quarta-feira, 5 de outubro de 2016

FILMES: "Westworld - onde ninguém tem alma" (Westworld, 1973)

As décadas seguintes à hecatombe que determinou o fim da Segunda Guerra Mundial marcaram uma evolução incrível na produção cinematográfica norte americana. Até meados da década de 1980, os temas geraram filmes marcantes e obras primas de nível, como a Guerra Fria ("O dia seguinte", 1983) e o anticomunismo ("Vampiros de almas", 1956), só para citar alguns. Foi nesse meio onde se testemunhou a rapidez do desenvolvimento tecnológico que Michael Crichton escreveu e dirigiu "Westworld", uma ficção sinistra sobre as monstruosidades engendradas pelo ser humano no mundo da tecnologia.

Em um prólogo de aproximadamente três minutos, várias pessoas que aparentemente estão retornando de alguma viagem são entrevistadas por um repórter e falam das maravilhas do resort Delos, uma revolução no casamento entre diversão e tecnologia. Trata-se de uma propaganda que promete ao interessado disposto a pagar mil dólares diários uma emoção diferente e inovadora nas suas férias: um conjunto de três parques temáticos (Mundo Medieval, Mundo Romano e o Velho Oeste - a Westworld do título) onde turistas interagem com androides perfeitos e quase indistinguíveis dos humanos, exceto por uma pequena falha perceptível nas palmas das mãos. O apelo da Delos inclui até interação íntima com os personagens robóticos, prometendo domínio total sobre eles: os personagens podem ser mortos a tiros, mas logo são reprogramados para novas aventuras, e uma tecnologia impede que humanos sejam vitimados por engano (um dispositivo que trava as armas de fogo quando o alvo emite ondas de calor, no caso dos corpos humanos).
 
Peter Martins (Benjamin, à esq.) e John Blane (Brolin), os desafortunados amigos em Westworld
 No novo grupo de viajantes estão os amigos Peter Martin (Richard Benjamin) e John Blane (James Brolin) - o primeiro, estreante no resort, enquanto o segundo já conhecera o complexo de Delos em ocasião anterior. Ambos escolhem Westworld, com seus duelos, cabarés, foras da lei e belas prostitutas - o estereótipo romântico do Velho Oeste. A diversão começa. Algumas falhas são diagnosticadas, mas nada que preocupe a equipe de monitoramento do resort, uma vez que bastam uns ajustes para as "peças" se ajustem e voltem à interação com os humanos.

No entanto, em certo momento da aventura John é picado por uma cascavel - uma androide, obviamente, o que lhe causa apenas um pequeno ferimento. A equipe não descobre a falha na programação da falsa cobra. A situação começa a piorar gradualmente nos três espaços do complexo, e a gravidade do problema só é percebida tarde demais.

ALERTA DE SPOILERS A SEGUIR


ALERTA DE SPOILERS A SEGUIR

O filme traz como tema claro a impotência do homem diante dos abusos que comete por meio da tecnologia e a falta do domínio que tem sobre ela. Um dos personagens, membro da equipe controladora dos três mundos de Delos, admite que partes dos robôs foram criadas por outros robôs, de forma que ele desconhecia o que havia sido feito nesse processo. Ao querer criar seres artificiais à sua imagem e semelhança para poder dominá-los, o homem  inicia o caminho de autodestruição por pura ambição e arrogância. Crichton trataria do tema de novo anos mais tarde na literatura com "Jurassic Park".
 
O androide pistoleiro de Yul Brynner: olhar sinistro na caça aos turistas
Assim como na obra sobre os dinossauros recriados, em "Westworld" o descontrole - aqui provocada por pura falta de domínio da tecnologia, em vez da corrupção e da espionagem industrial na fábula jurássica - tem resultados fatais: no Mundo Medieval, um dos turistas é assassinado em um duelo com o androide Cavaleiro Negro pelo amor de uma Rainha; no Mundo Romano, os escravos resistem ao assédio sexual dos visitantes e em uma espécie de vingança os atacam e matam; e em Westworld, o terceiro encontro entre a dupla de amigos e o robô pistoleiro (Yul Brynner, em uma performance assustadora) termina mal, quando John é morto a tiros e Peter passa a ser perseguido pelo androide de olhar sinistro.


Nessa fuga desesperadora, Peter testemunha o massacre dos turistas nos outros complexos e a morte da equipe de monitores (no desespero para tentar conter os ataques, desligam a energia e acabam ficando irremediavelmente presos na cabine, onde perecem sufocados). No final, após conseguir deter seu algoz com ácido, e exausto, Peter senta-se na escada de saída do Mundo Medieval e observa, horrorizado, o resultado da tragédia. Em off, a voz do repórter da propaganda repete constantemente a promessa de férias inesquecíveis em Delos. Tragicamente irônico.

Enfim, não há uma explicação clara para o "disparo" da alteração dos androides, e é nisso que reside o maior horror de todos: há algo pior do que se sentir impotente por não se chegar à causa de um problema que acabou custando centenas de vidas? É a mesma lógica pavorosa do final de "Os pássaros", de Hitchcock: o desconhecido permanece desconhecido e, exatamente por isso, assustador.

Série - O canal HBO lançou no último domingo, 2, a série inspirada no filme de Crichton. O primeiro capítulo já dá uma prévia do pesadelo que os visitantes de Westworld enfrentarão em breve: os androides do lugar (agora com tema restrito apenas ao Velho Oeste) começam a apresentar falhas e, aparentemente, desenvolver atitudes espontâneas. A diferença aqui é que todo um universo foi criado para que os próprios seres artificiais (chamados "anfitriões") vivam sua "realidade": eles se relacionam entre si como familiares, amigos ou amantes, vivem uma rotina imutável a cada dia com pequenas alterações (de acordo com sua programação) e até "matam" uns aos outros em duelos, assaltos e brigas. A diferença bacana é que a série vai explorar algo que só foi visto de relance no filme original: a alma de Westworld, as pessoas que estão por trás da tecnologia, representadas principalmente pelo criador do parque, Robert Ford (Anthony Hopkins), a quem um dos anfitriões diz, com um tom ameaçador, quase no final do capítulo: "Você não sabe onde está? Você está na prisão de seus próprios pecados". Vale a pena revisitar o filme de Michael Crichton e acompanhar a série que tem na produção o nome de J. J. Abrams, responsável por obras como a série "Fringe" e o o filme "Cloverfield".

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