Julie Zérac (Kristin Scoth-Thomas) no Museu do Holocausto: segredos em família |
Em
julho de 1942, Sarah Starzinsky (Mélusine Mayance) e seus pais foram
presos pela polícia francesa que arrebanhava todas as famílias
judias na Paris ocupada pelos nazistas para enfurná-los durante dois
dias em condições deploráveis no Velódrome H’iver (Velódromo
de Inverno), primeira parada antes do envio da capital francesa ao
campo de extermínio de Auschwitz, no sul da Polônia invadida pela
Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial. No entanto, a pequena leva
consigo a chave do armário onde trancara o irmãozinho Michel, em
uma atitude desesperada de salvá-lo de um destino até então
desconhecido.
É a
história da menina judia, contada em “A chave de Sarah” (Elle
s’apelant Sarah/Sarah’s key), do diretor Gilles Paquet-Brenner, que
irá marcar, mais de 60 anos depois, a vida da jornalista Julie Zérac
(Kristin Scoth-Thomas), empenhada em escrever uma reportagem sobre o
episódio que mostrava o colaboracionismo francês para a execução
do Holocausto. Suas pesquisas acabam mostrando que a tragédia de
Sarah e sua família acaba, no final das contas, tendo uma ligação
direta com a própria história de Julie, casada com o arquiteto
Bertrand Zérac (Frédéric Pierrot) e mãe de uma adolescente, e
agora prestes a descobrir uma gravidez inesperada em plena
maturidade.
O
apartamento dos pais de Bertrand, Julie descobre, era ocupado pelos
Starzinsky até serem presos e deportados. A partir dessa descoberta,
a vida da jornalista se firma em uma obsessão na busca do destino de
Sarah e seu irmão Michel – o casal Starzinsky, eventualmente, foi
assassinado em Auschwitz com outros 75 mil judeus franceses durante a
Segunda Guerra Mundial.
A família Starzinsky capturada em Paris: episódio vergonhoso |
“A
chave de Sarah” expõe, além do colaboracionismo francês com as
perseguições nazistas, os traumas que ficaram para os sobreviventes
– a exemplo de “A escolha de Sofia” (1980), de Alan Pakula –
e para quem se envolve na história. Na busca pelo destino de Sarah,
Julie acaba descobrindo vários segredos envolvendo a família do
marido.
O
filme não traz elementos comuns a outros com o mesmo tema. Somente
as cenas do Velódrome, onde os 13 mil judeus franceses foram
aprisionados, e do campo de transição de onde foram gradualmente
enviados para Auschwitz – exibidas no prólogo e entrecortadas com
a narrativa da busca de Julie - tratam diretamente do Holocausto. A
reflexão aqui cabe não apenas ao papel dos franceses e suas
autoridades com a Solução Final, mas também à necessidade de que
a enormidade de um dos crimes mais monstruosos do século 20 não
seja esquecida. Em uma das cenas, dois jovens jornalistas demonstram
total desconhecimento a respeito do episódio do Velódrome, não
documentado pelos nazistas. O esclarecimento vem da própria Julie:
“não foram os alemães”. Ou seja, a barbaridade até então
estranha ao comportamento francês começa a ser revelada. E isso vai
afetar profundamente a vida de Julie.
Publicado no caderno Plateia, jornal Amazonas em Tempo de 19/05/2013