Pela quinta vez fui a
Parintins durante o festival folclórico – a terceira a trabalho,
depois de um intervalo de dez anos. Em 2008 e 2010, fui a passeio. No
último ano, já comecei a ter outro olhar a situação do evento,
considerada a maior da região Norte – e não gostei muito do que
vi. A festa no bumbódromo é uma coisa. Fora, é uma repetição do
que há em Manaus, com forró, brega e funk de mau gosto – aliás,
posso dizer, com risco de ser mal interpretado, que a maioria dos
visitantes da capital amazonense empestam a cidade, juntamente com a
maior parte dos turistas de outros lugares. Quem conhece o festival e
Parintins antes, durante e depois do evento, sabe muito bem que estou
correto.
Atenhamos-nos, porém,
ao festival deste ano (a esculhambação na cidade já foi tratada em
outro post meu em julho de 2010), o 48º da ilha tupinambarana, palco
do centenário – ainda que questionado – de Caprichoso e
Garantido. Uma nova empresa organizou tudo, a Tucunaré Turismo –
rebatizada, nos corredores, para Candiru Turismo, tamanho o incômodo
causado aos que foram trabalhar na festa. As críticas pularam de
todos os lados. E para não parecer injusto, cabe esclarecer que os
dois bumbás tiveram papel neste que, sem dúvida, deve ter sido o
pior festival de todos os tempos – profissionalmente falando.
Comecemos pela
transmissão. Até hoje, praticamente duas semanas após o fim do
festival, não consigo entender como foram fechados contratos com
emissoras diferentes – uma para cada bumbá. O resultado disso pode
ser testemunhado nos comentários das redes sociais por quem
conseguiu ver um, mas não conseguiu o outro boi. A hipótese para
tal decisão estranha: briga de diretorias, cada uma querendo ser
melhor que a outra, para mostrar o seu bumbá como o melhor em tudo –
como se isso dependesse da emissora escolhida. Cadê a unidade do
festival? Nesse momento, o festival folclórico de Parintins deixou
de existir para se tornar o festival folclórico do Caprichoso e o
festival folclórico do Garantido. E a ilha que se dane, é só um
palco mesmo... Lógica de Zé Mané.
Temos agora um
bumbódromo ampliado, com iluminação nova, som novo, espaço para
cadeirantes e transmissão em tempo real para portadores de
deficiências auditivas. Mais de R$ 40 milhões – corrijam-me se eu
estiver esquecendo algo na cifra, por favor – para haver mais
espaço para quem possa pagar. Claro, porque o povão mesmo se
espreme nas arquibancadas para torcer pelo seu bumbá. Pelo lado de
fora, parece monumental. Fora do festival, a estrutura será
utilizada para atividades educativas, o que foi devidamente divulgado
pelo governo do Estado. Torço, sinceramente, pelo sucesso dessa
empreitada. Chega de interior abandonado!
Quem trabalhou na
cobertura do festival ficou espantado, mas não com a grandiosidade,
e sim com detalhes não levados em conta e que causaram um tremendo
incômodo. Os corredores sob as arquibancadas, onde ficaram
concentradas as redações da mídia e a organização (segurança,
engenharia e outros), viraram labirintos de vigas que poderiam
arrebentar a testa dos mais distraídos. Pela falta de um sistema
decente de escoamento, esses mesmos corredores viraram piscinas. Água
nos banheiros também, pelo menos durante o dia, foi um item ausente.
Em frente à sala destinada ao jornal Amazonas em Tempo, o piso teve
que ser quebrado para arrumar alguma coisa (até hoje não sei o que
diabos era aquilo).
As novidades que
poderiam fazer a diferença no bumbódromo foram um tremendo fiasco.
O espaço dos cadeirantes ficou um nível um pouco acima do fosso da
imprensa, de frente para a arena, onde fotógrafos se espremiam para
tentar capturar a melhor imagem – sim, porque o acessofoi restrito;
ninguém mais poderia passear livremente pelos camarotes ou pela
arquibancada para tentar fazer imagens diferentes, mais marcantes.
Ainda com a parafernália de equipamentos colocados em frente, aos
cadeirantes foi difícil assistir as apresentações. Arrisco dizer
frustrante, até. Involuntariamente, os fotógrafos “cortaram o
barato” dessas pessoas. E ainda havia outros desfilando por lá,
parando justamente naquele ponto e atrapalhando mais ainda a visão.
Sugestão? Vamos respeitar essas pessoas, tornando o setor mais alto,
com rampas, para que elas também tenham direito à diversão.
Aí chegamos aos
surdos-mudos. Bacana a iniciativa do telão, com uma intérprete de
libras “traduzindo” (perdoem-me se não é o termo adequado) as
letras das toadas. Só que um único telão, que logo era encoberto
pelas gigantescas alegorias dos bumbás, se revelou uma tremenda
trapalhada, para não dizer uma gigantesca inutilidade. Que tal
instalar outros painéis, mais altos, em vários pontos do
bumbódromo? Os R$ 40 milhões não foram suficientes?
Chegamos a nós, da
imprensa. A Candiru, ops, Tucunaré Turismo, restringiu muito o
acesso dos profissionais para a cobertura. Até compreensível, para
evitar a entrada de pessoas que queriam ver o festival de pertinho
sem pagar ou ir para a arquibancada das galeras. Mas a papagaiada
começou no credenciamento: nos jornais impressos, só foram
permitidos dois repórteres e dois fotógrafos, enquanto que o número
de colunistas sociais era quatro. Convenhamos: quatro profissionais
que se matam de trabalhar para fazer uma boa cobertura e outros
quatro que só passam pelos camarotes para puxar o saco e massagear o
ego de “celebridades” e dondocas. Onde está a lógica disso?
Valorizar o fútil em vez do profissional? V.S.F.!
Antes dos
aborrecimentos no fosso – espaço que ainda foi disputado por um e
outro profissional de “imprença” que saracoteava mais que o povo
da galera -, os primeiros dias antes do festival já indicavam o
terror: nossa equipe precisou alugar mesas e cadeiras, porque os
“bunitos” da organização não providenciaram tudo, conforme já
havia sido acordado em Manaus uma ou duas semanas antes da nossa
viagem (apenas para situá-los, chegamos a Parintins dia 21 de
junho). Sem entrar em muitos detalhes para não parecer muito rodeio,
fomos praticamente relegados a segundo plano. Até para acessar o
bumbódromo por um caminho mais rápido houve “burrocracia”,
porque o portão mais próximo se tornou exclusividade de acesso para
os colegas de uma das emissoras que iria transmitir o festival. Isso
não engoli até hoje, tamanha minha indignação.
Com essa esculhambação
toda, demos o famoso “jeitinho brasileiro”. Um dos colegas que
não foi credenciado a tempo usou a credencial de outro que não foi
ao festival, para poder acessar o infame fosso. A fotógrafa de nossa
equipe só conseguiu imagens gerais da festa porque tinha uma
credencial do camarote da Coca-Cola – e ainda assim foi barrada em
vários lugares (como se nos importasse registrar atores da rede
Globo enchendo a cara e vendo o festival – duvido, sinceramente,
que tenham pago por tudo isso). O outro fotógrafo teve que se
acotovelar no fosso com os outros. Os repórteres tiveram que
escolher um lado do bumbódromo para ficar, porque transitar entre os
dois pontos era uma missão quase impossível. E assim conseguimos
trabalhar, até mesmo superando o desânimo com tanta falta de
respeito e planejamento decente.
O festival de Parintins
está se tornando um produto exclusivo para televisão. A mídia
impressa não tem mais o respeito adequado. Não reclamo tratamento
VIP, isso pouco me interessa. Deixo isso para aqueles que fazem
questão disso, de serem paparicados, quase carregados no colo – e
sem merecer, diga-se de passagem. Eu me queixo da falta de estrutura
ideal para fazermos nosso trabalho. Se ficar naquele fosso, sem
acesso a nenhum outro lugar, é cobrir o festival, melhor parar aqui.
Enquanto os bumbás
brigam para serem donos do festival, Parintins vira uma baderna. Ao
que parece – e isso meus colegas que moram lá podem confirmar ou
desmentir -, organização ali só acontece nessa época para maquiar
a cidade para turistas. Não vi placas de sinalização até o dia da
festa dos visitantes. Há poucos sinais de trânsito – e para uma
cidade com mais de 100 mil habitantes, isso é uma deficiência
gravíssima. Tudo o que tratei no post de julho de 2010 eu poderia
repetir aqui – a falta de respeito com a população da ilha,
principalmente. Dá para se ter uma ideia da arrogância dos bumbás
pelo comportamento de um item feminino, que durante entrevista com
nosso repórter, visivelmente mal humorada, respondeu evasivamente
suas perguntas sem tirar o olhar - e os dedos - de seu celular. Para
sorte do bumbá, foi o último ano da “estrelinha”.
Se toda essa
esculhambação não tiver fim, podem ter certeza de que o sucesso do
festival folclórico de Parintins está com os dias contados. Vai
voltar a ser aquela disputa em cima de um tablado, porque ninguém
aguenta desaforo e desorganização por muito tempo, haja o dinheiro
que houver por trás. Aliás, até hoje não sei quem lucra com esse
festival, pois a cidade continua com infraestrutura precária e a
maior parte da população vive na informalidade – dado confirmado
por uma pesquisa dos estudantes de Comunicação Social da
Universidade do Estado do Amazonas (UEA) em Parintins, repassado por
um colega.
Uma cidade com um
evento desse porte há muito tempo deveria ter deixado de ser
sazonal. Os dirigentes dos bumbás vivem bem, claro, mas não se ouve
falar das famílias dos criadores de Caprichoso e Garantido. Muita
gente sai lucrando nessa época, fora os patrocinadores. Algo de
muito errado está por trás desse festival. Será que Parintins vai
disputar com Manaus o título de Sucupira do mundo real? Lá, boi já voa. Tirem suas
conclusões.
Para não dizerem que
só reclamo, tenho que fazer elogios. Quanto à organização, a
segurança foi muito eficiente – e isso foi bom porque todo mundo
sabe que a rapiocagem de Manaus pega o barco para tocar o terror em
Parintins (não é mentira!). Tenho que parabenizar, como sempre, os
torcedores das galeras de Caprichoso e Garantido, que ainda guardam a
essência do festival com sua garra. Vendo-os, é possível se
emocionar e esquecer a canalhice que enfrentamos. Quanto à
cobertura, todos os jornalistas que lá estiveram e passaram pelo
mesmo sufoco restrições merecem todos os elogios. Em Parintins,
agora, não basta ser profissional (ainda que o conceito para a
organização, aparentemente, seja registrar caras e bocas). É
preciso ter sangue de barata para acabar se tornando um herói da
informação.
Gostei das críticas, principalmente a que se refere ao trecho a seguir: "...quatro profissionais que se matam de trabalhar para fazer uma boa cobertura e outros quatro que só passam pelos camarotes para puxar o saco e massagear o ego de “celebridades” e dondocas. Onde está a lógica disso? Valorizar o fútil em vez do profissional? V.S.F.!".
ResponderExcluirParabéns! Sigrid.