Na última quarta-feira, 17, testemunhei pela primeira vez, nos meus três anos e meio como funcionário do Judiciário amazonense, uma prisão feita em pleno cartório. Um cidadão processado, salvo engano, por porte ilegal de arma, apareceu acompanhado de sua mãe para saber informações sobre seu processo, pois recebera uma intimação.
Uma consulta no sistema leva à localização dos autos, e consta que o rapaz tem sua prisão preventiva decretada. Sem que ele saiba, para evitar sua evasão, o juiz determina que os policiais do Fórum subam ao cartório e efetuem a prisão do réu, o que acontece sob o olhar surpreso e depois desesperado da mãe do jovem. Mas uma conversa com ela expôs os motivos daquela detenção: posto em liberdade provisória, o cidadão deixara de comparecer às audiências desde sua saída da cadeia, nunca sendo localizado em seu endereço, segundo os oficiais de Justiça encarregados de cumprir o mandado, fazendo com que o Ministério Público requeresse - e o juiz decretasse - sua prisão preventiva para assegurar o andamento processual. E somente naquele dia, aproveitando seu comparecimento, ele foi novamente preso - e o mandado de prisão havia sido encaminhado pelo menos um mês antes à delegacia responsável pelo seu cumprimento.
Tem ocasiões em que é difícil manter-se alheio a essas situações, sobretudo quando vemos uma mãe desesperada sem entender a razão pela qual seu filho estava sendo algemado diante dos seus olhos. Mesmo tranquilizada pela nossa diretora, que explicou a razão da prisão, a mulher não se conformava. Foi então que ela contou a história, mostrando a que ponto chegam as falhas no Judiciário.
Segundo aquela senhora, o oficial de Justiça responsável a havia encontrado em casa, enquanto o rapaz estava no trabalho. Ela o pôs em contato com o jovem por telefone, recebendo a informação de que o funcionário da Justiça iria no dia seguinte ao seu trabalho entregar-lhe pessoalmente o mandado de intimação para audiência. Isso nunca aconteceu. O oficial devolveu o mandado ao cartório certificando que não encontrara o destinatário da intimação. E pronto. Estava feita a armadilha para o réu, que acabou sendo preso por conta da má-fé de um funcionário do Judiciário - um preguiçoso, certamente, se não for de marca pior.
Essa história deve se repetir em outros cartórios, em outros Judiciários pelo Brasil afora. Só mostra como o aparelho da Justiça segue ainda meio sem rumo. O Conselho Nacional de Justiça meteu o bedelho em tudo para tentar arrumar a casa. Mais atrapalhou que ajudou. Impuseram uns procedimentos que só irão causar mais lentidão e burocracia no Judiciário, caso sejam realmente seguidos. Criaram umas metas que até que deram certo em agilizar situações que vinham se arrastando há anos, mas por outro lado causaram insatisfação aos trabalhadores do poder, que trabalham uma hora a mais, de graça, sem necessidade alguma, pois a carga horária não influi na agilidade dos processos, e sim o dinamismo do pessoal. E nisso não há investimento, apenas um descontentamento que, mais dia, menos dia, vai resultar em greve. O que aconteceu com o rapaz é uma prova disso. Além do mais, a merda - com o perdão da expressão - começa na gênese do processo judicial, que é o inquérito. Informações não são confirmadas, dados não são pesquisados, e isso causa um randevu na vida de muita gente inocente (eu sou um exemplo disso, pois nunca consigo tirar uma certidão cível, uma vez que um elemento homônimo tem vários processos nessa área, e mesmo com os dados sendo diferentes eu preciso provar que não sou eu). Você não imagina quantas situações assim acontecem todos os dias ali, de pessoas que precisam provar, por conta dessas falhas, que são homônimas de quem responde processos.
Enquanto essa baderna prossegue, o CNJ tenta arrumar a casa, mas sem grandes avanços. Não adianta cobrar se não existe investimento. Os grandes senhores não perceberam isso, ainda. E talvez nunca percebam, acomodados em seus gabinetes.
Ah, sim! Quanto ao rapaz, dois dias depois da prisão, foi interrogado e sentenciado a uma pena alternativa, sendo novamente posto em liberdade. Quando compareceu hoje para tomar ciência da sentença, recebeu minha orientação: aparecer novamente para saber se o processo já seguiu para a vara de penas alternativas e saber onde iria cumprir a pena. Era o mínimo que eu podia fazer para evitar novos transtornos ao cidadão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário