sábado, 31 de dezembro de 2011

Para que amaldiçoar 2011?

Em questão de horas, chegamos a mais um novo ano. Para mim, 2011 teve tempo bom, sujeito a nuvens pesadas e chuvas passageiras, mas nada que estragasse o conjunto da obra. Desde 2010 tomei decisões quanto à forma de levar minha vida, e hoje colho bons frutos, portanto não posso amaldiçoar o ano que está chegando ao fim ou me lamentar. Ninguém precisa amaldiçar 2011, dizer que foi um péssimo ano, porque neste mundo, com esse estágio de total estagnação da consciência humana, conseguimos chegar vivos ao seu final.

Tragédias acontecem todos os anos, por mais intensas que sejam. Muitas imagens não me sairão da cabeça ou não as poderei rever sem sentir aquele aperto no coração e aquela sensação terrível de impotência. A corrupção, os desmandos políticos, a farra com dinheiro público e, sobretudo, a falta de bom senso e ausência de respeito de autoridades e parlamentares nunca foram tão constantes. Às vezes, dá para sentir vergonha de ser brasileiro, praticamente uma voz solitária na multidão, enquanto muitos caminham passivos, preocupados demais com quem vai participar do Big Brother Brasil ou vítimas de lavagens cerebral da indústria do lixo pseudocultural.

A violência foi terrível e parece chegar cada vez mais perto. Em casa, no trânsito, no trabalho. Mais vidas foram estupidamente perdidas, a insegurança continuou, as injustiças sociais não terminaram. O meio ambiente sofreu de todas as formas possíveis, exatamente como antes. Ainda não foi puxado o freio nessa destruição toda por conta da falta de conscientização. Apesar da anunciada estabilidade da nossa economia, a miséria grassa, a educação é inconstante, a saúde é irregular e um caos com vergonhosos exemplos.

Por outro lado, ações pela cidadania e respeito aos direitos humanos prosperaram. Iniciativas não se perdem como palavras ao vento. A insistência em mudar nosso mundo para melhor ainda dá fôlego para viver, sabendo que, mais dia, menos dia, a água vai furar a pedra.  Precisamos conviver com essas tragédias, com perdas, com derrotas, pois fazem parte da vida humana.

Tudo isso não foi somente em 2011. Foi em 2010, 2009 e sempre. Não vamos amaldiçoar este ano, pois fazer isso é amaldiçoar nossas próprias vidas, pois apesar dos sofrimentos, conseguimos chegar ao seu final vivos, com derrotas e vitórias, projetos realizados ou que não saíram "do papel", viagens feitas ou adiadas, amizades desfeitas e recuperadas, com compreensão de seus atos ou não. Um novo ano representa sempre esperança de que faremos melhor do que no anterior. Aos poucos, as coisas parecem começar a se ajustar, até chegar, finalmente, o dia em que teremos muito mais vitórias do que nunca tivemos em qualquer outro ano de nossa vida. Agora, 2012 é o desafio para cada um. Vamos avaliar, neste último dia, o que fizemos de certo, de errado, o que faltou fazer, descobrir o motivo para nossos projetos não terem dado certo, tentar compreender o outro, respeitar sua vida pessoal, suas posições políticas, sua religiosidade, suas opções, entender seus comportamentos, enfim, aproveitar nossas vidas. Então, feliz 2012!!!!

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Comentário - "O Tempo e o Vento", 1985


Tarcisio Meira e Louise Cardoso como Rodrigo Cambará e Bibiana Terra

Das minisséries brasileiras, "O Tempo e o Vento", de 1985, nunca mais me saiu da memória. Inspirada em "O Continente", primeira parte da saga da família Terra Cambará no Rio Grande do Sul, imaginada por Érico Veríssimo, a adaptação foi uma das melhores já produzidas para a televisão. A partir de segunda-feira, 2 de janeiro, a minissérie volta a ser exibida pelo canal Viva, às 23h15 (horário de Brasília). Espero que seja na íntegra, com todos os seus 25 capítulos.

"O Tempo e o Vento" seguiu fielmente a fragmentação narrativa de Veríssimo, começando em 1895, para depois, por meio das memórias de Bibiana Terra Cambará (nessa fase interpretada pela saudosa Lélia Abramo), retornar até 1777 para contar a origem dessa família com Ana Terra (Glória Pires), filha única de Maneco Terra (Aldo César) e Henriqueta (Marlise Saueressig), no interior do Rio Grande, com os irmãos Horácio (Marcos Breda) e Antônio (Camilo Bevilacqua). A vida pacata muda com a chegada do indígena Pedro Missioneiro (Kazé Aguiar), com quem Ana irá se envolver e ter um filho, iniciando uma saga que vai continuar em 1825 com a chegada do capitão Rodrigo Cambará (Tarcisio Meira) à vila de Santa Fé, para onde Ana se mudara. Rodrigo, fanfarrão, louco por guerras e mulherengo, se apaixona por Bibiana (Louise Cardoso), filha de Pedro Terra (Ivan de Albuquerque) e Arminda (Eloísa Mafalda) e neta de Ana Terra. A trama salta depois para 1845, quando junta-se à família a "teiniaguá" Luzia (Carla Camuratti), nora de Bibiana (Lilian Lemmertz) e esposa de Bolívar (Daniel Dantas), mulher que provoca conflitos familiares, e, finalmente, volta a 1895, com a família Terra Cambará, liderada por Licurgo (Armando Bógus), neto de Bibiana, sitiados em seu sobrado de Santa Fé, em meio a lutas políticas que consolidaram a formação do Rio Grande do Sul.

Nessas quatro fases históricas - "Ana Terra", "Um certo capitão Rodrigo", "A teiniaguá" e "O sobrado" - toda a história tem um ponto de vista feminino, primeiro com Ana Terra e depois por Bibiana, em sua relação com os seus homens - Pedro Missioneiro, Pedro Terra, capitão Rodrigo Cambará, Bolívar Terra Cambará e Licurgo Cambará. Todos ilustram bem a formação não apenas do povo gaúcho, mas, como num microcosmo, também a da nação brasileira nos séculos 18 e19.

Fiquei muito feliz em poder adquirir a minissérie, mas só por uns instantes. Até hoje me sinto lesado pela Globo Video. A versão em DVD foi remontada em uma narrativa linear da qual foi excluído o episódio "A Teiniaguá", de forma que não pude rever Carla Camuratti e Lilian Lemmertz em seu "duelo" de nora e sogra no sobrado da família. Imperdoável! Fora que para tapar esses buracos recorreram a enxertos de outras cenas, causando várias imagens repetidas, e só quem viu pela televisão ou leu o livro pode entender a história. Fiquei muito decepcionado e fiz questão de expressar minha opinião no site da Saraiva, onde comprei. Acho até que boicotaram o que escrevi.

A adaptação dessa imortal obra-prima traz ainda como música de abertura uma versão instrumental de "Passarim", de Tom Jobim, é uma das minhas preferidas até hoje. Belíssima, que pontua bem a saga de paixões, lutas e solidão da família Terra Cambará.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Cuidados com o comércio eletrônico no Natal

As vendas pela internet devem chegar a R$ 2,6 bilhões no Natal deste ano, o que significa um crescimento de 20% em relação a igual período de 2010. A estimativa é da E-bit, empresa especializada em informações do setor do comércio varejista online, que foi divulgada no último dia 16 de novembro. Conforme a entidade, o número de pedidos feito deve ser 25% maior sobre o ano passado e o gasto médio deve girar em torno de R$ 350.

“A comodidade de comprar pela internet cada vez mais ganha mais adeptos. No entanto, a pressa de fechar um negócio online requer cuidados redobrados, até porque nem todos os consumidores brasileiros conhecem seus direitos, por se tratar de um relacionamento comercial um tanto quanto recente”, disse o presidente do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec), José Geraldo Tardin. Por isso, a entidade elaborou uma série de dicas para as compras de Natal pela internet:

1) Imprima todas as fotos do produto;

2) Preste atenção em toda a informação oferecida a respeito do produto;

3) Se o preço do produto for bem menor que o preço de mercado, aumente as cautelas;

4) Além do e-mail, é importante verificar se a loja oferece outras formas para poder encontrá-la (telefone, endereço e fax);

5) Imprima todos os procedimentos realizados para a compra:

6) Evite pagar antecipadamente;

7) Cuidado com as ofertas, na maioria das vezes, não esta incluído o valor do frete;

8) Preste muito atenção e imprima as regras de restituição, de pagamentos, devolução, frete, negociação e prazo de entrega;

9) O consumidor deve observar os recursos adotados pelo site, que garanta a sua segurança;

10) Para compras em sites estrangeiros, devem ser observadas as taxas de importação e se o produto possui assistência técnica no Brasil;

11) O consumidor deve verificar, antes de efetuar a compra, a política de trocas e quais os procedimentos adotados pelo site para esta situação;

12) No ato da entrega do produto, o consumidor deve fazer um teste de imediato com ele, para verificar a qualidade e as características descritas no site;

13) O consumidor deve observar se existe de reclamação da loja em que está comprando. Uma excelente forma de verificar é por meio dos sites: Buscapé e Reclame Aqui;

14) Desconfie de produtos muito mais barato em relação ao mercado convencional. Pode se tratar de um golpe;

15) O consumidor deve lembrar que os Correios, na semana natalina e na véspera do Natal, ficam sobrecarregados com o volume de entregas. Assim, o consumidor deve comprar com antecedência, se quiser que o produto seja entregue até a data do Natal.

Prazos - Tardin ainda cita um problema comum nas compras feitas pela internet: o consumidor tem direito de desistir da compra em um prazo de sete dias, após o recebimento da mercadoria, sem precisar justificar sua decisão, tendo direito à devolução de todo o valor pago. “Caso isso não ocorra, o consumidor poderá requerer os valores junto ao Poder Judiciário, além do dano moral”, orienta o presidente do Ibedec.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Etiqueta móvel: Qual o limite da tecnologia?

“As novas tecnologias digitais estão se tornando fundamentais para a vida dos consumidores, mas ainda não esclarecemos para nós mesmos, nossas famílias, comunidades e sociedades quais são os tipos apropriados de comportamento e expectativas”. A declaração é de Genevieve Bell, Intel Fellow e chefe de pesquisa em interação e experiência da Intel Labs. Seu ponto de vista tem base no resultado de uma pesquisa on line nos Estados Unidos sobre o atual estado da "Etiqueta Móvel" e o uso das novas tecnologias nos ambientes de aprendizado educacional.

“Nossos comportamentos apropriados com a tecnologia digital ainda são embrionários e por isso é muito importante para a Intel que toda a indústria continue dialogando sobre a maneira como as pessoas usam a tecnologia, e como os nossos relacionamentos pessoais com a tecnologia ajudam a definir normas sociais e culturais”, explicou Bell.

Os professores participantes admitiram ser imprescindível que eles se mantenham atualizados sobre o papel da tecnologia na vida dos estudantes. Praticamente todos os professores entrevistados, 94%, acreditam que a tecnologia, quando usada corretamente, melhora a experiência dos estudantes com a educação. Setenta e quatro por cento deles também concordam que, com o rápido ritmo da tecnologia, o aprendizado da etiqueta móvel está se tornando tão importante para as crianças quanto a matemática e as ciências.

A quase unanimidade veio quando os professores foram questionados sobre quem deve ser responsabilizado pela educação dos alunos: 96% deles disseram que são os pais que devem ensinar a seus filhos sobre a etiqueta móvel; 64% dos pais rebatem e dizem que as escolas devem solicitar que os estudantes assistam a aulas sobre como e quando a tecnologia deve ser usada.

Sem nenhuma surpresa, 84% dos professores desejam que seus alunos pratiquem uma melhor etiqueta na sala de aula. As “mancadas móveis” foram apontadas por 82% dos professores como: estudantes digitando mensagens de texto (62%); ligações atendidas durante as aulas (33%) e cola durante as provas (19%).

Os professores concordam que a tecnologia é muito bem vinda nas salas de aula, porém, parte da educação móvel precisa ser melhorada e adaptada.

Tecnologia x relacionamento -  As crianças estão experimentando a tecnologia cada vez mais cedo. Um terço delas  diz preferir ficar sem as férias de verão a estarem sem seus aparelhos portáteis de comunicação.

A pesquisa detectou que 19% das crianças americanas entre 8 e 12 anos possuem dois ou mais dispositivos móveis. Elas passam três horas na frente de um notebook e 1,9 horas com seu celular. Já os adolescentes usam 3,7 horas do dia com note e 2,9 horas, no celular.

Noventa e quatro por cento dos pais têm consciência de que precisam dar bons exemplos para que seus filhos pratiquem boas maneiras móveis, mas 95% das crianças já testemunharam seus pais cometendo “infrações móveis”, incluindo o uso de dispositivos móveis na estrada (59%), no jantar (46%) e durante um filme ou concerto (24%). Quase metade das crianças americanas (49%) alega não ver nada de errado em utilizar a tecnologia na mesa durante o jantar.

A mobilidade tem afetado a vida em família. Cerca de 40% dos pais admitem que passam muito tempo usando algum dispositivo na frente de seus filhos e 42% das crianças pensam que os pais precisam se desconectar mais quando estão em casa.

Mobilidade e a vida pública - Ao mesmo tempo em que a conectividade na ponta dos dedos ajuda as pessoas a serem mais produtivas, as maneiras com que elas usam essa tecnologia em público pode gerar frustração. Noventa e dois por cento dos entrevistados concordam que as pessoas deveriam ter mais respeito ao usar seus dispositivos móveis em áreas públicas. Praticamente, um entre cada cinco adultos (19%) admite o seu mau comportamento móvel, mas continua agindo da mesma maneira porque “todo mundo se comporta igual”. O mesmo número também admite checar seu dispositivo móvel antes mesmo de sair da cama pela manhã. A falta de educação no que diz respeito aos dispositivos móveis atinge 73% dos entrevistados, que usam seus dispositivos enquanto dirigem, 65% que falam alto em lugares públicos e 28% que os usam enquanto caminham pela rua desatentos.
 
Metodologia - A pesquisa sobre a “Etiqueta Móvel” foi realizada online dentro dos Estados Unidos pela Ipsos a pedido da Intel, entre os dias 10 de dezembro de 2010 e 5 de janeiro de 2011 entre uma amostragem nacionalmente representativa de 2.000 adultos dos EUA com idade igual ou superior a 18 anos. A margem de erro da amostragem total é de aproximadamente 2,2% com um nível de confiança de 95%. O estudo incluiu as seguintes audiências: 212 professores (margem de erro de cerca de 6,7%) e 286 pais de crianças com idade entre 8 e 17 anos (margem de erro em torno de 5,8%), estando disponível no endereço www.intel.com/newsroom/mobileetiquette (em inglês).

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Comentário: Holocausto (1978)


Há mais de três décadas, a minissérie “Holocausto” (Holocaust: the story of the family Weiss, 1978) foi um marco na história da televisão. Até então, não se tinha conhecimento de produção tão realística sobre a perseguição sofrida pelos judeus europeus durante a Segunda Guerra Mundial por obra do nazismo. Ainda que posteriormente tenham surgido filmes mais fortes baseados no tema, como “A lista de Schindler”, “Cinzas da guerra” e “O pianista”, “Holocausto” ainda hoje é referência por haver sintetizado toda a história das perseguições antissemitas que culminaram com a política de extermínio batizada de “Solução Final” do Terceiro Reich.

A trama começa em Berlim e se divide entre as famílias Weiss, de judeus, e Dorf, de alemães, a partir de 1935, com o casamento entre o pintor Karl Weiss (James Woods) e a cristã Inga Helms (Meryl Streep), um pouco antes das primeiras leis de Nuremberg proibirem casamentos mistos, com o partido nazista em plena ascensão.  Erik Dorf (Michael Moriarty) é um advogado desempregado, casado com Marta e pai de dois filhos. Paciente do dr. Josef Weiss (Fritz Weaver), Dorf acaba ingressando no partido nazista por insistência da esposa, como forma de sustentá-los. A partir daí, graças a sua inteligência e dedicação cega, começa a ascender e tomar parte ativa no programa de extermínio dos judeus europeus, incluindo a família Weiss.
Inga (Meryl Streep) e Karl Weiss (James Woods)
 A ascensão de Dorf é pontuada por vários momentos históricos do domínio nazista, como a Solução Final e o estabelecimento dos campos de extermínio em substituição aos massacres de populações judias por fuzilamento (os Einzatsgruppen), a criação dos guetos e a manipulação das informações para tentar tornar o genocídio politicamente aceitável. Suas atitudes frias e olhar igualmente apático diante das atrocidades que determina e testemunha são em parte incentivadas pela mulher Marta, interessada em tirar proveito da guerra para sobrevivência de sua família, mesmo que isso signifique a destruição de outras pessoas. Em um momento, Erik Dorf parece fraquejar diante dos massacres, mas a esposa se impõe para incentivá-lo, mesmo sabendo que no futuro poderão responder pela barbárie. Assim é que supervisiona os pelotões de fuzilamento na Rússia, as câmaras de gás e crematórios de Auschwitz, sem demonstrar um pingo de incômodo ou pena com o destino dos “inimigos do Reich”.
Anna Weiss (Blanche Baker)
 De outro lado, o destino da família Weiss ilustra cada degrau das perseguições. Josef Weiss é proibido de clinicar, mas ainda atende cidadãos judeus e alemães (ou arianos, como se tornou expressão corrente daqueles tempos). Sua insistência em driblar a repressão em nome do profissionalismo e preocupação com o próximo acabam levando-o a ser deportado para a Polônia, seu pais de origem. Lá, com o irmão Moses (Sam Wanamaker), testemunha o surgimento do gueto de Varsóvia (que seria visto com mais propriedade e riqueza de detalhes em “O pianista”, de Roman Polanski, sobrevivente dessa época de terror), a mortandade provocada por epidemias e perseguições eventuais aos segregados, as deportações da população do gueto para Treblinka e outros campos de morte, a luta pela sobrevivência por meio do contrabando de alimentos e o início dos planos de resistência que culminariam no Levante do Gueto e seu extermínio em 1943. Antes da batalha, Josef é enviado a Auschwitz com a esposa Berta Weiss (Rosemary Harris, uma atriz de respeito), onde são mortos nas câmaras de gás.

Berta Weiss é uma mulher culta, filha de um ex-combatente da Primeira Guerra Mundial. Mesmo com a Kristallnacht (o pogrom incitado pelos nazistas em toda a Alemanha após o assassinato de um diplomata alemão por um jovem judeu em Paris, em 1938), na qual seus pais perdem a livraria (suicidando-se em seguida), a deportação de Josef para a Polônia e a prisão de Karl, o filho mais velho, e seu envio para o campo de concentração de Buchenwald, ela acredita em tempos melhores, até a noite em que a filha mais nova, Anna (Blanche Baker), foge de casa após uma discussão, é agarrada e estuprada por três nazistas. A adolescente de 16 anos fica retraída e enlouquece, sendo internada pela cunhada Inga em um hospital que era, sem que se soubesse, um centro de matança de doentes mentais e deficientes físicos, que eram agrupados em um depósito e asfixiados por monóxido de carbono, destino definido pela política nazista de purificação da raça. Sem Anna, Berta permanece com Inga até ser deportada para Varsóvia, onde reencontra o marido no gueto, ajuda a financiar a compra de armas para a resistência mas não a testemunha, sendo enviada com ele para Auschwitz.
Rudi Weiss (Joseph Bottoms) e Helena (Tovah Feldshuh)

Karl Weiss e Inga Helms são personagens cujos encontros tornam-se errantes no decorrer da trama. Inga protege a nova família contra a hostilidade de seus pais e irmão, contrários a que ela continue casada com Karl. Ele é preso, enviado a Buchenwald, um campo de trabalho forçado onde testemunha a execução de ciganos e sofre as maiores torturas. Graças a Inga, que precisa ceder ao assédio de um dos comandantes do campo e amigo da família Helms na tentativa de salvar o marido, Weiss vai para Theresienstadt, um “gueto modelo”, na verdade uma farsa armada pelos nazistas para tentar desviar a atenção dos tormentos sofridos pela população judia, onde pode exercer suas atividades de pintura. Inga consegue ser enviada para lá, acompanhando o marido. Ali, a indignação crescente com as perseguições transformam Karl em um artista engajado em mostrar a verdade ao mundo em desenhos que retratavam a brutalidade nazista, em contraponto às ilustrações fantasiosas as quais era obrigado, junto com outros dois prisioneiros, Weinberg e Frey, a fazer para os carrascos. Descobertos, os três são torturados para informar a localização de outros desenhos, resistindo até o fim.  Somente Karl sobrevive e, após ter as mãos quebradas, é mandado para Auschwitz, onde morre de fome.  Antes da deportação, Inga lhe conta que espera um filho, decidindo tê-lo mesmo sob os protestos de Karl, que não queria ver uma criança nascendo em um “lugar amaldiçoado” como Theresienstadt.
Erik Dorf (Michael Moriarty)

Os dois últimos membros da família Weiss marcam outros momentos da história do Holocausto. Rudi Weiss (Joseph Bottoms), filho do meio de Josef e Bertha, sempre temperamental, deixa Berlim após a deportação do pai para a Polônia. Em suas andanças fugindo dos nazistas, conhece a jovem judia Helena Slomova (Tovah Feldshuh) em Praga, tornando-a sua companheira. E é assim que ele testemunha a ocupação da Rússia pelos alemães e o massacre dos judeus da região em fuzilamentos em massa, como o de Babi Yar (setembro de 1941, quando perto de 34 mil judeus foram mortos a tiros e sepultados coletivamente em uma ravina). Presos em Kiev, Rudi e Helena são enviados para a morte, mas conseguem escapar da fila dos condenados e observam de longe o assassinato de homens, mulheres e crianças a tiros. A luta pela sobrevivência os leva a se unir à guerrilha de sobreviventes judeus liderados por tio Sacha. Em tantas batalhas, Helena acaba sendo morta após uma mal sucedida emboscada do grupo contra soldados nazistas, e Rudi, enviado para o campo de extermínio em Sobibor. Ali, participa da famosa rebelião que permitiu a fuga de muitos prisioneiros – poucos, no entanto, para a quantidade de vítimas fatais. Após a fuga, Rudi aguarda a libertação, quando chega a Theresienstadt e reencontra Inga com o filho de Karl, decidindo trabalhar para a Agência de Ajuda para a Palestina, que congrega sobreviventes do Holocausto. A essa altura, já soube do destino de sua família.

Depois da deportação de Josef e Berta para Auschwitz, Moses Weiss se junta ao grupo que organiza o Levante do Gueto de Varsóvia, combatendo durante três semanas contra os nazistas em sua própria prisão, com sucesso. O final do levante já é conhecido. Alguns escaparam, os sobreviventes foram enviados para a morte em Treblinka ou fuzilados após o fim da rebelião – é o que acontece com Moses e outros combatentes.
Josef e Berta (Fritz Weaver e Rosemary Harris)

Os últimos momentos de Erik Dorf condizem com a história dos carrascos nazistas que foram presos após a libertação e final da Segunda Guerra Mundial na Europa. Capturado e interrogado, é posto frente a frente com provas do genocídio e, como outros líderes nazistas, comete suicídio para não enfrentar a justiça pelas barbáries cometidas. Em contraponto, há o seu tipo paterno, Kurt Dorf (Roberth Stephens), engenheiro que vê as atrocidades mas não consegue tomar uma iniciativa maior para combatê-las se não somente manter sob sua guarda e segurança prisioneiros judeus na construção de uma estrada nas proximidades de Auschwitz – entre eles, Josef Weiss. Após o suicídio de Erik, Kurt tenta desmascarar as atividades criminosas do sobrinho perante sua família. Mas nem Marta nem os dois filhos já crescidos de Dorf lhe dão ouvidos, repudiando suas declarações. O retrato dos alemães colaboracionistas, se não ingênuos.

A minissérie serviu e ainda serve como uma avaliação de atitudes quanto ao assunto, principiando uma abordagem maior ao tema. A atuação de personagens fictícios ao lado de outros reais – os nazistas Heinrick Himmler, Reinhard Heydrich e  Adolf Eichmann e um dos líderes da resistência no gueto, Mordechai Anielevitz – foi eficiente para o desenvolvimento da história. Como já citei, o desempenho de todo o elenco contribuiu para a magnificência da produção, sobretudo Michael Moriarty, interpretando um Erik Dorf de olhar gélido e impassível frente a cadáveres de judeus fuzilados ou prisioneiros a caminho das câmaras de gás.

Chocante até hoje, “Holocausto” teve críticas negativas também. Para alguns, suavizava os fatos. No entanto, nenhum filme específico conseguiu abranger a história das perseguições em todas as etapas com grande abrangência. Enquanto “A lista de Schindler”, “O diário de Anne Frank”, “O pianista”, “Cinzas da guerra” e “O último trem” tratam de situações e personagens específicas durante o Holocausto, a minissérie envolveu a história de todos os judeus europeus e seus algozes, representados pelas famílias Weiss e Dorf. Por isso, nada mais justo que mantê-la no posto de marco da televisão mundial. É quase como uma triste alegoria da vergonhosa história da humanidade.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Quem diz o que quer, ouve o que não quer

O rebu de hoje foi causado por uma notícia publicada no Portal do Holanda , a qual informava que o desembargador Aristóteles Thury, presidente da Associação dos Magistrados do Amazonas (Amazon), denunciou o advogado José Alfredo Ferreira de Andrade ao Conselho de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil -Seção Amazonas por usar os termos "vagabundos e preguiçosos" ao se referir aos servidores e juizes do Tribunal de Justiça do Amazonas em uma petição encaminhada à Corregedoria de Justiça.

Funcionários vagabundos e preguiçosos existem em qualquer empresa, pública ou privada, ou órgãos do governo em todos os seus níveis. O erro do advogado foi generalizar e jogar nessa vala comum trabalhadores e magistrados com trabalho sério e anos de dedicação ao serviço público no Poder Judiciário, faltando com o respeito a quem não faz parte do time da mamata. 

O nobre profissional deveria ter dado nome aos bois. Poderia ter dito quem são os vagabundos e os preguiçosos, quais são aqueles que só aparecem para bater o ponto e voltam para casa ou para onde quer que passem seu tempo para receber seu gordo salário no final do mês, defendidos pela sombrinha do parentesco ou laço de amizade com algum magistrado. No entanto, preferiu colocar todos na mesma panela, desrespeitando pessoas sérias. Deve ser repreendido e punido por isso. Como escreveu o desembargador em sua denúncia, "quem diz o que quer, ouve o que não quer".

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Manaus merece isso?


Hoje é dia de comemorarmos os 342 anos de Manaus. A comemoração, no entanto, não pode se limitar ao Boi Manaus e ao espetáculo surreal da inauguração da ponte Rio Negro (palcos, shows e uma lista extensa de convidados "ilustres" - uma combinação que ainda não se ajustou bem em minha pobre cabeça).

Temos muitos motivos para comemorar e para refletir. A ponte Rio Negro, tão criticada (nem tanto pelas altas cifras de seu custo ou pelos aparentes erros em sua concepção estrutural - do qual a famosa "pracinha da avenida Brasil" foi o exemplo mais claro -, mas sim pela sua utilidade), é um momento novo de integração que vai facilitar a vida da população da Região Metropolitana. Iranduba, Manacapuru e Novo Airão, principalmente, deverão estar alertas para investir sobretudo em seus potenciais turísticos.


Na outra margem da ponte, já em Iranduba, quero vislumbrar uma orla bem cuidada. Nada daqueles inferninhos barulhentos e imundos que empestavam o Cacau Pirêra, aquilo, sim, uma vergonha que nunca recebeu um investimento decente e muito menos preocupação ambiental dos residentes. Sinceramente, merece desaparecer da maneira que estava. Mas nem tudo está perdido ali, porém isso é outra história.

Temos que comemorar o fato de Manaus estar "bem na fita" entre as demais capitais brasileiras. Hoje somos a nona (corrijam-me se estiver enganado) cidade mais populosa do País e uma das mais ricas. Há muitos investimentos surgindo na cidade em diversos ramos, mas sobretudo no imobiliário.

As comemorações, por enquanto, terminam aí. Hora de refletir sobre os problemas que temos e o que cada um está fazendo - ou não - para mudar o quadro. Nosso trânsito é péssimo. Temos um sistema viário que não comporta o fluxo da devida maneira - os "complexos viários" construídos acabaram não dando tanta vazão como deveriam a isso (sem contar que um dos primeiros, no cruzamento das avenidas Constantino Nery e Senador Álvaro Maia, não correspondeu ao projeto inicial e tem uma característica ímpar de possuir semáforo). Temos muitos carros, pouca educação no trânsito e irresponsabilidade para dar e vender. Para muitos motoristas, respeitar a sinalização, não entrar pela contramão (nem que seja rapidinho), estacionar somente nos lugares adequados, dar a vez a pedestres, ser cortês com outros motoristas, dirigir sem afobação... tudo isso parece soar como ofensa, como imoralidade, e mais vale o risco de pegar uma multa, atropelar alguém ou sofrer um acidente. Manaus merece isso?

Na parte ambiental (e nisso vou incluir a limpeza pública, pois há uma relação entre ambas), se por um lado temos bons exemplos como o Parque Senador Jefferson Peres, o Parque dos Bilhares e os postos de coleta seletiva, por outro temos o vandalismo e a falta de educação da população. Ontem, apanhei um ônibus para ir ao Manaus Plaza Shopping, e vi uma família (pai, mãe e filhinho) dentro do coletivo saboreando picolés. Eu imaginei o que viria a seguir: palitos e embalagens foram jogadas pela janela, em via pública, sem um pingo de remorso. Somente balancei a cabeça, pois pela própria forma de se expressar reconheci ali uma família para a qual viver na imundície era algo que pouco importava. E é assim que muitos manauenses pensam, infelizmente. Há lixeiras instaladas na cidade, mas a preguiça e a falta de conscientização são tão grandes que tais pessoas jogam lixo em qualquer lugar, pois, em sua visão distorcida de responsabilidades, sempre há alguém designado para fazer a limpeza. Esquecem-se de que os profissionais dessa área não são serviçais de cada um dos moradores, portanto não podem ficar atrás de cada porcalhão desses como um dono de cachorro que sai para passear com seu bichinho levando uma pazinha e um saquinho para recolher seus dejetos. Manaus merece isso?

Temos belas praias fluviais em nossa cidade e balneários agradáveis nas estradas e na zona rural da capital. Mas nem lá o vandalismo e a falta de educação ambiental deixam incólumes. Pior de tudo é ver que há conivência dos que exploram o lugar, que não tomam uma atitude mesmo quando cobram uma "taxa de manutenção". A Cachoeira do Leão, na rodovia AM-010, de acesso gratuito, é um exemplo. Muitos dos frequentadores jogam latas de bebidas e restos de comida ao longo do igarapé, mesmo havendo lixeiras instaladas em vários locais de fácil acesso. No quilômetro 12 da rodovia BR-174, uma taxa de R$ 5 é cobrada por veículo, mas onde a sujeira é jogada, lá permanece. Bela visão para turistas. Manaus merece isso?

Voltando aos parques, a iniciativa foi muito boa, pois Manaus carecia de espaços públicos. Praças foram reformadas, voltaram a ser pontos de reunião de famílias para passeios e programas leves. Mas ainda são atacadas pelos porcalhões e vândalos. Na extensão do Parque Jefferson Péres, no Bittencourt, alguns quiosques estão escancarados, um convite para a vagabundagem destruir ou usar para fins nada corretos. Por todos os lados, há garrafas, copos e outras coisas jogadas a apenas alguns metros das lixeiras instaladas. No Mestre Chico, a bela ponte de ferro ainda estava às escuras, pois pessoas sem caráter roubaram a iluminação e fica tudo por isso mesmo. O Parque Jefferson Péres escapa ainda um pouco do vandalismo porque é cercado, então os marginais têm que procurar outra freguesia ("um pouco" porque um dia desses, caminhando por lá, percebi que algumas luminárias mostravam pequenos danos, como se os vagabundos tivessem tentado arrancá-las). Assim deveria ser com os demais. Como podemos mostrar nosso patrimônio aos turistas se há descaso e depredação? Manaus merece isso?


Temos problemas como toda cidade, claro. Transporte público ruim e digno de suspeitas. Sujeira nas ruas. Falta de zelo com o patrimônio. Poluição. Estupidez. Vamos esquecer tudo no Boi Manaus? Melhor não. Ali também, com certeza, houve depredação, pois infelizmente festas assim também atraem o degrau mais baixo da escória humana - aqueles que não têm respeito pela vida dos outros, pelos direitos do próximo e pelo seu próprio patrimônio. Manaus merece isso? Você pode apostar que não!

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Uma fiança paga uma vida?


Hoje pela manhã, assistindo ao canal Bandnews, me deparei com uma matéria sobre um elemento bêbado que atropelou várias pessoas em São Paulo. É o tipo de coisa que vem se tornando cada vez mais frequente. A reportagem citava casos em que o causador do acidente pagou fianças altas (de até R$ 300 mil), mesmo tendo causado a morte da vítima, para responder processo em liberdade. Preso certamente nunca será, ou em caso positivo, receberá um regime brando, pois é assim que funciona a Justiça brasileira quando o assunto é crimes de trânsito.

Mais além, a repórter falava sobre a recusa em motoristas de fazerem o exame do bafômetro. Outro absurdo! Ao questionar uma pessoa se ela se submeteria ao aparelho, a jornalista teve como resposta um sorridente "não" do entrevistado, pois, segundo ele, o fato de o carro ser equipado com air bag lhe dava mais chances de escapar em um acidente provocado pelo excesso de manguaça. "Mas e em caso de atropelamento?", indagou a repórter. "Ah, aí é só pagar fiança", respondeu o rapaz, sem tirar o sorriso estúpido do rosto.

Confesso que ao ouvir esse tipo de resposta, fiquei totalmente transtornado. Minha vontade era de pegar esse cidadão e trancá-lo em uma jaula pelo resto da vida, pois humano ele demonstrou que não era. Quer dizer então que tirar vidas agora virou brincadeira? Matou, pagou fiança (não importa qual valor, pois o criminoso dá seu jeito) e fica livre para aprontar de novo? E as famílias das vítimas, mortas ou sequeladas pelo resto da vida?

Ainda querem colocar o crime de trânsito como se fosse de menor potencial ofensivo. Para mim, deveria ser, sim, visto como homicídio doloso, pois o cidadão que se embriaga e pega no volante se torna um assassino. Depois do acidente, não adianta chorar sobre o sangue derramado. Infelizmente, como postei indignado no Facebook logo após ver a referida reportagem, a Justiça brasileira não muda porque no final das contas a canalhada que gosta de ter poder se beneficia de leis brandas, tanto para si quanto para os parasitas que os cercam. 

Motorista bêbado é sinônimo de assassino em potencial. Temos que botar isso na cabeça. O teste do bafômetro deve se tornar obrigatório! Condutores alcoolizados devem responder como autores de homicídio ou tentativa de homicídio, pois assim o pede o caráter de suas ações, pelo bem da sociedade brasileira. Por que nossa Justiça e as autoridades que fiscalizam o trânsito ignoram esses apelos? Qual a razão para haver tolerância com tantas barbaridades acontecendo em nossas ruas, com irresponsáveis ao volante matando e mutilando? Dava para ser enredo de um filme triste que poderia se chamar "Atropelou, matou e foi ao cinema"...

Nunca perdi um familiar ou amigo por conta da irresponsabilidade desses criminosos. Mas não quero esperar que isso aconteça (e espero nunca acontecer) para poder expressar minha revolta.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A TV sem cores

Jornalista realiza palestra em Manaus e lança livro analisando a abordagem da homossexualidade na mídia brasileira

Por César Augusto

O jornalista Irineu Ramos fará no próximo dia 20 de outubro uma palestra com o tema “Intolerância e preconceito: a ausência do amor”, no Teatro Direcional, no Manauara Shopping, às 19h. Na explanação, Ramos aborda a questão da intolerância e do preconceito relativos à homossexualidade, englobando a origem desses sentimentos nas questões sexual, étnica e religiosa. Além desse aspecto, Ramos pretende mostrar como o mundo é possível além do preconceito, como superar esse sentimento e o encontro da felicidade dentro de cada um.

O tema abordado por Irineu Ramos faz parte de uma série de trabalhos acadêmicos que ele apresenta em congressos e simpósios nacionais pela Coordenadoria de Assuntos da Diversidade Sexual  (Cads), órgão vinculado à Secretaria de Participação e Parceria da Prefeitura de São Paulo, no qual desenvolve trabalhos de capacitação nas questões de gênero, sexualidade, mídia e educação com professores da rede pública. 

A programação da palestra inclui ainda o lançamento em Manaus do livro “A TV no Armário  - A Identidade Gay nos programas e telejornais brasileiros” (Edições GLS, 134 páginas, R$ 34,90), com tarde de autógrafos no dia 21 na Livraria Valer do Centro (rua Ramos Ferreira), e no dia 28 na Saraiva Mega Store (Manauara Shopping). A obra é resultado de dois anos de pesquisas de Irineu Ramos e observação de programas da televisão brasileira sobre a retratação da comunidade LGBT brasileira, geralmente pejorativa. A base para seu trabalho foi o pensamento de Michel Foucault e noções da teoria queer, mostrando que a televisão brasileira transmite valores negativos, depreciativos e caricatos quanto aos homossexuais.

Para obter material para sua pesquisa, Ramos selecionou alguns programas de entretenimento, uma novela e os telejornais. “O maior trabalho foi analisar cada quadro em que a figura do gay aparecia, a abordagem que era dada e o que representava tudo aquilo. Como utilizei como chave de leitura a teoria queer, esbanjei com análises baseadas em Michel Foucault, entre outros autores”, conta.

Uma das observações feitas pelo jornalista é que, a cada novela realizada, o tratamento dado aos homossexuais tem menor carga de preconceito. No entanto, os personagens continuam na periferia da trama principal. “O que significa que o autor pode tirá-los de cena a qualquer momento e o telespectador nem vai perceber. Isso é uma forma de diminuir a importância das sexualidades desviantes. O centro da trama de todas as novelas ainda é permeada pela heteronormatividade”, aponta. Para confirmar a observação de Irineu, basta lembrar que, por conta da reação preconceituosa do público brasileiro, o casal de lésbicas interpretado por Silvia Pfeiffer e Christiane Torloni na telenovela “Torre de Babel” (TV Globo, 1998-99) foi convenientemente rifado da trama morrendo em uma explosão em um shopping center.

A telenovela “Insensato Coração”, de Gilberto Braga, recentemente exibida pela TV Globo, foi marcada por um discurso claramente antihomofóbico ao mostrar a violência contra homossexuais.  Na opinião do jornalista, a emissora é a que mais se compromete com o combate à homofobia, mostrando-a  em seus telejornais.  “As novelas estão avançando, mas a sociedade continua lá atrás com valores morais que não levam a lugar nenhum. Mas esta sociedade é quem consome os produtos da TV”, afirma. Em termos de respeito às diferenças, a pior rede é a Record, conforme Ramos. “É quase criminoso o que fazem na programação para dominar o telespectador e fazer deles cordeirinhos”, observa.

Após os personagens de “Insensato Coração”, outros homossexuais retratados na televisão foram o caricato Áureo (André Gonçalves, de “Morde  & Assopra”, recentemente encerrada) e Crô (Marcelo Serrado, em “Fina Estampa”, atualmente no ar). “O Crô é o tipo do gay que o telespectador gosta. Caricato e dócil. Não oferece nenhuma ameaça à tradicional família brasileira e ainda a alegra com micagens. Eu acho que depois de Insensato Coração, que contou com seis personagens gays, a TV Globo teve que dar uma recuada em virtude da pressão de alguns segmentos conservadores da sociedade. Crô é o reflexo disso”, analisa Ramos.

“Já o Áureo  seguiu o padrão caricato mas, no penúltimo capítulo, ele não só abandonou a noiva no altar como fugiu com o vaqueiro machão Josué (Joaquim Lopes) e, ainda, pegou carona com o sargento Xavier (Anderson di Rizzi) e a ‘pirulitona’ (Élcio/Elaine, interpretado por Otaviano Costa), outro casal gay formado com base caricata”, explica o jornalista. “Achei fantástico este encaminhamento, pois o autor fez uma transversal queer copiando um 'Priscila, a rainha do deserto'. Achei que foi uma boa saida para um período de pressão conservadora da sociedade”, acrescenta.

Essa visão é inclusive difícil de comparar com a produção televisiva norte-americana, segundo Ramos, porque o processo de conquistas da comunidade gay é bem diferente lá e aqui. Para ele, nos Estados Unidos a questão da identidade gay é muito forte. “Lá os gays se vêem gays e se posicionam”. No Brasil, ao contrário, o forte não é a identidade, e sim o comportamento. “Aqui, no geral, é grande o número de pessoas que têm comportamento gay mas não se acham gays”, explica. Nos EUA, séries são protagonizadas por casais homossexuais, como na série "Os assumidos" (exibida no Brasil pelo canal pago Cinemax de 2000 a 2005), ou as relações amorosas são mostradas de forma bastante natural, como em "Grey´s Anatomy" (atualmente em exibição pelo canal Sony).

Deboche – Um dos personagens homossexuais mais comentados atualmente é a transexual Valéria, interpretada por Rodrigo Sant´Ana no humorístico “Zorra Total”, da TV Globo. Caracterizada pelo visual extravagante, o quadro – no qual Valéria sempre encontra a amiga ingênua Janete (Thalita Carauta) no metrô, sobre quem não perde a oportunidade de destilar veneno – ganhou sucesso e tempo maior de exibição, popularizando bordões como “Ai, como eu tô bandida” e “Só no cutuque”.

Para Irineu Ramos, Valéria é uma personagem que reproduz exatamente o que a sociedade imagina que seja uma travesti ou transexual: uma caricatura sem alma. “No cotidiano estas identidades são muito mais maltratadas pela sociedade que as vê sem alma, em comparação com os gays. Sem alma significa que elas não têm sentimentos e, portanto, passíveis de deboche e risada”, analisa. “As pessoas precisam aprender que ninguém escolhe ser travesti e que, atrás daquela alegria, tem alguém que precisa pagar o aluguel, estudar, ir ao médico, sustentar familia... Isso a sociedade ainda não enxerga”, acrescenta.

Direitos - Do ponto de vista de análise teórica, o Brasil ainda vai demorar um pouco para garantir direitos iguais aos brasileiros. “Os gays vão continuar com menos direitos que os demais cidadãos,  porque temos um Congresso de costas para a modernidade e o respeito de seus cidadãos, invadido por frentes religiosas com discursos atrasados. Temos uma Justiça injusta e uma sociedade com pouca informação e baixa educação. Colocando tudo isso no liquidificador dá isso que vemos na TV: perseguição aos gays, maus tratos e outros”, afirma Ramos. “Mas, sem dúvida a TV melhorou muito em todos os aspectos. A tendência é que acompanhe o avanço do mundo... numa velocidade menor”, acrescenta.

O autor - Formado pela Universidade Católica de Santos (UniSantos),  pós-graduado em História pela instituição e mestre em Comunicação pela Universidade Paulista (Unip), o  jornalista Irineu Ramos também é membro do Centro de Estudos e Pesquisa em Comportamento e Sexualidade (CEPCoS), organização não governamental ligada às questões de gênero e sexo, e integra ainda o Grupo de Estudos “Estética, Mídia e Homocultura” da Universidade de São Paulo (USP).

(Foto: Divulgação)

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