terça-feira, 13 de setembro de 2022

LIVROS: "O bom doutor de Varsóvia", de Elisabeth Gifford (2018)


Janus Korczak, pseudônimo de Henry Goldszmit, foi um pediatra, pedagogo e autor de livros infantis judeu com grande respeito na Polônia, que jamais abandonou as crianças de seu orfanato durante a ocupação nazista de Varsóvia até ser enviado com elas para a morte nas câmaras de gás de Treblinka em 5 de agosto de 1942, durante as grandes deportações do gueto da capital polonesa que resultaram no assassinato em massa de cerca de 300 mil judeus ali aprisionados, dos estimados 500 mil residentes.

A história de seus atos corajosos e destino trágico é contada paralelamente à de Misha e Sophia, jovem casal que se apaixona durante seu trabalho com Korczak, mas que veem sua vida mudar radicalmente com a invasão nazista e a criação do gueto de Varsóvia. Tentando ajudar as crianças cuidadas pelo pedagogo, eles também buscam manter suas famílias a salvo das atrocidades dos invasores alemães e tentar garantir seu próprio futuro no inferno criado pelo Terceiro Reich. É assim que o jovem casal sai da cidade, mas apenas para testemunhar os terrores que o povo judeu já estava sofrendo em outras localidades.

É um relato comovente que reproduz momentos já conhecidos de quem lê sobre o tema, como o violento pogrom de julho de 1941 em Lvov, então parte da Ucrânia, atrocidades testemunhadas por Misha e Sophia em sua fuga dos horrores da capital polonesa, e hoje registrado em fotos disponíveis na internet, e o drama de Adam Czerniakow, líder do Conselho Judeu de Varsóvia que sofreu terrores psicológicos dos nazistas e escolheu o suicídio quando foi obrigado a colaborar com a seleção de pessoas nas deportações para Treblinka.

A obra traz ainda um posfácio onde a autora narra os destinos de Misha, Sophia e de outros sobreviventes de suas famílias após a libertação, bem como do resgate da importância de Janus Korczak na história da resistência ao nazismo, ainda que sem final feliz.

LIVRO: "As possuídas", de Ira Levin (1972)


Metáfora sobre a "ameaça" do feminismo na década de 1970, "As possuídas" (The Stepford wives) permanece atualíssimo, já que o tema não se esgota e permanece em voga diante do machismo de uma sociedade ainda com raízes profundas no patriarcado. Estão aqui todos os elementos que configuram essa característica: a mulher altiva, independente, que quer se desfazer dos laços de servidão e submissão transformados em regra social e nunca ultrapassados, os homens que não se conformam com essa ascensão e as mulheres servis, robotizadas pelos seus companheiros para consolidação de um status quo conveniente.

Na trama de Ira Levin, a fotógrafa Joanna Eberhart muda-se de Nova York para a pequena e pacata Stepford com o marido Walter, um advogado, e os filhos Pete e Kim. Uma vez lá, ela estranha o comportamento submisso das mulheres, voltadas apenas para afazeres domésticos. Enfim, um lugar onde os ventos da emancipação total feminina parecem nunca terem chegado.

Certo dia, Joanna conhece a extrovertida Bobbie Markowe, que se mudara para Stepford com o marido Dave xe o filho poucos meses antes, e encontra ali uma amiga à altura, com pensamentos iguais, destoando da atmosfera medieval da pequena cidade. Charmaine Wimperis, novata no lugar antes de Bobbie, une-se à dupla em conversas animadas sobre homens e planos futuros. Enquanto isso, o marido de Joanna passa a fazer parte da Associação Masculina de Stepford.

Quando repentinamente Charmaine muda seu comportamento e passa a se tornar submissa ao marido, a ponto de permitir que ele destrua sua quadra de tênis para ser substituída por um campo de golfe, Joanna e Bobbie passam a desconfiar de algo errado está acontecendo na cidade, e vasculhando seu passado, passam a suspeitar de uma conspiração em andamento articulada pelos maridos de Stepford, como um processo de lavagem cerebral. Mas a realidade é bem mais incrível e assustadora.

Levin adotou um estilo cativante para a narrativa. Começa com o cotidiano dos personagens, suas rotinas, suas amizades, conversas informais e divertidas. Aos poucos, os pequenos detalhes sugerem algo mais obscuro por trás de tudo, dando à história um ritmo gradualmente alucinante e angustiante até o final que nos deixa com a respiração suspensa.

"As possuídas" foi adaptado duas vezes para o cinema. A primeira (sobre a a qual escrevi aqui) foi em 1975, dirigida por Brian Forbes, com Katharine Ross como Joanna e Paula Prentiss como Bobbie. Essa primeira versão, batizada como "Esposas em conflito" no Brasil, guardou a atmosfera de paranóia e insegurança do livro. A segunda foi dirigida por Frank Oz em 2004 ("Mulheres perfeitas" no Brasil) e teve no elenco Nicole Kidman no papel de Joanna e Bete Midler como Bobbie, mas apelou para a comédia rasgada repleta de absurdos e caracterizações grotescas, dando um tom satírico ao tema da obra, até mesmo impondo um "final feliz" como uma revanche, mas ainda assim patético. Talvez por isso eu tenha detestado (ver Glenn Close em um personagem tosco foi bem constrangedor), apesar de uma abordagem interessante sobre o medo masculino das conquistas femininas. Prefiro a seriedade e a reflexão da obra escrita e sua primeira versão cinematográfica.

Curiosamente, depois do filme de 2004 o livro foi relançado no Brasil aproveitando o título da segunda versão. A primeira permanece como um filme cultuado. Eu já o assisti mais de 10 vezes e continuo amando. 

Fica a dica.

quinta-feira, 8 de setembro de 2022

TV: "O bem-amado" (1973)


Quando a novela "O bem-amado", escrita por Dias Gomes para a rede Globo em 1973, entrou para o catálogo do streaming Globoplay praticamente na íntegra (alguns capítulos foram reeditados por conta de problemas na recuperação de imagens), fiquei contente! Só me lembrava do seriado dos anos 1980, e pouca coisa, já que como criança não conseguia ficar acordado até altas horas para acompanhar as aventuras do ressuscitado Odorico Paraguassu (papel marcante na carreira do saudoso Paulo Gracindo) na pequena e fictícia cidade baiana de Sucupira, além do que, com pouco mais de 10 anos, eu não entendia muito daquele universo.

Um fato interessante que me fez ficar animado foi que a novela estreou na semana de meu nascimento (estreou na segunda, dia 22 de janeiro de 1973, e cheguei ao mundo na sexta-feira, dia 26). Não que haja um lado místico ou coisa que o valha. Simplesmente achei muito legal saber o que meus pais assistiam enquanto aguardavam meu nascimento. Coisas sentimentais, apenas.

Aos 49 anos, assisti os 178 capítulos da saga do corrupto, debochado e desumano recém eleito prefeito de Sucupira, Odorico Paraguassu, rumo ao cumprimento de uma bizarra promessa de campanha: a construção do primeiro cemitério da cidade, já que os eventuais sepultamentos aconteciam na localidade vizinha. Para isso, Paraguassu via oportunidades para inaugurar o campo santo até mesmo entre seus familiares, promovendo intrigas que certamente terminariam em confrontos e mortes, como atiçar a rivalidade entre as famílias Medrado e Cajazeiras, que se odiavam há gerações mas que haviam iniciado uma trégua.


Do lado do prefeito, seu fiel secretário e funcionário dos Correios de Sucupira, Dirceu Borboleta (nosso magnífico Emiliano Queiroz), facilmente manipulável, bobo, inseguro e virgem, às vezes chocado com as atitudes de Paraguassu mas com uma confiança cega no chefe do executivo municipal. Odorico também conta com apoio cego das três irmãs Cajazeiras - Judicéia ou Juju (Dirce Migliaccio), Dorotéia (Ida Gomes) e Dulcineia (Dorinha Duval). Metidas a moralistas, solteironas, as três são amantes de Odorico, mas sem que uma saiba da relação amorosa da outra com o prefeito.

A chegada a Sucupira do médico Juarez Leão (o saudoso Jardel Filho) para assumir o posto de saúde começa a girar as engrenagens dos conflitos na cidade: enquanto Odorico torce e encontra inúmeras oportunidades para causar mortes e inaugurar o cemitério, Leão o desafia lutando para atender a população e abastecer o local. No meio desse fogo cruzado, está a jovem filha de Odorico, Telma (a saudosa Sandra Bréa), a qual conhecera Juarez em Salvador após a morte da esposa dele, e se apaixonara, mas sendo repudiada pelo doutor, que bebe exageradamente por se sentir responsável pela perda da mulher, vítima de um erro médico.

As tramoias de Odorico ao longo da novela incluem, além das intrigas, tentar facilitar uma epidemia em Sucupira, deixar o sobrinho das Cajazeiras agonizar sem atendimento médico, incentivar tendências suicidas, estimular o pescador Zelão (Milton Gonçalves, um dos melhores personagens da televisão) de cumprir uma promessa e pular da torre da igreja com as asas que fabricou. De olho nas patifarias do prefeito está a família Medrado, com o patriarca Joca Medrado (Ferreira Leite), delegado em teoria, já que a função é exercida pela sua mulher Donana (Zilka Salaberry) desde que ele ficou paraplégico após um atentado, e tem apoio ainda de sua neta Anita (Dilma Lóes), namorada do jornalista Neco Pedreira (Carlos Eduardo Dolabella), dono do único jornal de Sucupira e opositor ferrenho de Paraguassu. O ponto alto das safadezas do prefeito é manipular o justiceiro José Tranquilino, conhecido como Zeca Diabo (Lima Duarte), que apesar de temido é um analfabeto doce e de alguma forma ingênuo que não entende o medo que inspira, gerado por exageros nas histórias que o envolvem. Trazendo o pistoleiro para seu lado, Odorico pretende usá-lo para provocar mortes e, enfim, inaugurar o cemitério.

O fato de o enredo mostrar uma sátira ao Brasil dos anos 1970, ainda sob jugo da ditadura militar, não deixou o tema envelhecer. O que se vê na trama de Dias Gomes é uma crítica atemporal, a julgar que em quase 50 anos as únicas mudanças que houve da Sucupira setentista para o Brasil da segunda década do século 21 são relativas a tecnologias, modernização de veículos, comunicações e transportes. No resto, somos a mesma Sucupira hipócrita e manipulável por políticos de má-fé, desprovidos de conhecimento, negacionistas e irresponsáveis. E essa preservação da identidade sucupirana, apesar de triste, não deixa de ser fascinante por mostrar que, ainda, permanecemos estacionados na roda do progresso. O que não faltam, em todos os escalões dos governos, são Odoricos a serem desmascarados mas ainda adorados.

segunda-feira, 16 de maio de 2022

VIAGEM: Macapá (09 a 14/04/2022)


Dentro da minha meta de conhecer meu país todo, escolhi dessa vez o Amapá por conta de sua proximidade com Belém, por onde havia começado a viagem. Claro que nem tudo saiu como planejado, pois deixei de ir a alguns lugares, culpa do tempo chuvoso que deixou as águas do rio Amazonas agitadas - e apesar de morar praticamente cercado de rios e saber nadar, não tenho o hábito de viajar de barco, portanto de imediato já decidi retornar durante o verão amazônico, com mais sol e poucas chuvas.

Macapá, a capital amapaense, me agradou à primeira vista. É uma cidade média, de pouco mais de 500 mil habitantes, pouco verticalizada, com todos os problemas comuns a uma cidade brasileira mas com uma tranquilidade maravilhosa que me permitiu caminhar com segurança por suas ruas. Como Macapá tem traçado todo quadrangular, as ruas são muito parecidas umas com as outras (exceto as principais que possuem coretos que dividem as duas pistas), então usei o método de sempre adotar um ponto de referência por onde eu passasse (um estabelecimento comercial, uma praça, uma determinada casa). E, claro, ajuda do Google Maps.

E o aeroporto da capital? Pequeno, com três pontes apenas, mas novinho, muito bonito e aconchegante. Uma lição no aeroporto de Belém, que parece ter sido largado de lado (uma vergonha para uma cidade de 2 milhões de habitantes e uma das maiores do país).

Vamos a Macapá!

ORLA

Minha primeira parada depois que meu amigo Raimundo Barros foi me apanhar no aeroporto, vindo de Belém (35 minutos de voo em média) - somos contemporâneos da Universidade Federal do Amazonas e, depois de formado, em 2000 ele voltou à sua terra natal, e fazia 22 anos que não nos víamos. A orla é o ponto principal para caminhadas e passeios de bicicletas, além de em vários pontos haver restaurantes, bares e lanchonetes. O Araxá é uma parte desse complexo que reúne a gastronomia local.

Ao longo da orla há mirantes, ciclovia, parques onde os frequentadores podem descansar e apreciar a vista do rio Amazonas. A Casa do Artesão Amapaense ainda estava com obras de revitalização em andamento, mas o prédio principal estava funcionando para compra de artesanato - os feitos com manganês são os mais lindos, com seu brilho característico na superfície negra. Esse trabalho visa integrar toda aquela região que abrange até o trapiche Eliezer Levy, que infelizmente estava temporariamente fechado.


Falando em gastronomia, o carro chefe local é o camarão no bafo, feito apenas com sal e chicória. Uma verdadeira delícia acompanhada por farofa (a farofa de soja é a que mais recomendo como acompanhamento), ao custo médio de R$ 50 (abril/2022). O açaí pode ser adquirido na orla diretamente com os produtores na Rampa do Açaí (como minha cota de compras esgotou nesses dias em Macapá, com camarões que comprei no Shopping Popular da cidade - 25 reais o quilo do camarão regional cru, uma pechincha - e as cervejas artesanais e o queijo de Marajó que havia comprado em Belém, não sobrou espaço para comprar o açaí - apesar de ser um produto que é facilmente encontrado no Amazonas, é interessante experimentar nos Estados vizinhos, pois há pequenas diferenças de textura e até mesmo de sabor).



FORTALEZA DE SÃO JOSÉ DE MACAPÁ

Macapá é uma cidade com raras edificações históricas, e a Fortaleza de São José de Macapá, na orla, se destaca como ponto turístico. Construída no século 18 dentro dos projetos de defesa do então império, ela foi tombada como patrimônio histórico e cultural, passando por reformas. Mas ficou evidente que uma nova revitalização é necessária: algumas placas estão apagadas, ficando difícil para o visitante identificar claramente o que está sendo visto. Além disso, segundo meus amigos macapaenses, um parque ao redor da fortaleza acabou praticamente abandonado nos últimos anos, um verdadeiro pecado.

Uma pequena saleta guarda diversas maquetes e quadros sobre a fortaleza. Apesar do aspecto de relativo abandono (mato não aparado em algumas partes, pintura descascando, ferrugem e as já citadas placas apagando), de um modo geral a fortaleza mantém seus traços originais. Ela está aberta para visitação de terça a sexta-feira, a partir das 9h, com acesso gratuito, e pode ser feita uma pequena contribuição voluntária para ajuda na manutenção da estrutura.














MERCADO CENTRAL


Em frente à Fortaleza de São José, o Mercado Central,  inaugurado em 1953, passou por uma revitalização e foi reinaugurado em 2018. Em dois andares, é possível ao visitante comprar produtos diversos como plantas medicinais e guloseimas. Também na parte central há diversos restaurantes com comida caseira muito gostosa com preços que variam de 15 a 25 reais, uma boa economia para quem deseja comer sem perder um dos olhos ou dos rins.

(É algo que aprendi em 12 anos de viagens anuais de férias pelo Brasil: viajar não significa luxar, então comida caseira continua sendo a melhor opção para economizar, ficando a "ostentação" para um dia apenas durante a viagem)





CURIAÚ

A poucos quilômetros de Macapá, o balneário Curiaú me encantou com suas águas transparentes e mornas. Ele fica numa região de quilombo, mas apesar da beleza está carecendo da devida revalorização após um período de esvaziamento provocado pela pandemia de covid-19. 

Um dos lugares pelos quais passei ali naquela região tem uma plataforma sobre a água, magnífica para banho, com um mas infelizmente com o isolamento social e esvaziamento, ficou abandonado, o que provocou deterioração das barracas, representando risco para quem passa por ali. Mas há outros restaurantes com plataformas para banho que aos poucos começam a receber visitantes. Espero que em minha próxima visita ao Amapá tenha sido feito um trabalho de recuperação e valorização daquela área.




MUSEU SACACA

O Museu Sacaca traz um pouco da vida amazônica e da cultura amapaense. A entrada é gratuita, e ele só não abre às segundas-feiras. 

O deslocamento pelo interior do museu a céu aberto é feito por meio de passarelas em alguns trechos. Há uma lanchonete e venda de artesanato (mas muito tímida, preferi a Casa do Artesão Amapaense, com mais variedade).

Além de espécies da flora local, há representações da vida ribeirinha, com reprodução de casas e costumes, como as parteiras.













MARCO ZERO DO EQUADOR

Macapá é cortada pela Linha do Equador, e por conta disso foi erguido um monumento que indica o local exato onde essa linha imaginária divide os hemisférios norte e sul do planeta. O local é simples, mas não deixa de ser uma visita interessante. Em certo espaço, colocando um pé de cada lado da faixa diante do monumento, você pode dizer que está com um pé em cada hemisfério da Terra. É uma visita muito divertida, com certeza. Ainda há uma pequena loja de artesanato, também, e a entrada é gratuita. Só não abre às segundas-feiras.






FAZENDINHA

A Fazendinha fica no município de Santana, e trata-se de uma orla bem estruturada na margem do rio Amazonas. Há restaurantes e bares para todos os gostos, e a pedida é ir no entardecer, quando se tem uma vista linda da despedida do sol.





O QUE FALTOU

Macapá ainda possui o Bioparque da Amazônia, mas deixei de ir porque, na minha visão, trata-se de uma reserva nos moldes do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, em Manaus, e ainda que desejasse ir, a programação da semana não permitiu espaço (passei dois dias no sítio de meu amigo Raimundo, no Mazagão Velho, uma experiência relaxante e maravilhosa).

Minha próxima visita incluirá uma aventura rumo ao Oiapoque e à Guiana Francesa (já soube que precisa de visto, tirado em Macapá mesmo). Essa primeira viagem para conhecer serviu para incentivar o retorno. O Amapá também tem muito a oferecer na área do turismo. Basta boa vontade do seu governo, organização e valorização pelo próprio brasileiro, que precisa saber que há mais coisas bacanas em nossa terra - e até mais perto de nosso lar, como foi meu caso.

Em setembro, viajarei mais uma vez para o Ceará, desta vez para realizar o sonho de conhecer Juazeiro do Norte e parte da região do Cariri, no sertão cearense. Até breve!




sexta-feira, 22 de abril de 2022

VIAGEM: Belém (02 a 08/04/2022)



Conheci Belém muito en passant no início dos anos 2000, quando era repórter do jornal Amazonas em Tempo e fui escalado para cobrir uma coletiva da então Amazônia Celular na capital paraense para o lançamento do sistema de telefonia celular pré-pago (acho que era isso, faz tantos anos que mal me lembro). Eu e os demais jornalistas de Manaus chegamos de manhã e voltamos no final da tarde, e a única coisa que recordo é da Estação das Docas, onde o assessor de imprensa da empresa nos levou antes da ida ao aeroporto para o retorno a Manaus. Só me lembrava do palco móvel onde os cantores se apresentavam. Nada mais.

Mais de 20 anos depois, eis que resolvo conhecer a capital de nosso Estado vizinho. De um modo geral, gostei da cidade, apesar de tê-la achado largada, suja e com um clima de insegurança enorme. Entretanto, o que passei ali em seis dias valeu a pena. Vou relacionar aqui os locais que conheci, mudando o relato de minhas viagens para algo mais direto em vez do diário de bordo feito nas publicações anteriores.

E vamos a Belém!

ESTAÇÃO DAS DOCAS

O principal atrativo urbano de Belém guardou o mesmo charme depois de tantos anos. São três galpões da antiga Companhia das Docas, sendo que um é reservado para eventos, e os demais reúnem restaurantes, bares, sorveterias, lojinhas de artesanato, lanchonetes e choperias (a Amazon Beer, com seu delicioso chopp Belém e as cervejas artesanais a preços atrativos, se destacou mais, para mim - pena que não consegui adquirir a cerveja de açaí).

O palco móvel suspenso continua lá para os cantores locais se apresentarem para os visitantes, e uma vista para o rio Guajará já vale um happy hour no lugar. O acesso é gratuito, mas a entrada só estava sendo permitida, em abril de 2022, a quem apresentasse a carteira de vacinação completa contra a covid-19.

Entre as sorveterias, a Gelateria Damazônia foi a que me conquistou por ter dois sabores de sorvete que caíram na minha preferência: o marajó (queijo de marajó, geléia de cupuaçu e cookie de castanha) e o queijo cuia (com geléia de cupuaçu e brownie de castanha). Depois de um chopinho Belém, era a melhor pedida!












MERCADO VER O PESO

O que gostei mais no Ver o Peso não foi o antigo prédio em si, que reúne vendedores de peixe e carnes em seu interior e produtos diversos (não apenas alimentos) nos quiosques externos. Ao redor da edificação há centenas de barraquinhas que vendem produtos alimentícios de toda sorte (de verduras a camarões e maniçoba cozida) e o atrativo mais divertido: as tais essências para diversas finalidades e simpatias, principalmente atração sexual, com nomes hilários como Chora no Meu Cu, Chora na Minha Buceta, Velho da Lancha, só para citar alguns que me levaram às gargalhadas!

Também nos arredores do Ver o Peso há uma seção apenas para lanches e refeições estilo prato feito que variam de 10 a 15 reais (abril/2022), sendo que o famoso açaí com peixe chega a custar de 20 a 25 reais. É preciso pesquisar bastante e não ceder imediatamente aos donos dos quiosques que já ficam atentos aos clientes à procura de comida. Tudo simples, sem frescuras, em meio ao caos típico de um mercado popular, que proporciona uma experiência muito divertida.

Bem ao lado do prédio principal há o Solar da Beira, outro prédio antigo e bem conservado onde artesãos vendem seus trabalhos para os visitantes. Por ali os ônibus com turistas fazem parada obrigatória.










PROJETO CIRCULAR

No meu primeiro domingo em Belém, eu planejava um programa mais tranquilo, como almoçar na Estação das Docas e passar a tarde por lá saboreando chopps e uns petiscos. Mas minha amiga e jornalista Simone Romero, que mora lá, me levou para conhecer o projeto Circular, uma iniciativa da Secretaria Municipal de Cultura que estava retomando as atividades justamente naquele dia, depois de dois anos de suspensão por conta da pandemia de covid-19. 

Trata-se de um projeto que incentiva a participação do público em atividades culturais e lúdicas (principalmente etílicas) na Cidade Velha de Belém, inclusive com abertura de museus com acesso gratuito aos visitantes. Ele é realizado no primeiro domingo de cada mês.

Foi assim que conheci o Museu do Círio, que traz toda a história do Círio de Nazaré, a maior festa religiosa do Norte brasileiro, com exibição de adereços, roupas, imagens e outros objetos relativos ao evento. Próximo ao museu, há um pequeno complexo na Praça Frei Brandão que reúne a majestosa Catedral Metropolitana, o Museu de Arte Sacra (que não visitei por haver uma fila extensa para entrar, e só fui dois dias depois pagando o ingresso de 4 reais - valor em abril/2022), a Casa das Onze Janelas (onde os presos políticos eram torturados nos tempos da ditadura militar de 1964 a 1984 e que reúne agora espaço cultural e artístico) e o Forte do Presépio, marco do surgimento de Belém. Visitas que valem muito a pena para quem gosta de História.

Ainda na agitação do projeto Circular, conheci lugares bacanas para tomar umas cervejas e petiscar a isca de peixe ao molho do cu do boto: peixe filhote empanado com molho de tucupi e jambu. Meu ponto final foi no Porto do Sal, um reduto de bares e muita energia positiva dos frequentadores.










PORTAL DA AMAZÔNIA

O Portal da Amazônia é uma região revitalizada da orla de Belém que, em minha primeira impressão, falta ser melhor aproveitada. Ao longo de sua extensão, há pouca presença de seguranças, mas ainda assim as pessoas usam a área para caminhadas e exercícios. O calçadão é bem preservado, mas os mirantes estão meio abandonados. Fui de manhã cedo e passei cerca de uma hora para fazer a caminhada de ida e volta. Só havia um vendedor ambulante de água e cocos. Talvez uma futura administração de Belém possa dar ao local o devido valor para torná-lo  mais atrativo tanto para a população local quanto para os turistas.






MOSQUEIRO

Mosqueiro é um distrito do município de Belém que fica a aproximadamente 1h45minutos de ônibus da capital - dependendo do trânsito, da quantidade de embarques e desembarques e do clima, o tempo pode ser um pouco menor ou chegar a perto de duas horas. Os ônibus saem de um pequeno terminal próximo à rodoviária de Belém, no São Brás, e a passagem custa R$ 6,40 (valor em abril/2022). Trata-se de um coletivo urbano comum, portanto sem cadeiras reclináveis ou acolchoadas, já que é a linha usada também pelos moradores da região metropolitana da capital paraense para deslocamento entre suas casas e seu trabalho, principalmente.

A pequena e rústica vila tem uma bela orla com diversos restaurantes espalhados em suas diversas praias. Escolhi ficar na Praia do Chapéu Virado. Como era uma manhã de terça-feira chuvosa, a área estava praticamente deserta e assim ficou até o sol aparecer. Além dos belos cenários para fazer fotos, com a grandiosidade da baía de Marajó, o que me chamou a atenção em Mosqueiro foi a quantidade de chalés antigos, certamente usados como casas de veraneio, já que praticamente todas estavam fechadas.

Apenas achei os preços da barraca onde parei, com o mesmo nome da praia, meio salgados para a baixa estação: um executivo de peixe com arroz, feijão, salada, farofa e macarrão custava 45 reais, e havia outros similares que chegavam a 100 reais.

Para voltar a Belém, basta esperar a mesma linha de ônibus (alguns são identificados com o número 970, outros só tem o nome Mosqueiro-São Brás na placa).

Apenas uma observação: a aventura custou muito barato. Contando o transporte (6,40 por trecho), a refeição, água e cerveja, gastei exatos 112,80 reais. Um passeio desses em uma agência de turismo receptivo em Belém estava por 410 reais - claro, em veículo climatizado, viagem direta, parada em ponto de apoio certamente caro. Fica a dica para quem não se liga em luxos.










MANGAL DAS GARÇAS

O Parque Zoobotânico Mangal das Garças foi o passeio mais relaxante que fiz em Belém! Localizado na orla do Guamá e perto do 4º Distrito Naval da Marinha do Brasil, tem entrada gratuita de terça a domingo. Apenas nas quatro áreas de visita monitorada (o farol, o borboletário, o viveiro das aningas e o Memorial Amazônico da Navegação) há cobrança de ingressos ao valor de 7 reais para cada local, mas por 20 reais se adquire um passaporte para todos esses lugares. Os valores, vale lembrar sempre, são de abril/2022.

O farol tem 47 metros de altura e quatro mirantes, de onde podemos ter uma bela vista (e fazer fotografias) do rio Guamá e da própria cidade de Belém. O acesso é feito apenas por elevador. O borboletário e o viveiro das aningas são espetáculos à parte com belas e coloridas borboletas e diversas aves. O Memorial Amazônico da Navegação traz a história da navegação nos rios amazônicos, com maquetes de embarcações, mapas e artefatos utilizados pelos ribeirinhos. O mirante próximo ao memorial, na minha visita, estava fechado para manutenção.

No Mangal também há restaurantes e lanchonetes. Comi um peixe com açaí por 30 reais (a fome era tanta que não esperei para ir comer a um preço mais em conta no Ver O Peso).


















CITY TOUR

Nos seis dias que curti Belém, em alguns momentos aproveitei para conhecer outros atrativos na cidade, como o Teatro da Paz e a Praça da República, além de outras igrejas (como a de Nossa Senhora do Carmo, na Cidade Velha), praças e edifícios antigos. Como sou fascinado por prédios históricos, a Cidade Velha foi meu principal local de caminhada, registrando os contrastes entre o antigo e o novo, a restauração e o abandono. 

Quem estiver disposto a fazer uma boa caminhada pode curtir todos esses pontos. Fala-se em problemas de segurança, mas basta ficar atento, não dar bandeira (nada de relógios, colares, brincos, exibicionismo e extravagância; quando mais "largado", melhor) e de preferência não andar sozinho (o que foi impossível como viajante individual para mim).













O QUE FALTOU

Por conta do período em que viajei (inverno amazônico), as constantes chuvas empataram um pouco meus passeios. Deixei de ir a Salinas devido tanto ao clima quanto à distância, além do fato de estar viajando sozinho. Mas perto de Belém há a Ilha do Combú, onde se chega por meio de uma travessia do rio Guamá, de lancha ou voadeira, em 15 minutos. Há restaurantes e uma produção de chocolate artesanal, mas além do clima chuvoso e do tempo, acabei abandonando a ideia. Além do mais, pelo que eu soube, dificilmente se consegue ir à ilha durante a semana, pois há mais disponibilidade de embarcações de sexta-feira a domingo - um pecado, como se não houvesse turistas dispostos a aproveitar a calma dos demais dias para curtir seu lazer.





VIAGEM: Cabaceiras, PB (06/04/2024)

Pela terceira vez viajei à Paraíba nas férias - e a primeira vez com meu marido Érico -, e essa foi a oportunidade de realizar um sonho, alé...