domingo, 31 de dezembro de 2017

2017: um ano de ótimas viagens!!!

SOBRE O PRAZER DE VIAJAR

Viajar se tornou para mim uma necessidade. Descobri meio que tardiamente esse prazer em 2011, quando viajei pela primeira vez depois de três décadas para Fortaleza (CE). Uma resolução acertada para quem até então vivia para trabalhar, sem férias decentes. A vida passa, e esperar para curti-la depois da aposentadoria é a regra mais estúpida que se pode imaginar: como diria a atriz Betty Faria, "melhor idade é o cacete". Nem todos chegam aos 60, 65 com vigor. Portanto, o momento é agora. Um pouco de planejamento e mudança de velhos hábitos ajuda, e muito!

Este ano, apesar de muitos problemas para manter o orçamento em ordem (e quem não os tem? Só os bem nascidos, mas esta postagem não é para eles), consegui fazer três viagens sensacionais. Em janeiro, por conta de férias pendentes do ano passado, fomos de Fortaleza a Recife (PE), passando por Natal (RN) e João Pessoa (PB); em junho, em uma decisão de última hora e graças ao programa de pontos da Azul Linhas Aéreas (e a alguns dias de licença especial) fui a Fortaleza ciceronear um casal de amigos que nunca fora ao Ceará; e em setembro, aproveitando a Semana da Pátria e metade das minhas férias deste ano, o destino foi encantador: Minas Gerais, em uma rota que começou em Diamantina e terminou em Uberlândia, incluindo aí Cordisburgo, Belo Horizonte, Ouro Preto, Mariana, Congonhas, Tiradentes, São João del-Rei e Araxá.

"Mas como você viaja tanto?". Costumo dizer que viajar não é para quem pode, é para quem quer. Tempo? Vejamos: trabalho no serviço público estadual, tenho férias certas que posso dividir durante o ano e programar de forma que rendam bastante (começando ou terminando perto de feriados/feriadões). Desse jeito, já determinando o período e o destino, começa a pesquisa por passagens aéreas. Nem sempre o valor mais baixo compensa: em primeiro lugar eu vejo a melhor rota (menor número de conexões ou escalas, menor tempo de espera na conexão. Há rotas com 70 escalas, 20 conexões e até 15 horas de espera nos aeroportos (o exagero é intencional). Além disso, aprendi que em geral quando se compra passagens com muita antecedência, é possível conseguir adquirir com um valor muito em conta (por exemplo: minha viagem a Foz do Iguaçu, no Paraná, ano passado, só foi possível porque em dado momento, depois de já haver decidido aproveitar um feriadão para conhecer o lugar, achei passagens com valor na metade do comum, como já narrei em outro post na época), mas isso requer muita pesquisa.

"E como você tem tanto dinheiro?". Quem disse que é preciso ser rico ou levar uma mala cheia de dinheiro? Para começar, como já disse antes, abrir mão de certos hábitos perfeitamente dispensáveis (muitas roupas novas, farra toda semana, pizza todo sábado ou domingo, comprar o novo lançamento de smartphone) ajuda bastante. Quando você limita seus gastos às despesas normais (contas, faturas de cartão), você cria uma margem de reserva bacana. No meu caso, minhas viagens não incluem noitadas, pois viajo para descansar e conhecer (ou revisitar) lugares. No máximo, uma noite numa lanchonete ou em um barzinho com música ao vivo. Aliado a isso há a ajuda do cartão de crédito, que deixo de utilizar um tempinho antes da viagem para liberar o máximo do limite possível para utilizar. E tem outro detalhe: saber onde comer ajuda a economizar bastante. Prefira os PFs aos restaurantes tradicionais com preços exorbitantes. Não é atestado de pobreza, é atestado de esperteza: a comida é praticamente a mesma, e nos restaurantes você paga o conforto luxuoso (claro, ir apenas uma vez não vai deixar ninguém na miséria em terra estranha).

"Ah, mas quando você volta o cartão de crédito está estourado". Não é bem assim: existe uma coisa chamada PARCELAMENTO na maioria dos lugares de venda de lembranças. Também não é mania de pobre. Deixe esse conceito para os esbanjadores.

"E os gastos com a hospedagem?". Bom, não sou fã de hostels nem de estabelecimentos em lugares badalados. Sempre acertei na hospedagem  (exceto em uma ocasião, na minha primeira viagem ao Rio de Janeiro em 2014, mas é uma história que prefiro esquecer), e o PARCELAMENTO ajuda muito!

OS NOVOS DESTINOS DO ANO!

Foram nove destinos este ano, entre eles os preferidos do Nordeste. As exceções ficam com João Pessoa (onde eu só passara um final de semana em 2013) e Recife (primeira vez na cidade), nossos destinos depois de Fortaleza e Natal. A capital da Paraíba é uma cidade tranquila, muito agradável, uma metrópole emergente com ares pacatos de cidade interiorana em alguns lugares. Dona de uma orla magnífica, Jampa faz justiça a quem lhe elogia. De lá fomos passear em Cabedelo, onde há as ruínas da fortaleza dos tempos do Império, e nas praias do Amor e de Coqueirinho (esta última a minha preferida, com sua enseada tranquila e belíssima, agora dotada de uma boa infraestrutura e pista de acesso arrumada).

Recife foi uma surpresa agradável. Cidade grande, bonita, com um Centro Histórico fantástico e um trânsito não tão caótico como imaginei que seria. Ficamos em Boa Viagem, perto da praia, onde admiramos um luar fantástico! Dali fomos conhecer outros lugares quase num ritmo acelerado, pois só tínhamos quatro dias antes de voltarmos a Manaus no dia 18 de janeiro. Fomos então a Olinda, bem ao lado, a Porto de Galinhas (muito bonito mesmo), a Caruaru (adorei o local que concentra os artesãos) e ao museu do Instituto Ricardo Brennand, um apanhado fantástico de pinturas, esculturas e objetos diversos, duplicados ou originais. Uma viagem no tempo imperdível!

Outro destino novo acabou me conquistando pela beleza dos lugares, pelo clima agradável, pela culinária divina e, sobretudo, pela simpatia do seu povo: Minas Gerais. Dia 5 de setembro embarcamos rumo a Belo Horizonte, uma viagem um tanto cansativa com uma conexão no Galeão (Rio de Janeiro). Em nossa chegada, como já havia definido no roteiro, fomos almoçar em Lagoa Santa, perto do aeroporto de Confins, antes de entrar no hotel Confins Aeroporto. Foi um pernoite necessário para um merecido descanso. Dali, na manhã seguinte, começou a viagem propriamente dita, quando seguimos rumo a Diamantina, lugar que fazia questão de conhecer. Antes, fizemos uma paradinha em Cordisburgo, no caminho para lá, cidade do escritor Guimarães Rosa onde visitamos o museu criado na casa onde ele viveu e o portal que retrata os jagunços de sua obra máxima, "Grande sertão: veredas".

Assim começou nosso roteiro, que posso resumir assim:

- em Diamantina, conhecemos a casa onde nasceu o ex-presidente Juscelino Kubitscheck, a casa de Chica da Silva (por um golpe de sorte a encontramos aberta, já que estava, segundo a antipática funcionária que abordamos, fechada para reforma), o parque do Biribiri, onde fica a antiga vila de Biribiri, hoje funcionando apenas como ponto turístico, o casario antigo e lindo da cidade e o Parque Estadual do Rio Preto;

- seguimos para Belo Horizonte, onde em dois dias conhecemos o famoso Parque da Pampulha, o Mirante do Mangabeiras, a praça do Papa e outros locais bacanas nos arredores do bairro Funcionários, onde ficamos hospedados;

- depois de BH, foi a vez de Ouro Preto. Ah, cidade deliciosa!!!! Tudo ali é História, cada canto, cada prédio. Fiquei apaixonado mesmo por aquele lugar. O friozinho da noite (maior do que o que sentimos em Diamantina e BH) foi uma atração à parte para dois amazonenses que sobrevivem no calor amazônico. Dali fizemos um "estica" até Congonhas e Mariana;

- o destino seguinte foi São João del-Rey. Outra cidade maravilhosa, bonita, simpática, onde o antigo contrasta com o moderno. De lá fomos ainda dar uma volta em Tiradentes;

- próxima parada: Araxá. Bonita, muito bem cuidada, a cidade da lendária Dona Beija (ou Beja) é charmosa, tranquila  e preserva com competência sua história. Conheci o Memorial de Araxá e fiquei encantado! Os sabonetes Nur, feitos com a lama da fonte da personagem histórica (aberta para visitação gratuita), e os doces Dona Joaninha (cada um mais delicioso que o outro) completaram a paixão. O único porém foi não termos conhecido a Casa de Dona Beja, fechada para reformas até 2019, e o Parque do Cristo, de onde se tem uma vista linda de Araxá, pois, embora já revitalizado, só iria ser reaberto pela prefeitura no final do ano (santa sacanagem, Batman); e

- finalmente, chegamos a Uberlândia, ponto final da viagem. Cidade grande, quase uma metrópole, mas com aquele mesmo clima agradável das antecessoras. Como foi uma passagem corrida para visitar nossa amiga Patrícia Martins (a quem havíamos conhecido em Ilhéus, em 2014), só pudemos mesmo ir ao Parque do Sabiá (delicioso para caminhadas) e alguns lugares da área do Centro, onde ficamos hospedados.

Enfim, Minas Gerais conquistou meu coração e espero retornar, talvez em 2019, para revisitar lugares e  conhecer novos, como São Thomé das Letras e Monte Verde. Mas, para 2018, os destinos já estão traçados: um retorno a Santa Catarina (Joinville-Blumenau-Balneário Camboriú-Florianópolis) e nossa primeira ida ao Rio Grande do Sul (Gramado-Ijuí/Missões-Porto Alegre). Ano que vem haverá mais histórias para contar!

Feliz 2018!!!!!!

sábado, 30 de dezembro de 2017

FILMES: "360" (2012)

Sempre gostei de filmes com aqueles loopings interessantes onde os destinos dos personagens se cruzavam e, de certa maneira, influenciavam uns aos outros, mostrando como a nossa existência é mais repleta de causas e consequências do que imaginamos, quase em uma precisão matemática. Assim foi com "Magnólia"(1999), de Paul Thomas Anderson, "Cenas da vida" (Short cuts, 1993), de Robert Altman, e "Babel" (2006), de Alejandro González Iñarritu. "360" (referência ao círculo de 360 graus), dirigido por Fernando Meirelles, vai por esse caminho, mas em vez de ser apenas outro filme com uma estrutura nada original, vem somar a esse universo de temas infindáveis relacionados às coincidências e encontros fortuitos nas vidas dos personagens.

O filme começa em Viena, com Mirkha (Lucia Siposová) fazendo seu book para se tornar mais uma garota de programa recrutada pelo cafetão Rocco (Johannes Krisch), sob o olhar reprovador da irmã mais nova Anna (Gabriela Marcinková), que mesmo assim compreende o esforço da mais velha para sustentar a família. Seu primeiro cliente deverá ser Michael Daly (Jude Law), um inglês casado com Rose (Rachel Weisz), a quem deixou em Londres. Na capital inglesa, Rose tem um caso com o fotógrafo brasileiro Rui (Juliano Cazarré), o qual viajara para a Inglaterra com a namorada Laura (Maria Flor) para juntos tentarem uma nova vida. Ao descobrir a traição de Rui, Laura volta para o Brasil, e na viagem de retorno via Estados Unidos conhece John (Anthony Hopkins), um senhor a caminho de reconhecer o corpo de uma mulher que poderia ser sua filha desaparecida tempos atrás, e Tyler (Ben Foster), recém colocado em liberdade condicional após prisão por abusos sexuais, e agora a caminho de sua casa e de um recomeço. Em Paris, Valentina (Dinara Dukarova) trabalha como assistente de um dentista muçulmano (Jamel Debbouze). Este guarda uma paixão pela colega, mas o respeito à religião impede a aproximação, pois Valentina é casada com Sergei (Vladimir Vdovichenkov), que trabalha como motorista para um rico e arrogante empresário e arma para ele em Viena um encontro com uma prostituta: Mirkha, que usa o codinome Blanka.

Fechado o círculo de personagens, começa a série de encontros, desencontros e entrada em cena de outras pessoas. Cada diálogo e atitude vai interferir nos seus destinos, afetando também aos demais. Na noite em que vai encontrar Mirkha/Blanka, Michael é surpreendido por dois colegas, os quais veem a prostituta e fazem comentários desaprovadores, levando Daly a desistir do encontro e ligar para a esposa Rose, revelando sua saudade. Ao ouvir o recado do marido, Rose repensa sua relação com Rui e termina o caso após um último encontro. E essa fórmula vai se repetindo no decorrer do filme, com resultados felizes para alguns e infelizes para outros - mostra de que desencontros e medo de expor sentimentos acabam prejudicando mais ainda a pessoa. Ou seja, nada na nossa vida acontece por puro acaso.

Onde baixar: Filmes Cult

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

FILMES: "Corra!" (Get out, 2017)




Se você é negro, sente que vive em uma sociedade onde o racismo é disfarçado e por isso é "escaldado", vai entender a reação de desconfiança do jovem fotógrafo Chris Washington (Daniel Kaluuya) durante a festa tradicional que a família de sua namorada branca Rose Armitage (Allison Williams) promove anualmente em sua propriedade: só há pessoas brancas que o tratam com cortesia e gentileza extremas, e fora ele, os únicos negros são empregados dos Armitage - Georgina (Betty Gabriel), a copeira, e Walter (Marcus Henderson), o jardineiro. Rose o leva até o lugar para apresentá-lo ao pai neurocirurgião, Dean (Bradley Withford), e à mãe, Missy (Catherine Keener), a qual desenvolveu interessantes técnicas de hipnose que em um primeiro momento conseguem fazer Chris largar o hábito de fumar, instantaneamente. Além deles, há o irmão de Rose, Jeremy (Caleb Landry Jones), um tipo meio encrenqueiro. Está armada a trama de "Corra!", de Jordan  Peele, uma alegoria bem interessante sobre racismo velado e a hipocrisia das relações sociais entre brancos e negros.

No filme, os Armitage são uma família que diz repudiar o racismo, mas sua tentativa constante de afirmar isso, seja por palavras ("eu voltaria no Obama", diz Dean) ou atitudes, deixa Chris cada vez mais desconfiado. É para o amigo gente boa Rod (Lil Rel Howery), um divertido agente de segurança, que ele vai contar por celular suas suspeitas de que há algo muito errado naquele lugar, sobretudo pelas atitudes de Georgina e Walter, estranhamente conformados, como se fossem robôs ou houvessem passado por uma lavagem cerebral. As desconfianças vão se agravar após a chegada à festa de Sebastian (Keith Stanfield), outro negro, acompanhado de sua mulher, uma branca muito mais velha. A reação aparentemente agressiva de Sebastian ao flash do celular de Chris - foto que ele vai mandar para Rod posteriormente - faz disparar o alarme na mente do fotógrafo. Só que aí ele vai perceber que caiu em uma armadilha.

(SPOILERS A SEGUIR)
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O próprio espectador vai começar a ficar nervoso justamente com a chegada de Sebastian, pois vai reconhecer nele o jovem que, no prólogo do filme, é sequestrado por um homem encapuzado quando caminhava rumo a um suposto encontro. Ele, na verdade, é Andrew Logan, um conhecido de Rod e Chris, dado como desaparecido há meses, como o agente vai descobrir em sua investigação quando Chris não retorna do final de semana com os Armitage. A essa altura, o fotógrafo já descobriu da pior maneira possível quem é a família de sua namorada: perpetradores de uma técnica desenvolvida pelo patriarca, já falecido, que lhes permitia, por meio da hipnose, transformar pessoas negras em seres submissos, inclusive de forma sexual. Pior que isso: com uso de cirurgia, conseguem fazer uma espécie de transplante de consciência, tornando a vítima um tipo de hospedeiro. E, pior ainda: Chris será o próximo, leiloado em um silencioso evento entre todos os brancos na festa. Os momentos finais do filme, quando Chris consegue driblar os Armitage e iniciar sua represália para poder fugir, explicam as atitudes dos convidados com o fotógrafo.


"Corra!" também reserva uma crítica à suposta paranoia envolvendo o racismo, evidente na sequência em que Rod, extremamente preocupado com o sumiço do amigo e quase próximo da verdade após descobrir o desaparecimento de Andrew, procura a polícia para contar suas suspeitas e é recebido com incredulidade e risadas dos policiais - dois dos quais são negros. Ou seja, o racismo muitas vezes é tomado como exagero - uma forma de minimizar um problema não só grave como repulsivo: até declarações públicas racistas (seja como piada ou como exposição de estereótipos) tendem a ser relevadas por conta de "exageros" de quem se sente ofendido.

Interessante é saber que o final do filme, quando Chris mata todos os algozes (o que me vez vibrar a cada contra ataque) e descobre a verdade sobre Georgina e Walter (para os quais foram transplantadas as lembranças dos pais de Dean), havia sido modificado por conta da má reação da plateia em exibições prévias. No original, depois de estrangular Rose, a última que ainda o perseguia, Chris é preso. Na cadeia, condenado, revela a Rod que está tranquilo, pois conseguira parar a loucura dos Armitage. Na versão dos cinemas, é Rod quem aparece e resgata Chris. Ambos vão embora e deixam Rose, que fora baleada por Walter num instante de lucidez (que o leva a se matar depois), sangrar até a morte na estrada (eu, particularmente, passaria com o carro por cima da vadia, tamanha a revolta que aquela trama imoral me provocou).

Longe de ser apenas um filme de terror psicológico, "Corra!" é uma reflexão sobre as considerações feitas sobre o racismo hoje e a condenação do "politicamente correto" quando o assunto é ofensa racial. É para isso que serve a situação absurda mostrada por Peele na trama: nada é tão absurdo e inacreditável que não possa se tornar, em algum momento, uma verdade pavorosa.

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

LIVROS: "O conto da Aia", de Margaret Atwood (The handmaid´s tale, 1985)


- CONTÉM SPOILERS SOBRE O LIVRO E A SÉRIE -
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É preciso, inicialmente, estabelecer um elo interessante entre o livro de Margaret Atwood e sua adaptação televisiva de 2017: um acaba complementando o outro, preenchendo lacunas e diminuindo a angústia que se pode sentir na história contada em primeira pessoa por Offred, único nome pelo qual a personagem é identificada na obra escrita. Assim, fica difícil até eleger o que é melhor: se o livro, que nos permite uma viagem intimista pelos pensamentos da Aia condenada à servidão e submissão, ou o filme, que revela os destinos sobre personagens apenas citados nas lembranças da jovem - seu  marido Luke e sua filhinha, de quem foi separada após sua tentativa frustrada de fuga para o Canadá, e a mãe -, sempre incertas sobre os rumos que tomaram após o desaparecimento dos Estados Unidos e a ascensão da república de Gilead.

Offred - cujo nome real não é revelado no livro, enquanto na série foi batizada como June (e no filme de 1990, como Kate) - começa a contar ao leitor seu dia a dia na convivência com o Comandante e a esposa Serena Joy, como Aia do casal. Em Gilead, estado teocrático, totalitário, militarizado em constante guerra, as Aias são mulheres férteis selecionadas (geralmente solteiras, feministas e amasiadas) e preparadas para o único papel de reprodutora, já que as taxas de natalidade caíram assustadoramente nesse futuro hipotético - resultado de radiação. Em uma reprodução patética literal de uma passagem bíblicas (em que a mulher de Jacó, Raquel, estéril, oferece sua criada ao marido para que ela pudesse conceber e assim lhes dar filhos "sobre seus joelhos"), elas participam de um ritual sexual bizarro no qual são estupradas pelo seu comandante sob o olhar da esposa, teoricamente infértil (o machismo de Gilead não admite a infertilidade masculina). E bizarrice não falta nesse novo mundo criado: há rituais para execuções de desafetos (os "salvamentos") e para o nascimento das crianças geradas pelas Aias, entre outros.

Assim, nessa aparente conversa com o leitor, a Aia vai mostrar sua rotina diária, interrompida aqui e ali pelas lembranças da sua vida com Luke, como se tornaram amantes e depois se casaram após o divórcio dele, a filha de ambos, as mudanças graduais que começaram a acontecer na sociedade e culminaram no extermínio do presidente americano e todo o congresso, resultando daí a república de Gilead, fundamentada na interpretação literal dos escritos bíblicos mas que ainda esconde uma fachada depravada (como bem o mostra a existência e o funcionamento do bordel Casa de Jezebel). Nessa nova ordem, revistas e leitura são proibidos a ponto de placas de estabelecimentos serem identificadas apenas por desenhos; nas novas castas surgidas, as Tias são responsáveis pela doutrinação e controle das aias, numa verdadeira lavagem cerebral que não raro usa a violência física e psicológica; e as Marthas são relegadas aos afazeres domésticos.

É nessa cumplicidade estabelecida como o leitor que reside a angústia de "O conto da Aia": Offred expõe seus sentimentos, seus conflitos e dúvidas. Como só temos contato com a realidade absurda e apavorante de Gilead através de seus relatos, compartilhamos de sua agonia em não saber o que houve com Luke, sua filha, sua mãe (personagem que não aparece na série, pelo menos na primeira temporada), sua amiga Moira e Ofglen, de quem se aproxima depois de uma certa desconfiança (afinal, Aias podem ser submissas ao extremo a Gilead, e mesmo cúmplices no controle autoritário de comportamentos e atitudes. Uma passagem em que as Aias são estimuladas a lincharem um homem - supostamente acusado de estupro e assassinato, em uma solenidade pública, prova bem isso). Em determinado momento, Offred imagina várias hipóteses sobre o destino de Luke: pode estar morto, pode ter conseguido atravessar a fronteira, pode estar aprisionado em algum lugar da nova república. Em outros episódios, ela se mostra insegura e até mesmo se julga conforme suas ações (como a aproximação súbita com o Comandante, da qual imagina poder tirar algum proveito). No filme, sabemos, Luke foi ferido na fuga, conseguiu sair do país e começa a busca por Offred; a filha de ambos, batizada de Hannah na adaptação, passou a ser criada em Gilead; e Moira conseguiu empreender uma fuga espetacular e reencontra Luke. Aqui cabe citar mais uma diferença entre livro e série: o marido de Offred é branco, assim como sua filha e Moira. Na adaptação, a mudança da etnia imprimiu um tom mais dramático e reflexivo à trama.

Quando se lê o livro e se assiste ao filme (ou vice versa), dá para sentir essa "complementação", o preenchimento das lacunas angustiantes na história de Offred. A forma brilhante como Margaret Atwood coloca as palavras da Aia no papel é genial dentro do retrocesso desse novo mundo, onde homossexuais, opositores e intelectuais representantes da "antiga ordem" - principalmente se forem mulheres - são eliminados e expostos no Muro, pendurados em ganchos e com as cabeças envoltas em sacos - uma ironia cruel, pois o local dos suplícios era, na era pré Gilead, uma universidade.

Para concluir, Margaret Atwood nos brinda com um epílogo que se passa em 2195, quando aparentemente a república de Gilead deixou de existir e todos os fatos ocorridos da sua ascensão até sua derrocada são objetos de estudo em uma convenção de pesquisadores em uma outra situação histórica, onde as gravações feitas por Offred (sim, no final das contas suas palavras eram realmente faladas, registradas em fitas) foram encontradas enterradas e fazem parte do material a ser analisado. Como prova a nossa própria História, Gilead e seu retrocesso moral, político e social passaram (ou ainda passarão?) e também ficaram (ficarão?) relegados a registros históricos a serem recuperados para compreensão do novo presente.

sábado, 9 de dezembro de 2017

FILMES: "Que horas ela volta?" (2015)


Val (Regina Casé) é a empregada doméstica com quem toda a família de classe média sonha. Mora há mais de dez anos no emprego, num quartinho dos fundos, onde até guarda eletrodomésticos para a casa onde um dia pretende morar. Nordestina, manda dinheiro todos os meses para a terra natal, onde sua filha Jessica é criada por tios. Afetuosa, cria com carinho o filho do casal de patrões, um menino praticamente ignorado pelos pais que desenvolve um elo afetivo muito maior com a empregada. Quando o menino se torna um jovem que conta com a cumplicidade de Val para driblar a atenção do pai e da mãe para recuperar um pacote de maconha e nas noites de insônia procura a criada para lhe fazer cafuné até conseguir dormir, vem a notícia: a jovem Jéssica (Camila Márdila) está a caminho de São Paulo, onde irá prestar vestibular para o curso de Arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) - a mesma onde o filho dos patrões irá fazer o exame. Aí a vida de Val se tornará uma verdadeira tempestade.

No filme de Anna Muylaert, Regina Casé faz uma interpretação comovente e divertida de Val, mulher simples, conformada com o pouco caso que a família rica lhe presta, apesar de ser tratada como parte dela - isso na visão dos patrões, um casal de posses mas medíocre: a mulher, Bárbara (Karine Telles) é uma fashion designer que disfarça o descaso com Val por meio de um falso carinho (em uma cena, Val lhe dá um jogo de xícaras e cafeteira de aniversário, ela agradece mas relega o presente para ficar guardado para uma "ocasião especial", que não será a festa daquela mesma noite, para espanto da empregada); o marido, Carlos (Lourenço Mutarelli), é um rico herdeiro solitário que dorme em quarto separado da esposa e, carente, se sente atraído por Jéssica; e Fabinho (Michel Joelsas) é o filho postiço: para ele, Val é a amiga confidente e cúmplice. Todos eles, no entanto, a despeito da relação de confiança e amizade com a pernambucana, deixam claro o limite entre patrão e serviçal.

A chegada de Jéssica, a quem Val não via há dez anos, começa a abalar essa relação, para horror da mãe da jovem: a garota é bem recebida por todos, mas deixa claro para a empregada que não gostou de saber que ficaria hospedada na casa dos patrões. Sua inteligência e forma sincera de lidar com as situações incomoda Bárbara, encanta Carlos e Fabinho. A jovem logo acaba ficando no quarto de hóspedes a convite de Carlos, o que aborrece Bárbara. Assim começará uma "guerrilha" na qual Val chegará a entrar em desespero: a filha a cutuca para abrir os olhos para a relação de exploração estabelecida pelos patrões, mas a mãe insiste em manter aquele status quo no qual mergulhara há muitos anos. Com o tempo e as reações da filha, que sempre a chama pelo nome, Val vai desenvolver uma reflexão que logo a fará enxergar na chegada de Jéssica - e na descoberta casual de um segredo da filha - a oportunidade de reparar seus erros e evitar que eles se repitam na vida da jovem.
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(SPOILERS A PARTIR DAQUI)
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Há um aspecto interessante no filme, que não se trata da eterna guerra de classes sociais, e sim na hipocrisia das relações artificialmente criadas para tentar esconder as desigualdades. Para poder criar sua filha e lhe garantir um futuro melhor, Val deixa Pernambuco e se emprega no Morumbi como babá e, posteriormente, criada. Logo seu papel vai além disso e ela é considerada membro da família, mas sempre a serviçal acostumada a levar água para seus patrões. Com a chegada de Jéssica, essa relação começa a se revelar em sua essência: o fato de a filha da empregada se candidatar a uma das faculdades mais concorridas é recebida pelos ricos com espanto e incredulidade, principalmente por Bárbara. O fato de Fabinho rir do sotaque pernambucano de Jéssica ("Olha, ela fala igual à Val") expõe um comportamento tanto estúpido quanto ignorante de uma geração sem empatia alguma. Apenas Carlos se propõe a pajear a jovem vestibulanda, querendo saber mais sobre seus estudos, mostrando-lhe a casa, levando-a a lugares da capital paulista onde há exemplos de arquitetura moderna, mas com segundas intenções.

No meio de tudo, a reaproximação entre Val e Jéssica parece mais complicada por conta da personalidade contestadora da jovem, que não admite ver a mãe tão submissa e conformada. Essa critica a filha por suas atitudes "sem noção" junto aos patrões. Então chega a descoberta do segredo: Jéssica tem um filho pequeno, José, a quem deixara em Pernambuco para tentar uma vaga na FAU, de certa forma repetindo o que Val fizera muitos anos antes. O ponto de ruptura começa quando Fabinho não passa no vestibular e Jéssica é aprovada. A forma como Bárbara e o rapaz reagem à notícia, com incredulidade e maus disfarçados sarcasmo e ressentimento, é um dos momentos mais cruéis do filme: o fato da filha da empregada alcançar a meta, enquanto o jovem de boa vida tem um desempenho pífio, gera comentários que não chocam Val em sua mansidão. Mas como uma forma de mostrar que "quem pode, pode", a família decide mandar Fabinho para a Austrália, onde fará intercâmbio por dois anos. Com a partida do rapaz, a quem criara quase como um substituto de Jéssica, o elo é quebrado, e Val pede demissão a uma surpresa Bárbara para morar com a filha em um pequeno apartamento, mandando-a buscar seu netinho para, enfim, em um recomeço, levarem a vida a que se negara por tantos anos.

O título é uma referência a uma frase repetida no início e quase no final do filme. No começo, Fabinho, ainda criança, está na piscina sob o olhar de Val, até um momento em que chega para a então babá e pergunta que horas a mãe voltaria. Perto do encerramento da trama, Jéssica revela à mãe que fazia a mesma pergunta em Pernambuco para a família, pois sentia falta dela. E assim, resolvida a situação, Jéssica passa a tratar Val por "mãe". É chegada a bonança.

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

FILMES: "No mundo de 2020" (Soylent green, 1973)




Na abertura de "No mundo de 2020" (Soylent green, 1973), dirigido por Richard Fleischer, em apenas dois minutos, é mostrada a desagregação do planeta Terra em vários fotogramas que aceleram conforme a passagem do tempo, dos tranquilos ambientes do século 19 até a loucura moderna com poluição, superpopulação, calor extremo e miséria. É nesse ambiente, projetado no ano 2022 em uma Nova York de 40 milhões de habitantes e altas temperaturas, que o policial Robert Thorne (Charlton Heston) é encarregado de investigar o assassinato de um rico empresário, William Simonsen (Joseph Cotten), morto a golpes de gancho sem oferecer nenhuma resistência ao seu algoz, um jovem recrutado entre a população miserável que lota as ruas da metrópole.
 
O autor do crime e o mandante são logo revelados, mas o mistério é saber tanto a motivação do assassinato quanto a razão da inércia de Simonsen diante da própria execução. Para isso, Thorne  conta com a ajuda de um amigo investigador, Sol Roth (Edward G Robinson, em seu último filme e uma participação emocionante), já idoso, que conhecera as belezas do mundo de outrora. Ao mesmo tempo, acaba se envolvendo com Shirl (Leigh Taylor Young), uma "mobília" de Simonsen - uma espécie de empregada-amante que faz parte do aluguel do apartamento, do mesmo jeito que várias outras mulheres. É ela quem vai dar algumas pistas para Thorne, que se recusa a abandonar a investigação mesmo com a determinação de seu chefe Hatcher (Brock Peters), este já devidamente pressionado pelo pessoal do governador Santini (Whit Bissell), ligado à empresa Soylent, que fornece alimentos para a população - na verdade, uma espécie de comida sintética produzida na forma de barras a partir de plânctons dos oceanos. A resolução do mistério é surpreendente e sinistra, explicando tanto a atitude de Simonsen diante de seu assassino quanto dos demais personagens que descobrem o segredo mortal. Mas até chegar à solução, Thorne terá que enfrentar ameaças à sua própria vida.

O filme é uma distopia chocante que se fia nas piores previsões malthusianas sobre o futuro da humanidade. A escassez de alimentos naturais - encontrados agora apenas a preços exorbitantes para classes ricas - leva à produção de comidas sintéticas, dadas diariamente a multidões nas ruas de Nova York. O próprio Robert se aproveita da investigação para surrupiar alimentos e produtos de limpeza do apartamento da vítima. As pessoas miseráveis se aglomeram em escadas, corredores e igrejas pela falta de imóveis. Água quente é um dos privilégios dos ricos. Os mortos não são sepultados, mas descartados em uma espécie de estação de tratamento. Além disso, morre-se também quando se deseja, em uma espécie de eutanásia assistida na qual as pessoas podem se encantar com imagens coloridas e belas do passado do planeta. Um universo totalmente deprimente e decadente, onde seres humanos são divididos entre os ricos e poderosos e os miseráveis e abandonados, quase uma fábula sobre um futuro alternativo muito real e talvez mais próximo do que se imagina.

"No mundo de 2020" é baseado no romance "Make a room! Make a room!", escrito por Harry Harrison e publicado em 1966.

In memoriam: Irving Wallace (1916-1990)



Conheci a literatura de Irving Wallace por volta de 1986, quando li seu mais recente livro (na época), “O sétimo segredo”, emprestado por um colega de classe no 1º grau (atual ensino fundamental). Em dois dias “devorei” o livro, e foi só o primeiro dele que me conquistou. Depois disso, seguiram-se “O milagre”, “O elixir da longa vida”, “Os sete minutos”, “O fã-clube” e “A sala vip” - uma pequena parte das 19 obras de ficção e outras dezenas de não ficção deixadas pelo escritor norte-americano, morto em 1990 por um câncer no pâncreas.

Hoje não vejo publicações de Irving Wallace reeditadas, o que é uma pena. A última que ainda vi foi uma edição de bolso de “Os sete minutos”. O restante você só acha em sebos. Uma lástima, já que Wallace é da época de ouro dos best sellers que marcaram a minha adolescência, ao lado de Harold Robbins e Sidney Sheldon, que terão posts futuros.
Wallace ia além do modelo óbvio dos best sellers, limitado a uma heroína, muito sexo, tramas diabólicas, reviravoltas constantes na trama, agilidade na narrativa (nada desabonador, já que best sellers se propõem a divertir na maioria das vezes). Em qualquer livro dele você acha temas atemporais, criativos, reflexivos e polêmicos. Se suas obras fossem relançadas com o mesmo fervor com que eram naqueles anos, tenho certeza de que iria repetir o sucesso daquela época. Irving bolava suas tramas com base em fatos e pesquisas, e sua narrativa nos fazia viajar para os lugares mais distantes. Em suas histórias, ele acabava por propor uma reflexão sobre as atitudes humanas frente à ciência, ao preconceito, à religião, à sexualidade e à censura. Como não admirar “O milagre”, uma história que polemiza o confronto entre religião e ciência? Ou “O fã-clube”, sobre os efeitos nefastos da sexualização das celebridades pela mídia? E sem falar na criatividade de “O sétimo segredo”, uma realidade alternativa onde o Terceiro Reich tenta se reerguer no mundo.
 
Em tempos de literatura fasciculada, rasteira e com tramas repetitivas, nesse ramo dos thrillers Wallace faz muita falta. A seguir relaciono os seis livros que li, com um pequeno resumo e minhas considerações.

“O sétimo segredo” (The seventh secret, 1985) – nessa trama interessante, Wallace parte da premissa de que o ditador nazista Adolf Hitler forjou o próprio suicídio e o da amante, Eva Braun, vindo a morrer de velhice e deixando a missão de recriar o Terceiro Reich nas mãos de Eva, agora chamada Evelyn Hoffman. Um historiador e escritor da biografia do Führer, professor Harrison Ashcroft, encontra, 40 anos após o final da Segunda Guerra Mundial, pistas sobre a verdade e acaba morrendo em um estranho acidente de trânsito em Berlim Ocidental. Sua filha, Emily, resolve continuar o trabalho do pai, mas acaba ficando na mira de um grupo neonazista que em segredo tenta dar continuidade ao Terceiro Reich de Hitler. Ao seu lado estão o arquiteto Rex Foster e uma agente do Mossad, o serviço secreto israelense, Tovah Levine. O livro é eletrizante e cheio de suspense e surpresas, o primeiro livro que li de Wallace e pelo qual ele me conquistou!

“Os sete minutos” (The seven minutes, 1969) - Na Califórnia dos anos 1960, o livreiro Ben Fremont o é preso acusado de vender o livro "Os sete minutos", considerado obsceno. Escrito por J J Jadway, um romancista obscuro, a obra revela os pensamentos de uma mulher durante os sete minutos de sua relação sexual. Uma batalha judicial tem início, com base na liberdade de expressão, mas a situação se complica quando uma jovem é morta após ser agredida e estuprada pelo namorado, supostamente sob influência do livro. O advogado Mike Barrett luta contra o tempo para livrar seu cliente da cadeia, e para isso vai investigar a vida de J J Jadway, descobrindo seus segredos e os usando a seu favor.  Outro best seller de Wallace, vibrante em suas passagens no tribunal e na excelente reviravolta nas últimas páginas. Essa obra foi um libelo pela liberdade de expressão, pornografia e contra a hipocrisia, com momentos sensacionais ambientados no tribunal. Foi adaptado para o cinema em 1971, com direção de Russ Meyer. Eu vi esse filme na Bandeirantes há muitos anos, e detestei por conta do final modificado e, por isso, absurdo.

“O milagre” (The miracle, 1984) - esse livro eu considero genial porque faz veladamente críticas à mídia e à manipulação religiosa, bem como abrange os conflitos entre ciência e religião. Na cidade de Lourdes, na França, é anunciada o terceiro segredo da freira Bernadette Soubirous: a aparição da Virgem Maria no santuário. Quando a notícia corre, o centro de peregrinação se torna o palco de uma trama de batalhas ideológicas, assassinatos e tramas políticas. Uma jornalista, Liz Finch, é encarregada de cobrir os eventos para a API, mas, inconformada com a superficialidade da pauta, sempre está à procura de alguma notícia de maior impacto, como denunciar a farsa do milagre. Na pequena cidade francesa, ela irá cruzar com diversos personagens em uma trama cujo pano de fundo é a nova aparição da Virgem Maria, mas recheada de intrigas políticas, conflitos entre fé e conhecimento, chantagens e mentiras, até o surpreendente final.

“O elixir da longa vida” (Pigeon project, 1979) - a trama abrange a busca da humanidade pela longevidade e o que se faria em nome dessa obsessão. Na Rússia, um cientista britânico descobre uma fórmula que pode levar o ser humano a viver pelo menos até os 180 anos. Sua descoberta, entretanto, é desejada pelas autoridades da então União Soviética, em plena Guerra Fria, enquanto o cientista quer compartilhar sua importante descoberta com todos os seres humanos, conflito que vai resultar em uma verdadeira perseguição que ultrapassa várias fronteiras na Europa, com traições, mentiras, fugas espetaculares e muita violência. Uma história sensacional que revela a face obscura do ser humano.

  “O fã-clube” (The fan club, 1974) - esse livro é talvez o mais violento e cruel de Wallace, entre todos os que li, e o que faz uma crítica ácida à espetacularização da vida das celebridades, mostrando suas consequências. Um grupo de homens funda um fã-clube para a atriz Sharon Fields, sempre mostrada como uma mulher sexy, provocante e em busca de aventuras sexuais. Obcecados, acabam sequestrando a mulher e a confinando em uma casa num lugar ermo. Entretanto, ao se revelarem para ela, conhecem a verdadeira Sharon, diferente da farsa midiática feita em torno de sua imagem. Temerosos de serem presos, resolvem mantê-la prisioneira e a submetem a todo tipo de violência sexual, enquanto seus amigos e agentes procuram descobrir seu paradeiro. Sem ter como escapar, Sharon vai encenar a falsa imagem de mulher sexy e sedutora para iniciar um jogo perigoso com seus algozes, a fim de conseguir se libertar.

“A sala VIP” (The golden room, 1989) - o último livro de Wallace que li. Gostei, mas não chegou a ser um dos meus preferidos. As irmãs Aida e Minna Everleigh são donas de um bordel de luxo em Chicago e lutam contra as investidas do prefeito da cidade para fechar o prostíbulo. O livro trata da batalha de ambas contra as ameaças do gestor e ainda precisam enfrentar duas situações: a chegada de seus sobrinhos, que desconhecem a atividade das tias; e o desaparecimento de várias das prostitutas da casa, vítimas de um assassino em série.

Fora "Os sete minutos", relançado em 2011 pela BestBolso, do grupo Record, os demais títulos não foram republicados, e hoje só são encontrados em sebos, como verdadeiras raridades - cheguei a ver um exemplar de "O milagre", muito bem conservado, sendo vendido por quase R$ 60 na Estante Virtual. Uma injustiça com um dos grandes escritores dos anos 1970-80. Mas há um fio de esperança, já que a editora Record relançou os títulos de Sidney Sheldon, aproveitando a produção literária de Tilly Bagschawe com a "marca" criada com o nome do escritor após sua morte - particularmente, achei um desastre, mas isso fica para outro post.

VIAGEM: Cabaceiras, PB (06/04/2024)

Pela terceira vez viajei à Paraíba nas férias - e a primeira vez com meu marido Érico -, e essa foi a oportunidade de realizar um sonho, alé...