Mary Lambert, a película é quase fiel à obra original, tendo apenas a exclusão de uns poucos personagens, como a esposa de Jud Crandall, Norma, o que em nada prejudicou o resultado. O jovem médico Louis Creed (Dale Midkiff) muda-se para uma casa na área rural de Ludlow, onde passará a trabalhar. Ele leva consigo sua esposa Rachel (Denise Crosby), a filha Ellie (Blaze Berdahl) e o pequeno Gage (Miko Hughes), além de Church, o gato da família. Lá ele conhece seu vizinho Judd Crandall (Fred Gwynne), com quem logo faz uma boa amizade e através do qual toma conhecimento da existência de um cemitério de animais nas proximidades e, mais além, de um antigo cemitério indígena micmac, que teria poderes de ressuscitar os mortos. Quando, em uma viagem da família sem Louis, o gato Church morre atropelado na rodovia movimentada que passa em frente à casa, Judd leva o médico até o cemitério micmac, onde sepulta o animal. Church volta no dia seguinte, mas diferente do que era: estranho, arredio e ameaçador. É então que Louis conhece a verdade sobre os poderes malignos do lugar e, apesar dos avisos de Judd e das aparições de um homem que morrera em seus braços no hospital, Victor Pascow (Brad Greenquist), ele vai se envolver com os perigos do lugar quando uma tragédia atinge sua vida. Apesar de não ser tão arrepiante quanto o livro, é um ótimo trabalho de Lambert, apesar de muitas críticas negativas na época. O filme teve uma sequência, que nunca tive interesse em conhecer - e continuo não tendo.



"Louca obsessão" (Misery, 1990) - Publicado no Brasil primeiro como "Angústia", pela série "Mestres do Horror e da Fantasia" da editora Francisco Alves, o livro é um dos que não trazem o sobrenatural, mas o terror real da loucura de fãs obcecados com seus ídolos. Dirigido por Rob Reiner, o filme é até "suave" se comparado com o texto original. Na história, o escritor Paul Sheldon (James Caan) sofre um acidente durante uma nevasca em uma rodovia. Inconsciente, é resgatado pela enfermeira Annie Wilkes (Kathy Bates, cuja interpretação magnífica lhe rendeu o primeiro de uma série de prêmios em outras produções nos anos seguintes), a qual se revela como sua "fã número um", pois adora sua série de livros cuja personagem principal é Misery Chastain. Entretanto, quando Annie descobre que Paul mata a personagem no último livro, destrói o original e o obriga sob ameaças a escrever uma nova obra protagonizada por Misery. Nesse inferno, ele percebe que a mulher é louca e o mantém prisioneiro, sem que ninguém saiba de seu paradeiro. Um dos momentos mais marcantes é quando Annie, achando que Paul, mesmo imobilizado sem poder andar por causa dos ferimentos do acidente, tentara fugir da casa, quebra seus pés com uma marreta. Suave: no livro, ela amputa um dos pés (a maneira como King narra é arrepiante) com um machado, e depois um dos dedos do escritor, como forma de pressioná-lo. Nesse festival de torturas, Paul começa a pensar desesperadamente em uma forma de escapar da loucura de sua fã. Imperdível!



"A metade negra" (The dark half, 1993) - Thad Beaumont (Timothy Hutton) escreve livros violentos sob o pseudônimo Gregory Stark, até o dia em que resolve "matar" seu alter ego para produzir outro tipo de literatura. Para isso, realiza um enterro simbólico de Stark. Porém, o lado sombrio do escritor se materializa e, em busca de vingança, Stark passa a matar as pessoas próximas a Thad, jogando sobre este as suspeitas dos crimes. Agora o escritor precisa encontrar uma forma de eliminar a ameaça criada por ele mesmo. Um dos livros mais originais e interessantes de Stephen King ganhou um tratamento bacana na direção de George Romero. O filme é pouco comentado, mas não deixa a desejar em emoção e violência. 



"A maldição" (Thinner, 1996) - O advogado obeso Billy Halleck (Robert John Burke) atropela e mata acidentalmente uma velha cigana em uma noite, enquanto dirigia e sua esposa Heidi (Lucinda Jenney) lhe fazia sexo oral, tirando sua concentração. Ele acaba sendo inocentado graças a influência de amigos, o que enfurece a comunidade cigana. O patriarca do grupo, Tadzu Lempke (Michael Constantine), toca o rosto de Billy na saída do tribunal, jogando sobre ele e os outros uma maldição. A partir daí o advogado começa a emagrecer, a princípio ficando satisfeito com seu novo físico, mas depois alarmado quando percebe que está literalmente secando. Ele passa a acreditar que foi vítima de uma maldição quando seus outros dois amigos morrem depois de degenerarem fisicamente, e começa uma guerra contra a comunidade cigana para reverter a praga. Esse filme é muito bacana, e os efeitos visuais da obesidade e magreza alarmante do personagem principal chamam a atenção. O final é uma terrível surpresa. Dirigido por Tom Holland.



"O aprendiz" (Apt pupil, 1998) - Adaptado do conto "Aluno inteligente", da coletânea "Quatro estações", é um filme pouco comentado também, mas muito interessante. Nessa adaptação, um jovem estudante, Todd Bowden (Brad Renfro) torna-se obcecado com o Holocausto após uma aula na escola. Tentando entender as motivações dos assassinatos, ele busca todas as fontes sobre o assunto, mas a oportunidade maior de compreender tudo surge quando descobre que um vizinho idoso, Kurt Dussander (Ian McKellen, genial!), é na verdade um criminoso nazista fugitivo. Ele passa então a chantageá-lo em troca de informações, obrigando-o a relembrar suas experiências nos campos de extermínio nazistas, mas essa relação acaba se tornando uma experiência cruel e degenerativa para o jovem. Um terror psicológico muito bom dirigido por Bryan Singer.



"O nevoeiro" (The mist, 2007) - Nessa adaptação do conto homônimo que abre a coletânea "Tripulação de esqueletos", o filme dirigido por Frank Darabont chamou a atenção pelo final surpreendente e cruel, diferente do texto original, que dividiu opiniões. Um dia após uma tempestade forte, um nevoeiro espesso vindo das montanhas atinge uma cidade, fazendo com que várias pessoas fiquem presas dentro de um supermercado aguardando que o fenômeno passe. Entre elas estão o pintor David Drayton (Thomas Jane) e seu filho Billy (Nathan Gramble), que haviam ido ao local comprar algumas coisas, enquanto a esposa ficava em casa. O nevoeiro não dissipa, e algumas pessoas que chegam apavoradas ao lugar falam sobre criaturas nele escondidas. Instala-se um clima de tensão no mercado, quando as tais criaturas, semelhantes a insetos mutantes gigantescos, tentam invadir o lugar para atacar as pessoas encurraladas. No conto, a origem do nevoeiro é apenas sugerida, mas no filme ele é mais explícito, vinculado a experiências militares que criaram um portal entre dimensões.



"It - A coisa" (It - chapter one, 2017) - A maior sensação de 2017 foi a primeira adaptação para o cinema do volumoso livro "A coisa", escrito por King em 1986. Antes, a obra havia sido adaptada para uma minissérie na televisão norte americana em 1990, que seguiu a estrutura do livro, com a mistura de momentos presentes e flashbacks. Naquela época, Tim Curry se destacou como o palhaço Pennywise, uma das formas com a qual a criatura devoradora de crianças de Derry se apresentava para aterrorizar o grupo dos Otários - seis meninos e uma menina -, os quais conseguem derrotar o monstro mas, 27 anos depois, adultos, retornam à cidade para um novo enfrentamento, quando novos assassinatos e desaparecimentos são registrados. Enquanto essa primeira versão pecou por ter um roteiro muito preso ao livro, a nova versão apostou em uma adaptação mais concisa e eficiente, além de dividir a história, sabiamente, em duas partes, sendo a primeira abrangendo a infância, no final da década de 1980, dos Otários Bill Denbrough (Jaeden Lieberher), cujo irmãozinho George é a primeira vítima de Pennywise (Bill Skarsgard), Richie Tozier (Finn Wolfhard, de "Stranger things"), Eddie Kappsbrak (Jack Dylan Grazier), Beverly Marsh (Sophia Lillis), Ben Hanscom (Jeremy Ray Taylor), Stanley Uris (Wyatt Oleff) e Mike Hanlon (Chasen Jacobs). Perseguidos na escola, principalmente pelo mau elemento Henry Bowers (Nicholas Hamilton), eles se tornam amigos e passam também a serem ameaçados por Pennywise. Resolvem então se unir para combater a criatura que mata crianças em Derry, percebendo que nenhum outro morador do lugar parece se importar com os assassinatos e desaparecimentos. A segunda parte do filme, com os Otários já adultos, está prevista para ser lançada em 2019. O livro, com mais de 1.100 páginas, mescla narrativas da infância do grupo em Derry, suas vidas já adultos, suas lembranças e fatos narrados por Mike Hanlon sobre o passado da cidade, que indicam que a Coisa existia ali e se alimentava havia séculos. A adaptação nessa primeira parte conseguiu ser eficiente. Esperemos que a segunda parte siga o mesmo caminho.



"Jogo perigoso" (Gerald´s game, 2017) - lançado recentemente pelo serviço de streaming Netflix, é mais uma boa adaptação do livro de King lançado em 1992, superando minha expectativa. A história é um terror psicológico em torno de Jess (Carla Gugino), esposa de Gerald (Bruce Greenwold). O casal resolve se isolar em uma casa de campo como forma de apimentar a relação aparentemente desgastada. Gerald inventa uma fantasia na qual prende Jessie à cama com algemas e finge ser um estranho que a seduz. Jess, entretanto, não gosta da atitude do marido e o repele, mas antes que Gerald a solte, ele sofre um enfarte e morre. A partir daí o filme mostra o desespero da esposa em conseguir se soltar, sofrendo vários delírios e alucinações, além de lembranças que explicam muitas situações de sua vida e transformam o incidente em uma alegoria de uma mulher que tenta se libertar também de um passado sombrio e de uma criatura que surge nas sombras carregando uma caixa contendo ossos humanos. Gostei muito da adaptação, mas confesso que foi um dos livros de King que menos me empolgou.


quarta-feira, 9 de agosto de 2017

SÉRIES: "The handmaid's tale" (2017)

Lançado em 1985, o livro "O conto da aia" (título original "The handmaid's tale"), de Margaret Atwood, é uma obra atemporal. Tanto o é que em 1990 foi adaptado para as telas (com Faye Dunaway, Natasha Richardson e Robert Duvall) e, este ano, ganhou uma versão em forma de série, lançada em abril passado pelo serviço de streaming Hulu, ainda indisponível para brasileiros. Mas a fama dessa nova adaptação chegou aqui primeiro, e por meio de downloads via torrent ou até mesmo em uma busca pelo YouTube e outros serviços de streaming, foi possível assistir uma das melhores séries já lançadas este ano.

O enredo de "The handmaid's tale" é apavorante: em um futuro incerto, as taxas de natalidade despencaram em todo o mundo, fato atribuído aos avanços tecnológicos e à depredação do meio ambiente. Nos Estados Unidos, instala-se uma teocracia totalitária e ultraconservadora, fazendo o país desaparecer para dar lugar à república de Gilead. Nela, revistas, celulares, televisores e outras modernidades deixaram de existir. Nesse mundo regresso, a doutrina cristã é imposta por meio do domínio sobre as mulheres, da perseguição a homossexuais ("traidores de gênero") e da institucionalização do estupro como forma de dar continuidade à espécie humana por meio das Aias - mulheres férteis que são recrutadas apenas com a finalidade de gerar filhos para seus senhores, com a conivência e a participação de suas esposas (teoricamente inférteis).

Nesse mundo pavoroso que remonta aos piores momentos da Idade Média, June (a excelente Elisabeth Moss, de "Mad men") é capturada ao tentar fugir para o Canadá com seu marido Luke (O. T. Fagbenle) e a filhinha de seis anos Hannah (Jordana Blake). A menina é levada e Luke é dado como assassinado pelo exército de Gilead. June perde seu nome e, após passar por um "treinamento" para se tornar Aia, transforma-se em Offred, pertencente ao comandante Fred Waterford (Joseph Fiennes) - daí o nome que faz referência à posse (De Fred) - e sua esposa Serena Joy (Yvonne Strahovski, de "Chuck"). Sob a ladainha diária de orações e o sexo forçado a cada mês na tentativa de gerar um filho para o casal Waterford, June/Offred conhece aos poucos a rotina das Aias, a opressão que passam nas mãos de seus "proprietários" e das Tias (as mulheres que recrutam e ensinam as Aias sobre suas novas "funções"),  e lida com o desespero da ausência de  de Hannah, levada para lugar incerto.
Alex Bledel (Emily) e Elisabeth Moss (June)
Na república de Gilead, os "traidores de gênero", os que resistem à nova ordem e os que cometem atos considerados como crimes na interpretação literal dos escritos bíblicos são executados (enforcados ou apedrejados) e tem seus cadáveres pendurados em vias públicas, quando não são mutilados - o que vale até mesmo para os próprios senhores de Gilead. Ao mesmo tempo em que testemunha esses horrores, June/Offred também toma conhecimento de um movimento clandestino de resistência, o May Day, por meio da Aia Emily/Ofglen (Alexis Bledel, em uma participação sensacional); reencontra sua melhor amiga Moira (Samira Wiley, a Poussey de "Orange is the new black"), também uma Aia; aproxima-se de Nick (Max Minghelia), motorista dos Waterford; e conhece também Rita (Amanda Brugel), uma Martha - como são chamadas as governantas dos comandantes - na casa dos Waterford. Tanto Moira quanto Emily são lésbicas, o que lhes expõe a mais perigos em Gilead.

"The handmaid's tale" tem, sim, um discurso feminista, mas, acima disso, é um alerta sobre a perda da dignidade humana diante de regimes totalitários que esmagam a liberdade individual e eliminam o livre arbítrio, mas não abrem mão de seus próprios "prazeres proibidos", tornando a nova república um verdadeiro regime de hipocrisia religiosa. Em seu cativeiro, June aos poucos começa a despertar e se utilizar de artimanhas arriscadas para tentar sair daquele mundo repressor irracional. Mas até aí ainda vai passar por situações constrangedoras e violentas nas mãos de Serena, da Tia Lydia (Ann Dowd) e dos Olhos (como são chamados os vigilantes de Gilead).

A primeira temporada teve dez episódios, nos quais flashbacks mostram o processo de extinção da república democrática dos Estados Unidos e as vidas dos personagens antes da mudança radical em seus destinos. A segunda terá três episódios a mais e deve estrear no primeiro semestre de 2018. Difícil vai ser controlar a ansiedade depois de tantas revelações e reviravoltas no season finale.

VIAGEM: Cabaceiras, PB (06/04/2024)

Pela terceira vez viajei à Paraíba nas férias - e a primeira vez com meu marido Érico -, e essa foi a oportunidade de realizar um sonho, alé...