terça-feira, 20 de dezembro de 2016

FILMES: "O filho de Saul" (Saul fia, 2015)

De março a junho de 1944, aproximadamente meio milhão de judeus húngaros foram deportados pelos nazistas das cidades da Hungria para Auschwitz, onde foram assassinados nas câmaras de gás em um dos maiores e mais ágeis processos de extermínio já realizados pelo Terceiro Reich durante o Holocausto. Quem conhece esse fato histórico consegue identificar o período e o local em que se passa "O filho de Saul" (Saul fia), filme húngaro de 2015, dirigido por László Nemes, vencedor do Oscar de melhor filme daquele ano. Algumas imagens na película remetem a fotos bastante conhecidas daquele período, feitas clandestinamente e que mostrar o processo de assassinato de homens, mulheres e crianças em um ritmo desenfreado.


Diferente das demais produções centradas na perseguição e assassinato em massa da população judia europeia durante a Segunda Guerra Mundial, "O filho de Saul" concentra a trama em Saul (Géza Röhrig), judeu húngaro prisioneiro de Auschwitz, mantendo o foco em seu rosto na maior parte do tempo, enquanto o restante do cenário é propositalmente desfocado, mas de um modo que ainda se permite entender as ações ao redor do prisioneiro. Assim, logo nos primeiros minutos, descobrimos que Saul é um dos Sonderkommandos, judeus destacados para a indigesta missão de conduzir os deportados para os vestiários e câmaras de gás, encarregando-se depois de levar os cadáveres até os fornos crematórios.

É em meio aos mortos recolhidos nas câmaras que Saul encontra um menino ainda vivo, que acredita ser seu filho, do qual foi separado durante a deportação ao campo. Obviamente, o garoto é posteriormente executado por sufocamento por um dos carrascos nazistas para que seu cadáver seja enviado para as chamas junto com os demais. É aqui que começa o drama dentro do drama de Saul: crente que o menino era seu filho, ele quer resgatar o corpo para dar-lhe um enterro digno em meio ao inferno de Auschwitz, onde o tempo todo mais judeus chegam e são assassinados. Ele chega ao ponto de em desespero procurar um rabino entre as novas vítimas da Solução Final, literalmente despejadas no campo de extermínio.


A forma de Nemes contar a história de um homem que busca manter um pouco de dignidade em meio ao caos choca. São cenas quase documentais que na maior parte expõem a loucura e a violência de um processo insano sem apelar para o explícito. Há outras cenas reveladoras do local e da época da trama: em uma delas, um prisioneiro clandestinamente tira fotos, de dentro de uma das barracas de Birkenau, da queima dos cadáveres em fossas ao ar livre, imagens recorrentes nos livros sobre o assunto.

Até o final do filme, a saga de Saul vai revelar outros aspectos históricos do Holocausto, como a tentativa de rebelião em Auschwitz - já tratado especificamente em outro filme, "Cinzas da guerra" -, para a qual é "recrutado". Mas, para ele, o mais importante é permitir ao filho um descanso digno após ser sacrificado em uma vida na qual os nazistas impediram a dignidade até o momento da deportação e extermínio.


quarta-feira, 5 de outubro de 2016

FILMES: "Westworld - onde ninguém tem alma" (Westworld, 1973)

As décadas seguintes à hecatombe que determinou o fim da Segunda Guerra Mundial marcaram uma evolução incrível na produção cinematográfica norte americana. Até meados da década de 1980, os temas geraram filmes marcantes e obras primas de nível, como a Guerra Fria ("O dia seguinte", 1983) e o anticomunismo ("Vampiros de almas", 1956), só para citar alguns. Foi nesse meio onde se testemunhou a rapidez do desenvolvimento tecnológico que Michael Crichton escreveu e dirigiu "Westworld", uma ficção sinistra sobre as monstruosidades engendradas pelo ser humano no mundo da tecnologia.

Em um prólogo de aproximadamente três minutos, várias pessoas que aparentemente estão retornando de alguma viagem são entrevistadas por um repórter e falam das maravilhas do resort Delos, uma revolução no casamento entre diversão e tecnologia. Trata-se de uma propaganda que promete ao interessado disposto a pagar mil dólares diários uma emoção diferente e inovadora nas suas férias: um conjunto de três parques temáticos (Mundo Medieval, Mundo Romano e o Velho Oeste - a Westworld do título) onde turistas interagem com androides perfeitos e quase indistinguíveis dos humanos, exceto por uma pequena falha perceptível nas palmas das mãos. O apelo da Delos inclui até interação íntima com os personagens robóticos, prometendo domínio total sobre eles: os personagens podem ser mortos a tiros, mas logo são reprogramados para novas aventuras, e uma tecnologia impede que humanos sejam vitimados por engano (um dispositivo que trava as armas de fogo quando o alvo emite ondas de calor, no caso dos corpos humanos).
 
Peter Martins (Benjamin, à esq.) e John Blane (Brolin), os desafortunados amigos em Westworld
 No novo grupo de viajantes estão os amigos Peter Martin (Richard Benjamin) e John Blane (James Brolin) - o primeiro, estreante no resort, enquanto o segundo já conhecera o complexo de Delos em ocasião anterior. Ambos escolhem Westworld, com seus duelos, cabarés, foras da lei e belas prostitutas - o estereótipo romântico do Velho Oeste. A diversão começa. Algumas falhas são diagnosticadas, mas nada que preocupe a equipe de monitoramento do resort, uma vez que bastam uns ajustes para as "peças" se ajustem e voltem à interação com os humanos.

No entanto, em certo momento da aventura John é picado por uma cascavel - uma androide, obviamente, o que lhe causa apenas um pequeno ferimento. A equipe não descobre a falha na programação da falsa cobra. A situação começa a piorar gradualmente nos três espaços do complexo, e a gravidade do problema só é percebida tarde demais.

ALERTA DE SPOILERS A SEGUIR


ALERTA DE SPOILERS A SEGUIR

O filme traz como tema claro a impotência do homem diante dos abusos que comete por meio da tecnologia e a falta do domínio que tem sobre ela. Um dos personagens, membro da equipe controladora dos três mundos de Delos, admite que partes dos robôs foram criadas por outros robôs, de forma que ele desconhecia o que havia sido feito nesse processo. Ao querer criar seres artificiais à sua imagem e semelhança para poder dominá-los, o homem  inicia o caminho de autodestruição por pura ambição e arrogância. Crichton trataria do tema de novo anos mais tarde na literatura com "Jurassic Park".
 
O androide pistoleiro de Yul Brynner: olhar sinistro na caça aos turistas
Assim como na obra sobre os dinossauros recriados, em "Westworld" o descontrole - aqui provocada por pura falta de domínio da tecnologia, em vez da corrupção e da espionagem industrial na fábula jurássica - tem resultados fatais: no Mundo Medieval, um dos turistas é assassinado em um duelo com o androide Cavaleiro Negro pelo amor de uma Rainha; no Mundo Romano, os escravos resistem ao assédio sexual dos visitantes e em uma espécie de vingança os atacam e matam; e em Westworld, o terceiro encontro entre a dupla de amigos e o robô pistoleiro (Yul Brynner, em uma performance assustadora) termina mal, quando John é morto a tiros e Peter passa a ser perseguido pelo androide de olhar sinistro.


Nessa fuga desesperadora, Peter testemunha o massacre dos turistas nos outros complexos e a morte da equipe de monitores (no desespero para tentar conter os ataques, desligam a energia e acabam ficando irremediavelmente presos na cabine, onde perecem sufocados). No final, após conseguir deter seu algoz com ácido, e exausto, Peter senta-se na escada de saída do Mundo Medieval e observa, horrorizado, o resultado da tragédia. Em off, a voz do repórter da propaganda repete constantemente a promessa de férias inesquecíveis em Delos. Tragicamente irônico.

Enfim, não há uma explicação clara para o "disparo" da alteração dos androides, e é nisso que reside o maior horror de todos: há algo pior do que se sentir impotente por não se chegar à causa de um problema que acabou custando centenas de vidas? É a mesma lógica pavorosa do final de "Os pássaros", de Hitchcock: o desconhecido permanece desconhecido e, exatamente por isso, assustador.

Série - O canal HBO lançou no último domingo, 2, a série inspirada no filme de Crichton. O primeiro capítulo já dá uma prévia do pesadelo que os visitantes de Westworld enfrentarão em breve: os androides do lugar (agora com tema restrito apenas ao Velho Oeste) começam a apresentar falhas e, aparentemente, desenvolver atitudes espontâneas. A diferença aqui é que todo um universo foi criado para que os próprios seres artificiais (chamados "anfitriões") vivam sua "realidade": eles se relacionam entre si como familiares, amigos ou amantes, vivem uma rotina imutável a cada dia com pequenas alterações (de acordo com sua programação) e até "matam" uns aos outros em duelos, assaltos e brigas. A diferença bacana é que a série vai explorar algo que só foi visto de relance no filme original: a alma de Westworld, as pessoas que estão por trás da tecnologia, representadas principalmente pelo criador do parque, Robert Ford (Anthony Hopkins), a quem um dos anfitriões diz, com um tom ameaçador, quase no final do capítulo: "Você não sabe onde está? Você está na prisão de seus próprios pecados". Vale a pena revisitar o filme de Michael Crichton e acompanhar a série que tem na produção o nome de J. J. Abrams, responsável por obras como a série "Fringe" e o o filme "Cloverfield".

terça-feira, 20 de setembro de 2016

VIAGENS: Um feriadão em Foz do Iguaçu

Sempre tive vontade de conhecer Foz do Iguaçu, no Paraná, e suas famosas cataratas. Então decidi que, havendo um feriado prolongado, iria aproveitá-lo nessa cidade que fica na tríplice fronteira (Brasil/Argentina/Paraguai). Bastou procurar e... bingo! Tivemos no Amazonas um baita feriadão de 3 a 7 de setembro (no dia 5 é comemorado a elevação do Amazonas à categoria de província, então como a data iria cair numa segunda-feira e o dia da Independência, na quarta, surgiu uma excelente oportunidade). Como o calendário judicial já estava definido, decidi que essa seria a chance!

O passo seguinte foi "caçar" passagens. De Manaus para Foz do Iguaçu, nunca era possível achar passagem de ida e volta por menos de R$ 1,3 mil. Então, qual não foi minha alegria, após monitorar os sites de viagens (Submarino Viagens e Decolar, geralmente), quando encontrei os dois trechos por R$ 672 pela Latam!!!!!! Um presente, claro, então não contei conversa e comprei! Achar a hospedagem foi fácil: sempre pelo Booking.com. Escolhi o Iguassu Holiday por sua localização - perto das cataratas e das principais atrações de Foz do Iguaçu.

Compradas as passagens, embarcamos, eu e Luiz, no dia 2 de setembro rumo a Foz do Iguaçu, saindo de Manaus às 6h14 pela Latam, com conexão em Guarulhos (SP). Chegamos ao nosso destino final perto das 15h, e já do avião pudemos ver a maravilha das cataratas.

As cataratas do Iguaçu vistas da aeronave, momentos antes do pouso no aeroporto internacional de Foz


O Iguassu Holiday, no final das contas, acabou sendo uma excelente escolha: a poucos minutos do aeroporto, do Parque das Aves, do Dreamland com seu Vale dos Dinossauros e, claro, das Cataratas do Iguaçu. Sem falar no valor pago: uma promoção com desconto nos permitiu pagar R$ 330 em quatro diárias (valor do período todo!). O hotel possui, além do café da manhã, almoço e jantar, mais lanchonete, pagos à parte no check-out.

Alugamos, como sempre fazemos, um carro, utilizado em todos os passeios, mas em dois deles deixamos o veículo no hotel por precaução para irmos a Porto Iguazu (Argentina) e Ciudad del Este (Paraguai). Optamos pelo passeio organizado pela empresa Loumar Turismo - serviço muito bom, por sinal!

Então, vamos aos roteiros e dicas:

1 - Dreamland e Vale dos Dinossauros: o Dreamland já é conhecido por causa do seu museu de cera com muitos personagens famosos. No mesmo complexo funciona o Vale dos Dinossauros - por onde deve começar o passeio caso o tempo esteja chuvoso. É possível comprar antecipadamente pela internet o combo para visitar o vale, o museu de cera e o museu das Maravilhas do Mundo (uma série de reproduções em tamanho natural ou miniatura de monumentos, edificações históricas, mobiliário e objetos de várias partes do mundo). No vale, podemos tirar fotos à vontade de todos os dinossauros em tamanho natural, que se movem e emitem ruídos. No entanto, no finalzinho do passeio só podem ser feitas fotos pelo fotógrafo da empresa (como no museu), podendo o trabalho ser comprado devidamente emoldurado. Não chega a ser uma Disneylândia, mas é um passeio sensacional! Fizemos isso no sábado, 3, pela manhã (o complexo abre às 9h). Tudo isso por R$ 90 por pessoa (setembro/2016).

Vale dos Dinossauros

Museu de Cera


Maravilhas do Mundo



Entrada do complexo Dreamland


2 - Cataratas do Iguaçu: depois do complexo Dreamland, seguimos no mesmo dia para o Parque das Cataratas, para o qual também havíamos comprado ingressos antecipados pela internet (saiu a R$ 34,30 cada). A vantagem é que, comprando pela internet, você entra numa fila de prioridades para trocar o recibo pelos ingressos. Quanto ao carro, é cobrado o valor de R$ 15 de estacionamento (uma diária). Trocado o ingresso, basta aguardar o embarque no ônibus que leva os visitantes às cataratas (é feito a cada 15 minutos, com chamadas pelos paineis nos lugares onde são organizadas as filas). No lugar é possível comprar capas de chuva para usar na descida às cataratas, mas é preferível comprar fora do parque: lá uma capa simples custa R$ 17; a outra, mais resistente, R$ 37,90 (valores de setembro/2016).
Embarcados no ônibus, seguimos até as cataratas, com várias paradas em trilhas (mas não inclusas no valor do ingresso). No ponto final, descemos e fizemos o trajeto margeando as quedas d'água até chegarmos à Garganta do Diabo, onde a passarela chega até a beira de uma das cachoeiras. É um espetáculo emocionante ver tanta beleza e grandiosidade.
Há um restaurante e lanchonetes nessa área do complexo, mas os preços são muito altos. Melhor deixar o almoço para depois, fora do parque - a não ser que esteja disposto a pagar R$ 75 por pessoa para comer lá (vão por mim, deixem isso para os ricos). Falando de comida, convém lembrar que os quatis não devem ser alimentados. Eles passam por perto dos visitantes o tempo todo, são muito lindos e fofos, mas a orientação é não tentar pegá-los para evitar mordidas e arranhões acidentais. Eles podem transmitir doenças. Infelizmente, a regra de não deixar comida para atrai-los não é seguida por muitos. O que mais vimos foram bandejas com restos de comidas deixadas sobre as mesas, atraindo vários animais. Há locais para guardar as bandejas e jogar as sobras - como nas praças de alimentação dos shopping centers -, mas a preguiça e falta de higiene e de conscientização de muitos é maior.

Uma das muitas vistas das cataratas do Iguaçu

3 - Itaipu Binacional: fizemos esse passeio na manhã de domingo, 4. Há vários tipos de passeio, mas optamos pela Visita Panorâmica, que custou R$ 31 por pessoa (setembro/2016). Nele, embarcamos em um ônibus que nos levou pelo complexo de Itaipu até a barragem, e durante o percurso o guia conta tudo sobre a construção da barreira e a sua capacidade, com números impressionantes (fiquei tão maravilhado com as paisagens e querendo registrar tudo que confesso: não prestei atenção neles). Dá para fazermos fotos muito legais e conhecer muito sobre a formação da usina hidrelétrica. Tudo dura cerca de duas horas. Compramos os ingressos também antecipadamente, pela internet. O estacionamento é pago (R$ 20) na hora da troca do recibo, antes do passeio. Apesar de havermos marcado para as 10h, pudemos embarcar logo em um dos primeiros ônibus, às 8h30, já que havíamos chegado cedo. Antes de tudo é exibido um curta-metragem contando a história da construção da hidrelétrica. O único porém da viagem é que não pudemos fazer a visita noturna para a iluminação da barragem. Como deixei muito para cima, não havia mais vagas disponíveis quando acessei o site da usina de Itaipu. Ficou para uma próxima visita.

Abertura das comportas de Itaipu
4 - Templo Budista: saindo de Itaipu, dirigimos até o Templo Budista. Lá a entrada é gratuita, e o espaço passa uma tranquilidade muito grande. Fotos só não são permitidas no interior do prédio do templo, mas no restante da área são liberadas. É um lugar muito bonito e calmo, indicado até mesmo para meditação. Há uma loja de souvenir com preços acessíveis, mas o pagamento só pode ser feito em espécie. Na entrada, há fotógrafos que tiram retratos seus sem compromisso, e o abordam na saída oferecendo o trabalho em uma moldura por R$ 10. Aceitamos para ajudar.

Templo budista, um lugar de paz
5 - Marco das Américas: depois do templo, fomos ao Marco das Américas, que estava, no início de setembro/2016, com obras de ampliação em andamento. Não é um lugar excepcional: tem o marco brasileiro da tríplice fronteira, um restaurante e uma loja de souvenir, mas vale a pena visitar. De lá é possível ver os marcos da Argentina e do Paraguai, no outro lado do rio. O ingresso custa R$ 14 por pessoa (setembro/2016).

No Marco das Américas, lado brasileiro

6 - Mesquita de Foz: a próxima parada do domingo foi a mesquita da cidade, porém ela estava em obras e fechada para visitação da área (só abre de segunda a sábado). Valeu a pena para registrar a beleza da edificação.

Mesquita de Foz do Iguaçu
7 - Parque das Aves: a última parada de domingo custou R$ 35 por pessoa. Vale muito a pena conhecer diversas espécies de aves que são criadas em seu habitat natural, protegidas, mas não chega a ser um cativeiro no seu significado direto - à exceção do espaço das araras, que me deixou incomodado porque os bichinhos fazem uma algazarra por evidente medo das pessoas. Foi o único setor do parque que não me agradou. Nos demais as aves são tranquilas e parecem ignorar nossa presença.

Parque das Aves
8 - Ciudad del Este, Paraguai: na segunda, 5, foi a vez de deixarmos o carro no hotel para usarmos os serviços da Loumar Turismo. A van nos apanhou no hotel no horário combinado pela manhã. Atravessamos a Ponte da Amizade e desembarcamos no Shopping Del Este (a passagem pode ser feita também a pé pela ponte ou de vans e ônibus indo para lá de Foz, na maior tranquilidade e sem obstáculos, com na Argentina). Ali, outra van nos levou a um city tour, onde conhecemos várias igrejas e logradouros da cidade paraguaia, depois seguimos para Presidente Franco para conhecermos os Saltos de Monday. Ali há um elevador para quem quiser ver as cataratas da parte mais baixa, mas o valor é pago à parte (custou R$ 10 por pessoa). Na volta, fomos deixados na área próxima ao shopping para programa livre em passeios e compras. Andar por aquela região de Ciudad del Este não é para fracos: é tudo muito tumultuado e barulhento (aliás, o próprio trânsito na cidade é algo inimaginável de tão desorganizado). Almoçamos no próprio shopping (eles aceitam pagamento em espécie em reais e cartão de crédito internacional) e depois a van nos deixou de volta no hotel.
Recomendo não ir de carro até Ciudad del Este por conta do trânsito louco e da parca sinalização na cidade paraguaia - lá os motoristas fazem o que bem entendem ao volante. O ideal, caso não se queira pagar o passeio e se deseja apenas fazer compras, é deixar o carro em um dos estacionamentos na região ao redor da Ponte da Amizade e apanhar um táxi ou ônibus para fazer a travessia. Ou ir a pé, caso haja disposição e o tempo permitir. Mas o passeio vale a pena para quem curte city tours.

Salto del Monday, em Presidente Franco

9 - Porto Iguazu, Argentina: à tarde, uma hora depois de sermos deixados no hotel, outra van nos apanhou para o segundo passeio. Dessa vez seguimos para Porto Iguazu, na Argentina. Atravessar a Ponte da Fraternidade (bem perto do nosso hotel) é um exercício de paciência: antes, na aduana brasileira, e depois, na argentina, demoramos pelo menos 15 minutos até a checagem de nossos documentos e posterior liberação. Bem diferente do "liberou geral" na fronteira paraguaia.
Ultrapassado esse obstáculo, chegamos à primeira parada: o parque La Aripuca. Ali vemos construções feitas de troncos imensos de árvores derrubadas anos antes pelo progresso ensandecido. A mais impressionante é a arapuca gigante, uma alegoria da armadilha em que nós estamos nos envolvendo com a exploração irracional do meio ambiente. Em um espaço à parte, indígenas vendem seus artesanatos. Outro atrativo interessante do parque é a venda de artesanato e doces - os destaques são a geleia de pétalas de hibisco e o doce feito de madeira, além do delicioso alfajor e do doce de leite com chocolate. As limitações financeiras me impediram de trazer muitas coisas.
Saindo de La Aripuca fomos a diversos logradouros de Porto Iguazu, onde o comércio fecha às 15h e retorna às 17h, ficando aberto até 21h. Passamos pelo marco argentino da tríplice fronteira, de onde pudemos ver os equivalentes paraguaio e brasileiro.  A parada final foi justamente no coração comercial da cidade, a avenida Brasil, onde há lojas de todos os tipos com produtos com valores bem em conta e pagamento na moeda brasileira (a conversão é feita na hora pelos vendedores). Uma chuvinha insistente (fez muito frio em Foz de sábado a terça-feira) atrapalhou um pouco nosso passeio, mas deu para conhecermos diversas lojas e comprar algumas lembrancinhas. Trouxe para Manaus o doce de leite, a geleia de pétalas de hibisco e o doce feito de madeira, mais uma caixa de alfajor. Tudo saiu por 380 pesos argentinos - ou R$ 81.
O passeio para as terras paraguaias e argentinas custou, ao todo, R$ 190 por pessoa (setembro/2016).

Parque La Aripuca
Nossa viagem a Foz do Iguaçu chegou ao fim no anoitecer de 6 de setembro. Deixamos o hotel, demos ainda uma voltinha no recém inaugurado shopping Catuaí Palladium, bem perto do Iguassu Holiday, e almoçamos na churrascaria Show Brasil, na avenida Mercosul, também muito perto do hotel, antes da aduana brasileira (por R$ 35 por pessoa você come até explodir). Foi a prova de que a escolha da hospedagem foi perfeita! Espero voltar em breve a Foz para ver de novo as cataratas e fazer mais compras - e visitar as cataratas do lado argentino, agora que "pegamos a manha" de como chegar até lá.

quinta-feira, 26 de maio de 2016

LIVROS: "O planeta dos macacos", de Pierre Boulle

Depois de assistir a uma adaptação com quatro sequências, um remake e uma prequel com sequência, finalmente chegou às minhas mãos o livro "O planeta dos macacos" (La planète des singes), escrito pelo francês Pierre Boulle em 1963 - cinco anos antes do lançamento do clássico cinematográfico com Charlton Heston. A obra de ficção científica foi lançada pela Editora Aleph no ano passado, em uma edição bonita e com uma apresentação gráfica que se adequa bem ao clima sinistro da estória.

Ao chegar à última página, constatei como a versão cinematográfica dirigida por Franklin J. Schaffner foi uma adaptação perfeita, apesar de bem mais radical com seu discurso ideológico subliminar, mas o livro não deixou a dever no elemento surpresa no final. Ao contrário do planeta rústico encontrado pelo astronauta Taylor (Heston) e seus companheiros, no livro de Boulle a sociedade símia tem tecnologia avançada, mesmo que ainda inferior à humana. Eles possuem cidades organizadas, dirigem automóveis, pilotam aviões, tem televisores e todos os bens tecnológicos já conhecidos, mas não conseguiram ainda, por exemplo, lançar satélites.

Na obra, um casal em viagem de férias pelo espaço em sua nave semelhante a uma bolha, num futuro distante, encontra flutuando no vazio infinito uma garrafa contendo um manuscrito. Ao apanhá-la, começam a lê-lo: trata-se de um relato escrito pelo jornalista Ulysse Mèrou, que no passado (no ano 2500) viajara em uma expedição intergalática a convite de um cientista, professor Antelle, e seu discípulo, o jovem físico Arhur Levain. A intenção era alcançar o sistema da estrela gigante Betelgeuse e estudá-lo. Acabam deixando a nave em  uma escuna e aterrissam em Soror, planeta com condições físicas semelhantes à Terra - cidades, oceanos, rios e estradas.

Como no filme, os três homens ficam surpresos ao encontrarem seres humanos que agem como animais selvagens, andando nus e não emitindo qualquer som além de grunhidos. Ulysse se encanta com Nova, nome com que batiza uma jovem por quem se sente atraído, apesar de sua natureza selvagem e irracional. Aí começam as semelhanças com o filme: surgem os macacos à caça de humanos com redes e armas, o que é visto com espanto e pavor por Mèrou e seus companheiros. Levain acaba sendo morto com outros humanos e Ulysse, capturado juntamente com Antelle, mas ambos acabam sendo separados. No entanto, o jornalista é colocado no laboratório junto com Nova.

No universo de Boulle, Mèrou vira alvo de estudos e sua capacidade de falar atrai a atenção da chimpanzé Zira, uma cientista. Depois de algum tempo na busca de conquistar a confiança da macaca, ele aprende o idioma dos macacos e ensina Zira a sua língua materna - no caso, o francês. Com a posterior adesão do noivo dela, Cornelius, também um cientista, Mèrou começa a busca por uma resposta para aquela civilização bizarra a seus olhos, e é sempre visto com desconfiança e desprezo pelo doutor Zaius, um orangotango que tenta de todas as formas isolar o jornalista como se fosse uma ameaça.

O que é muito interessante no livro é justamente essa busca por respostas. Ulysse acaba se tornando um estranho no ninho com privilégios diante dos demais humanos de Soror (semelhante ao que vemos acontecer com Zira e Cornelius no terceiro filme da franquia, "A fuga do planeta dos macacos"), adaptado a uma sociedade tão semelhante e ao mesmo tempo extremamente oposta à sua. Apesar de se sentir mal por causa dessa nova posição - e principalmente por ser obrigado a deixar Nova no laboratório de estudos -, ele segue motivado pela busca de respostas, na procura angustiante do ponto onde, naquele planeta, a espécie humana regrediu e os macacos evoluíram.

Há pontos interessantes na narrativa de Mèrou, como seus devaneios sobre as teorias que poderiam ter causado tal "involução" no seu ponto de vista e os conflitos com relação à sua situação perante a própria espécie. Seu reencontro com Antelle, transformado de um renomado cientista em mais um humano irracional (mas sem ter passado por uma lobotomia como o personagem correspondente no filme, o astronauta Landon), acelera essa necessidade de resposta e o temor do que essa nova espécie possa significar para os humanos na Terra, a anos-luz de distância do sistema Betelgeuse. O objetivo passa a ser partir de Soror e voltar à Terra, e por conta de uma situação inesperada, os planos acabam incluindo Nova.

Não irei entrar em mais detalhes sobre o final, caso haja interesse do leitor em conhecer o livro, mas apenas adianto que o desfecho é diferente do filme. Entretanto, a surpresa é a mesma!

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

SÉRIES: "Mad men" (2007-2015)

Elenco de primeira em uma das melhores séries dramáticas da televisão por assinatura

Demorei para descobrir "Mad men", o que fiz agora pelo Netflix (apesar de ficar tentado a comprar o box com todas as temporadas, mas estamos em tempos bicudos para fazer tal extravagância). Eu sabia do sucesso e das premiações recebidas por essa série, mas perdi a estreia, as reprises e, portanto, desisti de acompanhá-la. Graças ao Netflix, ingressei no universo dos fãs da trama ambientada nos anos 1960, na Manhattan dos publicitários e sua batalha profissional - muitas vezes suja - e dramas pessoais - e não são poucos.

Don Draper (Jon Hamm)
Para quem não assistiu a série, vale um resumo. O protagonista é Donald Draper (Jon Hamm, excelente ator), publicitário - e depois sócio - da Sterling-Cooper Advertising, empresa expressiva do ramo na Madison Avenue (daí o título "Mad men", referência tanto à companhia quanto às próprias loucuras dos profissionais). Casado com Elizabeth (January Jones, quase uma cópia da saudosa Grace Kelly) e pai de um casal de filhos, Don vive entre os desafios e armadilhas da profissão e uma vida pessoal dividida entre a família e as amantes, além de guardar um segredo sobre seu passado e sua origem. É em torno disso que "Mad men" se estende por sete temporadas. Estou na metade da terceira temporada, e pedindo sempre mais.

Peggy Olson (Elisabeth Moss)
A reconstituição de época é perfeita, resgatando o gel nos cabelos, as formalidades e a posição passiva das mulheres que começava aos poucos a desaparecer, além de fatos marcantes. As personagens femininas, aliás, são o maior trunfo de "Mad men". A que mais me agrada é Peggy Olson (Elisabeth Moss, perfeita!), secretária de Don Draper na primeira temporada que, graças a sua criatividade, passa a fazer parte do time de redatores da Sterling-Cooper. Em um mundo esmagadoramente masculino, ela começa aos poucos a se impor, resistir aos assédios e preconceitos machistas, tendo de aprender a duras penas como lidar com o grupo, principalmente depois de ter um breve romance com o colega publicitário Peter Campbell (Vincent Kartheiser, muito bom!).

Betty Draper (January Jones)
Depois de Peggy, apaixonei-me por Elizabeth, a entediada esposa de Don, e por Joan Holloway (Christina Hendricks), chefe das secretárias da Sterling-Coooper. A primeira é a típica dona de casa perfeita que trocou a carreira de modelo pelo casamento, e depois de certo tempo passa a deixar transparecer sua frustração - o que acaba virando uma arma. Joan é quase uma pin-up, amante de Roger Sterling (John Slattery) e consegue lidar com o universo machista da Sterling-Cooper com mão firme e muita ironia. Belas e excelentes atrizes, maravilhosos papeis.
Joan Holloway (Christina Hendricks)

Peter Campbell é o ambicioso publicitário que quer superar o talento de Don Draper, nem que para isso use até mesmo de chantagem para tentar derrubar seu rival. Casado com uma jovem rica a quem não consegue engravidar, ele se envolve com Peggy, mas o resultado dessa relação vai transformá-lo em um homem amargo e cada vez mais ávido de poder.
Peter Campbell (Vincent Kartheiser)
Esses cinco personagens são apenas um chamariz. "Mad men" consegue ser mais espetacular ao revelar os bastidores da indústria publicitária norte-americana em uma época agitada por paranoias, crimes políticos, Guerra Fria e conflitos raciais, quando vender um sonho e obter lucro, sem limites, era o maior objetivo do mercado. Uma série altamente recomendável, tanto pela trama bem armada quanto pelos excelentes atores.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Bizarros e estúpidos

Há umas três semanas acabei me deparando com três vídeos compartilhados no Facebook com cenas chocantes. No primeiro, uma mulher jovem era cercada por uma multidão em uma tentativa de linchamento. Bastante machucada, ela teve fogo ateado a uma parte de seu tórax e caiu no chão, gemendo de dor. Como se não bastasse tamanha violência, um homem passou com um balde e jogou seu conteúdo sobre a jovem caída no chão, que instantaneamente explodiu em chamas, que ainda atingiram superficialmente algumas pessoas mais próximas. Era gasolina.

O segundo e terceiro vídeos mostraram torturas e mortes de animais. Em um, um cidadão segurava um gato siamês, imobilizando-o, enquanto outro atingiu o pobre animal com uma ferramenta pesada. O agressor ainda fez sinal de positivo com o polegar para a câmera enquanto o gatinho se contorcia, depois deu-lhe mais dois golpes que o mataram. No outro vídeo, aparentemente gravado escondido, um homem aproxima-se de um cachorro amarrado (provavelmente em seu quintal), agarra-o pela coleira e atira-o violentamente contra a parede. Enquanto o animal se contorce em agonia, o assassino apanha uma garrafa e a quebra contra a cabeça do cachorro, matando-o não sem antes causar-lhe terríveis sofrimentos.

Acabei sendo induzido a ver tais vídeos bárbaros pelas declarações de quem os compartilhou - e meu castigo foi ficar deprimido por vários dias. Um dizia apenas que a mulher havia torturado um cachorro com um maçarico até a morte e foi espancada por uma multidão revoltada – fatos que, descobri depois, não guardavam nenhum tipo de relação. Os outros dois vídeos seguiam o estilo “compartilhe para denunciar e achar o criminoso”. O grau de violência mostrado me levou a deixar de seguir as pessoas que o compartilhavam ou denunciar o vídeo – algo inútil, em várias situações.

As redes sociais deixaram de ser meio de relacionamento para adquirirem tons de barbaridade gratuita sem que muitas vezes as pessoas o percebam. A atitude de denunciar por fotos ou vídeos pode parecer nobre, mas esconde em diversos casos o desejo bizarro de popularidade virtual: “manda bem” quem tem mais “likes” e compartilhamentos. Pura tolice.

Quando se compartilha um vídeo de agressão (seja contra animais ou outros humanos), não há ajuda alguma – aquela conversa de “cada clique vale um real para ajudar” é conversa de desocupado. Quem quer ajudar, em vez de compartilhar nas redes sociais, entrega a a tal evidência às autoridades competentes, podendo, dentro de seu direito como cidadão, cobrar providências. Por outro lado, não checar a procedência de tais vídeos acaba tornando o internauta um grande otário, pois muitos desses vídeos e fotos são antigos (ou de casos já solucionados) e os fatos não são o que parecem. O compartilhamento acaba sendo inútil, um gasto estúpido de tempo, ou o fato revelador de que seu amigo virtual não passa de um tolo – tipo aquele que compartilha memes do tipo “se fosse putaria seria compartilhado” (ah, a maldita imposição sobre a consciência alheia!). Não se pode, ainda, comparar tais desejos de “denunciar” às campanhas que mostram animais ou pessoas feridos, em situação de risco social – nesses casos, a causa pode ser nobre, desde que comprovada sua veracidade, pois espertalhões proliferam também na web.

Aqui em Manaus, em 2014, houve uma situação semelhante. O cadáver de um homem, esquartejado, foi encontrado dentro de uma mala, nas margens do rio Negro, provavelmente um crime relacionado ao tráfico de drogas. Logo pipocaram vídeos compartilhados, principalmente via Whatsapp, mostrando a suposta tortura e morte do homem. Tudo foi conversa fiada. O tal vídeo, descobrimos quando eu ainda trabalhava em redação, era provavelmente a execução de uma pessoa na guerra do tráfico em algum país latino-americano que não o Brasil - era fácil ouvir as falar em espanhol.

Há também as famosas montagens, desvendadas apenas com um pouco de bom senso e exame detalhado – isso vale para fotos e vídeos. Fácil lembrar o caso da mulher que supostamente estaria apontando uma arma para um bebê, há uns dois ou três anos. Bastou um olhar mais detalhado para se perceber a farsa. No lugar do revólver, na verdade, havia um papagaio, e a jovem apenas mostrava para a criança segura em seu outro braço – alguém fez a alteração com alguma intenção sombria. O mal havia sido feito, mas não chegou perto da fatalidade da mulher apontada em um vídeo como sequestradora de crianças: uma inocente acabou sendo linchada, e a gravação de seu assassinato virou atração nas redes sociais.

Não se trata de ser politicamente correto, chato defensor dos bons costumes ou fiscal de etiqueta das redes sociais, e sim de usar o bom senso e tirar a cortina do ódio insano da frente dos olhos. Então, antes de compartilhar qualquer vídeo de violência ou mesmo de acusações contra uma pessoa, é bom checar a origem e a veracidade. Compartilhamento sem responsabilidade, além de ser uma estupidez, pode provocar cumplicidade em crimes.

Para finalizar, é justo eu colocar esclarecimentos sobre os vídeos citados no início do post. O caso da jovem linchada aconteceu na Guatemala, no ano passado. A mulher era filha de um traficante de drogas e estaria envolvida, com outras pessoas, no assassinato de um taxista. A população, revoltada, fez "justiça" com as próprias mãos, e nem a polícia conseguiu livrar a garota de um assassinato cruel - portanto, fato sem relação com a mulher que torturou e matou um animal usando um maçarico (ao que consta, tal crueldade aconteceu nas Filipinas ou algum outro país asiático). O vídeo do assassinato do gato siamês levou à captura do criminoso, um ex-presidiário no Acre, também no ano passado. Já o da morte do cãozinho... esse ainda não consegui descobrir a real procedência.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

RIP Jornalismo, ou: A Merda no Ventilador

Esta semana fui entrevistado pela equipe de um site local a respeito da crise no jornalismo amazonense (no caso da minha área de atuação, a modalidade impressa), tendo em vista que saí de uma redação em meio a uma onda de demissões violenta – cerca de 25 jornalistas demitidos em um dia. Não estive entre os despedidos, mas pedi meu desligamento em razão de enxergar nesse ato um futuro perverso: um jornalista trabalhando pelos quatro ou cinco de sua equipe dispensados pela empresa, sobrecarregado, sem direitos trabalhistas respeitados e servindo de marionete para interesses políticos e econômicos escusos do empresário – que algumas vezes, cinicamente, ainda tem a coragem de se intitular jornalista.

A entrevista acabou me servindo como uma comporta que se abriu para derramar todas as minhas decepções não apenas com os rumos do jornalismo como um todo, mas com os próprios profissionais. Serviu também para estimular este artigo, como uma forma de mostrar os fatos ensejadores dessa triste mudança enfrentada por essa profissão hoje tão desvalorizada – do ponto de vista de quem sentiu isso na pele.

A crise nos jornais impressos, eu respondi à repórter, tinha relação – isso é bem evidente – com o despontar dos portais de notícia, que levam ao leitor-internauta a informação em tempo real, sem considerar, a princípio, o aspecto da qualidade (isso fica para mais adiante). Uma publicação impressa demanda custos altos de produção com aquisição de papel, manutenção de máquinas, distribuição e outros. A publicação eletrônica zerou esse custo, tornando mais atraente o investimento na comunicação instantânea que tornou os impressos “frios” - salvo publicações especializadas, com matérias melhor trabalhadas, como no caso das revistas.

Nas particularidades do Amazonas, ainda há quem feche os olhos para essa evolução – da mesma forma como os cineastas do cinema mudo do passado fizeram vistas grossas ao emergente cinema falado. Hoje, jornalismo impresso vive de aparências.

O principal propulsor desse mercado – o jornalista – acaba sofrendo nessa nova situação: seu trabalho é considerado como elemento de alto custo para a empresa; logo, é dispensável. Os cadernos comuns e os especiais podem ser mantidos, sem uma única redução/adaptação à situação provocada pela “crise”, e o vácuo deixado por um profissional demitido é preenchido por dois inexperientes de menor custo, em uma lógica empresarial equivocada e desastrada. Nessa trapalhada toda armada pelo empresário e seus gerentes – pessoas que geralmente odeiam jornalistas (quem trabalha ou trabalhou em redação sabe da veracidade dessa minha afirmação) -, perde o veículo em si e o leitor, pois essa entrada descontrolada afeta a qualidade do produto.

Na “lógica sem lógica” do dono do jornal, o profissional mais antigo é ultrapassado, e o mercado é para os jovens. Nem é preciso ser superdotado intelectualmente para saber o resultado disso: os novos profissionais acabam ficando sem a devida orientação dos experientes e, dessa forma, tornam-se mais manipuláveis, exatamente ao gosto de quem usa o veículo de comunicação para muitas finalidades, exceto cumprir o papel de informar com imparcialidade e ajudar a desenvolver o senso crítico do leitor.

Chegamos ao novo profissional. Desde minha primeira experiência em redação, em 1995, tive excelentes editores me auxiliando na carreira mas sempre tive o cuidado de manter aquele requisito essencial para o jornalista: a leitura para formação e informação. Ao chegar ao cargo de editor, foi minha vez de lidar com jornalistas iniciantes, passando-lhes as mesmas informações e dicas que meus chefes anteriores. Quem tinha vocação, venceu – e não foram poucos. Hoje esses profissionais estão por aí, dando conta do recado em jornais, portais ou assessorias. Nas minhas idas e vindas pelas redações, porém, senti uma mudança péssima nesse quadro. Surgiu hoje o foca arrogante, sedento de poder, sem escrúpulos e, para coroar todo esse naipe de caráter, burro.

O termo “burro” vai muito além de escrever palavras com grafia errada ou frases sem concordância. Tem mais relação com o ditado “Errar é humano, mas insistir no erro é burrice”. O novo profissional – salvo várias exceções, felizmente – acredita que a bagagem acadêmica lhe é suficiente (e vamos concordar que pelo nível da produção de muitos focas há algo muito errado nas faculdades de jornalismo). Ele não admite ser corrigido, não tem o hábito da leitura, é superficial e vive ofuscado pelo ilusório deslumbramento de ser uma subcelebridade em sua profissão. O trabalho perdeu a seriedade para ser o oba-oba, a reunião de comadres, o encontro dos jornalistas-de-selfie e a proliferação dos copidesques da produção alheia. Para quem vem de uma escola de profissionais egressos de um mercado outrora sortido de talentos e intelectos de qualidade, é um choque ver a mediocridade tomar as rédeas da produção jornalística. E são esses pobres jornalistas ricos a melhor fonte para o empresário sem escrúpulos, sedento em conseguir sua fatia na verba aparentemente inesgotável da publicidade oficial. Sempre há um cargo a se conquistar quando, na melhor das hipóteses, o “profissional” se presta ao papel de “olheiro”, “alcagueta”, puxa-saco. É uma alma sendo vendida ao diabo, um pacto de mediocridade. Uma assinatura em reportagem (inclusive exigida nas famosas e vergonhosas matérias recomendadas - as RECs) tem mais valor para o ego do que a qualidade do texto escrito – modificado, muitas vezes, por um paciente e triste editor que ainda tem um fio de esperança de despertar do novo jornalista para a realidade dura.

Sem entrar muito no mérito do fato, o tiro fatal da mediocridade e mesquinharia foi uma discussão que testemunhei com relação a um determinado “jabá” cobrado por um grupo de colegas, composto desses novos jornalistas e mais alguns com certo tempo de estrada. Naquele momento, quando se questionava que determinada empresa não havia dado os “mimos” depois de tantas matérias positivas durante o ano, minha esperança cavou um buraco, jogou-se nele, cobriu-se de terra para se esconder e aguardar o fim do mundo. Vergonha alheia: ali eu vi que o jogo da empresa jornalística está conquistando adeptos por livre, alegre e espontânea vontade, criando parasitas de toda a espécie. Como nem tudo pode ser uma desgraça, há excelentes profissionais resistindo – é preciso colocar comida na mesa, pagar as contas, educar os filhos, sobreviver, mesmo que para isso seja preciso engolir sapos, tolerar o(a) amante, agregado(a) ou parente do(a) chefe ou do(a) dono(a) ser melhor sucedido sem o merecer. Quer prova disso? Veja o(a) colega antes tão legal de repente se tornar a arrogância personalizada e apontado(a) como "promissor talento do jornalismo" - ainda que ache que exista "Diário Municipal da União" ou escreva "o elo de ligação se rompeu há dez anos atráz".

Isso acontece em qualquer profissão, é óbvio. Mas cada uma amarga a maneira como isso afeta seu trabalho. Ao jornalista, cujo mercado vem encolhendo na oferta de oportunidades, resta tentar romper com essa mediocridade. A iniciativa de grupos tem se tornado a melhor saída, mesmo que não muito fácil. A competição está aí. O futuro do jornalista da região (e do país, na verdade), como eu disse à repórter que me entrevistou, é nebuloso, caso continue sendo moldado pelo deslumbramento, burrice e superficialidade. Joguei a toalha, e pelo andar da carruagem, não vou recolhê-la tão cedo. Mas o jornalismo impresso está agonizando de todas as formas possíveis, e a mediocridade de hoje só está apressando a hora fatal. Só não aceita quem não quer.

PS 1: “ah, se reclama, procura outra atividade profissional” - claro, vamos aguentar calados tudo para nos tornarmos seres frustrados. Mas ainda há a opção das atividades autônomas, claro. Foda-se o conformista.

PS 2: “ah, jornalismo é isso, não é serviço público, está na alma” - de fato, não é, mas é uma atividade profissional com direitos trabalhistas como qualquer outra. Se quer trabalhar de graça, perder suas noites e fins de semana para enriquecer seu patrão enquanto ele nem sabe seu nome (a não ser que seja da elite jornalística), fique à vontade, mas não encha o saco com esse discurso utópico e ultrapassado.

PS 3: “ah, mas quando você trabalhava lá, não reclamava” - pelo contrário. Com salário atrasado, todo mundo reclama. O reflexo sai na edição do dia seguinte.

PS 4: “ah, está cuspindo no prato que comeu” - de forma alguma, porque tinha uma relação trabalhista, não uma relação de caridade.

PS 5: “ah, você é um profissional frustrado e agora está atacando de graça os colegas” - quem não seria frustrado depois de ver a bosta em que se transformou sua profissão a qual foram dedicados quatro anos e meio de sua vida (e às vezes à toa, quando vê tanto paraquedista entrando pela janela nas redações)? Não estou atacando ninguém. Como diria um grande colega e amigo considerado: quem for podre que se quebre.

PS 6: "ah, está dando indiretas" - Bom... Se a carapuça serviu, melhor ficar na sua.

VIAGEM: Cabaceiras, PB (06/04/2024)

Pela terceira vez viajei à Paraíba nas férias - e a primeira vez com meu marido Érico -, e essa foi a oportunidade de realizar um sonho, alé...