Por William Gaspar*
Esperança. O símbolo
kryptoniano no peito do Superman sempre definiu bem o que a maioria
dos fãs sentem em relação às produções relacionadas ao herói.
Fazer comparativos aos dois primeiros filmes do “escoteiro” é no
mínimo justo e tentar esquecer seu “retorno” é uma tarefa que
levaremos para a vida, mas não vou fazer comparações e sim definir
a nova trajetória do “Homem de Aço”.
Bom, vamos começar do
começo. Chamado para dirigir, Zack Snyder tenta desesperadamente não
ser ele mesmo, emulando outros cineastas com seu filme. Comparar os
flashbacks em Smallville com o trabalho feito no filme “A Árvore
da Vida” é obrigatório, com o alienígena crescido na terra
contemplando a beleza da vida e explorando os EUA. São nessas cenas
que o público consegue se relacionar com Clark Kent (Henry Cavill),
vê-lo não como um alienígena, mas como alguém com sentimentos tão
comuns quanto os seus.
Logo a seguir, o Homem
de Aço pega alguns brinquedinhos emprestados da super caixa do J.J.
Abrams, enchendo a tela com efeitos e brilhos que ofuscariam até a
minha querida Enterprise. Isso tudo combinado a um resquício do
estilo do próprio Snyder, que filma lutas como ninguém, com seus
takes mais longos e físicos, privilegiando o impacto. Aqui, não só
Kal-El parte pra porrada, como até seu pai, Joe-El (Russel Crowe,
ótimo), abandona a fachada de cientista calmo e nerd para revelar-se
um sujeito cheio de recursos e capaz de tudo para defender a família
e o planeta. O mix fica completo com aquele visual dessaturado, meio
bruto e sisudo, que Nolan tornou tão popular em O Cavaleiro das
Trevas.
Explicando a história
em fragmentos, com boas elipses (o corte que acontece depois da queda
da nave no Kansas é surpreendente) e flashbacks emotivos, O Homem de
Aço não é um filme de heróis típico. Entre as cenas emotivas,
permite-se explosões e ação no melhor estilo Os Vingadores (um dos
capangas do General Zod é o Hulk perfeito) com direito a momentos
que lembram a devastação maluca dos Transformers e as lutas do
Dragon Ball Z, com deuses se engalfinhando e cidades caindo.
Entre esses momentos
épicos e tops, há um filme menor ali, sobre um homem em busca de
sua própria identidade, alguém em uma jornada de autoconhecimento
que o levará a diversos cantos dos EUA, tendo como bagagem apenas os
valores dos pais. O roteiro de Nolan e David S. Goyer é bastante
claro na maneira como vê o Superman. Como nas análises clássicas,
aqui ele é o messias, o enviado à Terra para nos guiar,
incompreendido e temido por nós. Há pelo menos três passagens que
não deixam margem a dúvidas: Superman é Jesus Cristo em "O Homem de
Aço" (o vitral da igreja, a menção à idade e a partida cruciforme da nave de Zod) e as implicações religiosas desse fato, ainda que
pouco exploradas (já que ia encher o saco se explorassem mais),
interessam os realizadores. É aí que entra o realismo de Nolan: no
interesse pelas implicações filosóficas, sociais e religiosas da
descoberta de que não estamos sozinhos no universo (mas isso é papo
de nerd. Vamos esquecer).
Seguindo... Com sua
atuação, Henry Cavill não deixa espaço para qualquer, eu repito,
qualquer comparação que poderia existir com Christopher Reeve. Ele
é seu próprio Superman, Clark Kent e Kal-El. Interpreta com emoção
e com a ferocidade que determinadas sequências requerem. No meio de
tudo isso, arranca suspiros de parte do público aparecendo sem
camisa em diversas ocasiões.
Igualmente incrível (e
maluco) está Michael Shannon, mais surtado do que nunca. Seu General
Zod é obcecado e irredutível, mas tem suas razões para tal, já
que é um escravo de seu próprio papel, a representação alienígena
da ordem e da proteção. A ele nunca foi dada nenhuma opção de
escolha pela sociedade kryptoniana - e isso o torna um vilão dos
melhores que já vi em qualquer filme baseado em quadrinhos.
O elenco secundário
(lê-se: que ganha menos) é igualmente determinante no sucesso do
filme, para situar o herói entre dois mundos. De um lado, Kevin
Costner e Diane Lane. Do outro, Russel Crowe e a mulher que
interpreta Lara (sabe Deus o nome da atriz), cada um representando um
conjunto moral que Superman necessitará para definir seu lugar.
Ah não posso esquecer
a gatinha da Amy Adams, que interpreta a icônica jornalista
investigativa Lois Lane. Ainda que a personagem esteja perfeitamente
alinhada com a criação das HQs, a necessidade de colocá-la no
centro da ação é um dos pontos fracos do filme. Provavelmente
inseguros se o público se relacionaria efetivamente com Clark, deram
a Lois a função de ser a âncora da humanidade no filme. O problema
é que isso gera alguns momentos incompreensíveis (como o convite
para subir a bordo da nave de Zod. Não sei o que ela tinha que fazer
lá).
Um dos momentos mais
controversos do filme é a batalha final entre Superman e o General
Zod. A decisão de mostrar o super-herói - até hoje um dos grandes
símbolos do altruísmo, benevolência e a incapacidade de matar -
assassinando seu oponente (Lordes da justiça?).
Com certeza vai ter
gente criticando e falando bobagem, mas cá entre nós, heróis assim
não fazem mais o estilo dos fãs. Os tempos são outros e como o
próprio diretor disse uma vez, a inocência terminou.
Vale lembrar, porém,
que não é a primeira vez que Superman mata em uma história. O
próprio General Zod e dois capangas figurantes de outra a dimensão
foram mortos pelo herói usando kryptonita em Superman #22.
O monstro Apocalipse
também foi morto pelo Superman - mas voltou à vida depois - na
série A Morte do Superman. Mais recentemente, a versão "Novos
52" do kryptoniano matou parademônios, que foram estabelecidos
como criaturas inteligentes.
Nesse mesmo universo,
ele desferiu um golpe fatal em uma humana possuída (Superman #3)
para impedi-la de destruir Metrópolis - no processo, apenas a
entidade que a manipulava morreu, mas Superman não sabia que isso
aconteceria. Outras criaturas e personagens foram mortos pelo Homem
de Aço em sua loooooga história, mas a grande maioria em arcos
ambientados em realidades paralelas ou outras mídias. No game
Injustice, por exemplo, o Kal-El do futuro faz inúmeras vítimas. O
Superman assassino, portanto, não é uma exclusividade de O Homem de
Aço.
Por fim, o espetáculo
visual que é "O Homem de Aço" escapa imune e diverte, com um
desfecho que marca quem é este novo e sisudo Superman, que chega
adaptado ao momento, carregando os valores pelos quais é conhecido,
mas alguém que é capaz de reagir e tomar o controle da situação.
Ainda que seu "S" represente a esperança, um Homem de Aço
para os novos tempos.
* Jornalista
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