quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

FILMES: "Bye bye Brasil" (1980)

O Brasil estava nos últimos anos da ditadura militar e nos primeiros momentos da transição para a democracia quando "Bye bye Brasil" chegou aos cinemas. O filme de Carlos Diegues, simples, cru e carregado de humor, trouxe uma visão de um país dentro de outro país, onde a tecnologia da televisão ainda não chegara e onde as ilusões do progresso cobravam seu alto preço.

É essa nova realidade que a "Caravana Rolidei", formada pelos artistas ambulantes Lorde Cigano (José Wilker), a dançarina e prostituta eventual Salomé (Betty Faria) e o musculoso e mudo Andorinha (Príncipe Nabor) quando chegam a uma pequena cidade do sertão nordestino e percebem que o seu público diminuiu. A culpa, Cigano constata, é das "espinhas de peixe", como ele jocosamente se refere às antenas de televisão: o povo começa a despertar para a caixa de imagens, abandonando o espetáculo mambembe. Então a caravana parte em busca de lugares onde a nova tecnologia ainda nem existe, pelas estradas do sertão, em direção ao sonho de riqueza anunciado por um caminhoneiro (Carlos Kroeber) que cruza com o grupo: Altamira, no Pará, terra de progresso, por onde a nova rodovia Transamazônica passa e conduz diversos sonhadores.


A essa altura, junta-se ao grupo um casal do interior: o sonhador sanfoneiro Ciço (Fábio Júnior) e sua esposa grávida Dasdô (Zaira Zambelli), submissa ao marido e boa cozinheira. Paralelo à luta pela sobrevivência, com episódios que chegam a ser hilários (como quando Cigano explode uma televisão em praça pública para forçar a população da cidade a procurar diversão da caravana, levando à expulsão dos artistas), Ciço se apaixona por Salomé, enquanto Dasdô passa aos poucos a ser assediada por Cigano.


As aventuras da trupe são emocionantes, revelando um Brasil mais real e cruel: o país da miséria, da falta de perspectivas, do descaso, da ganância, das obras faraônicas e da depredação. Em meio a isso, Salomé se recusa a ceder ao amor de Ciço mesmo após uma noite de sexo entre ambos, enquanto Dasdô vai cedendo a Cigano. Quando a filha do casal nasce, em plena estrada, a dançarina dá mais um ultimato ao sanfoneiro: "pegue sua mulher e sua filha e volte para casa". Ciço fica.


Quando o grupo chega a Altamira, percebe que foi ludibriado pelo caminhoneiro: a Transamazônica existia há mais tempo que o informado pelo caminhoneiro e a cidade estava praticamente "inchada" de aventureiros em busca de dinheiro. Quando Cigano perde o caminhão da caravana e todos os bens do grupo em uma aposta de queda de braço entre Andorinha e um rival, Salomé é levada a se prostituir. Andorinha, que se culpa pela desgraça de todos, abandona o grupo e desaparece. 

No final do filme, Carlos Diegues dedica a obra ao povo brasileiro do século 21, e isso pode ser entendido com o epílogo da história: forçado por Salomé e Cigano, Ciço embarca com Dasdô e a filha em um ônibus rumo a Brasília, enquanto os artistas seguem para Belém. Anos depois, na capital federal, todos voltam a se encontrar: Ciço e Dasdô com um grupo de música nordestina, acompanhados da filha; Salomé e Cigano, que conseguiram ganhar muito dinheiro com contrabando,  com uma nova "Caravana Rolidei", mais moderna e com novos integrantes, em busca de novas aventuras pelas estradas do país. Ou seja, um povo que sobrevive às dificuldades com muita luta, ainda que muito difícil. "O sol nunca mais vai se por", diz Cigano, rumo a um destino incerto, como na música tema de Chico Buarque.


FILMES: "Creepshow" (1982)

Um diretor badalado, um escritor popular em ascensão e uma lenda dos efeitos de maquiagem. Esse encontro só poderia dar bons frutos.

Era 1981. George Romero colhia frutos na carreira cinematográfica após lançar um marco com "A noite dos mortos vivos" na década de 1960; Stephen King já caíra no gosto popular após ter suas primeiras obras adaptadas para o cinema: "Carrie, a estranha" (1976) e "O iluminado" (1980), além da minissérie para a TV "Os vampiros de Salem" (1978); e Tom Savini ganhava admiradores por conta de seu trabalho impressionante com maquiagem e efeitos visuais em "Sexta-feira 13" (1980). Os três se juntaram (Romero como diretor, King como roteirista e Savini nos efeitos visuais) e criaram "Creepshow" (1982), que pode não ser uma obra espetacular dirigida por Romero, mas fascina ainda hoje pela originalidade na abordagem das histórias episódicas, agora fazendo uma justa homenagem às deliciosas revistas de terror das décadas de 1960-70, ao estilo da saudosa "Cripta do Terror", itens raros de colecionador.

"Creepshow" reuniu um elenco de atores veteranos e outros ainda iniciantes naqueles anos. Vemos aqui Fritz Weaver, Hal Halbrook, Adrienne Barbeau, Leslie Nielsen e outros atuando ao lado dos jovens Ted Danson e Ed Harris em cinco histórias curtas de terror transpostas de uma HQ de horror tomada do menino Billy (Joe Hill, filho de Stephen King que anos depois seguiria os passos do pai na literatura fantástica e de terror) pelo seu pai intolerante, Stan (Tom Atkins), e jogada na lata de lixo. À medida que o vento arrasta a revista e move suas páginas, as histórias começam a se transformar em tramas com atores reais, sem abrir mão dos efeitos gráficos (fundos coloridos, efeitos de luz azul ou vermelha, caixas de texto). O resultado é nostálgico!


Depois do prólogo onde são apresentados a revista e o condutor das histórias - um esqueleto encapuzado -, somos apresentados à história "Dia dos Pais". Nela, a família Grantham se reúne para o jantar tradicional da data: Sylvia (Carrie Nye), seus sobrinhos Cass (Elizabeth Regan) e Richard (Warner Shook), além de Hank (Eddie Harris), marido de Cass. Todos esperam Bedelia (Viveca Lindfors), que sete anos anos, naquela mesma data, matara o próprio pai, o velho intolerante Nathan Grantham (John Lormer), golpeando-o com um pesado cinzeiro, após saber que ele fora o mandante do assassinato de seu noivo e depois de ele atormentá-la exigindo um bolo pelo Dia dos Pais. Antes de encontrar os demais familiares (ela é tia de Sylvia), Bedelia visita o túmulo do velho Grantham e tem uma péssima surpresa: o cadáver putrefato sai da sepultura em busca do tal bolo, acabando com todos que cruzam seu caminho, a começar pela filha assassina. Humor negro de revirar o estômago!


A segunda história, "A morte solitária de Jordy Verril",  é marcante porque é protagonizada pelo próprio Stephen King. Canastrão até não poder mais, ele interpreta o caipira fracassado Jordy Verril, que vê uma esperança de mudar de vida quando um meteorito cai em sua propriedade: ele já se imagina ganhando muito dinheiro com a descoberta. Ao apanhar o objeto espacial, entretanto, ele acaba libertando uma espécie de vegetação alienígena que começa a tomar conta do terreno e do próprio corpo do fazendeiro, levando-o ao desespero. As caras e trejeitos de King são muito engraçados, mas com a sua interpretação exagerada ele conseguiu gerar empatia por um ser humano cuja vida é tão marcada por fracassos que o tornou um conformista.


O terceiro episódio é o meu preferido: "Maré alta" (também traduzido como "Indo com a maré"). Nele, o empresário Richard Vickers (meu saudoso Leslie Nielsen) descobre a traição da mulher Rebecca (Gaylen Ross) com Harry (Ted Danson) e resolve vingar-se de uma maneira cruel: enterra os amantes na praia durante a maré baixa, deixando-os apenas com a cabeça fora da areia, e arma todo um equipamento para transmitir a morte lenta de ambos, assistindo seu afogamento na maré alta no conforto de sua própria casa. Entretanto, uma reviravolta vai colocar o vingativo marido em péssimos lençóis: o casal volta dos mortos para um acerto de contas.


"A caixa", a quarta história, me deixou muito assustado quando vi o filme pela primeira vez, em 1984. O zelador de uma universidade, Mike (Don Keefer) encontra por acaso uma caixa escondida sob uma escada num porão, datada de 1894. Ele comunica a sua descoberta ao professor Dexter Stanley (Fritz Weaver), crente de que pode ser algo de possível importância científica. Mas ao abrirem a caixa libertam uma criatura assustadora que devora carne humana. Mike e outro aluno, Charlie (Robert Harper), acabam sendo despedaçados e devorados pelo monstro. Stanley escapa e recorre ao seu amigo Henry Northrup (Hal Holbrook), também professor, que aproveita a situação para planejar uma revanche contra sua esposa Wilma (Adrienne Barbeau), uma mulher vulgar, alcoólatra, arrogante e debochada que sempre humilha o marido na primeira oportunidade. Uma excelente mistura de humor e medo.


O melhor fica para o episódio final! Em "Vingança barata" (também traduzido como "Elas rastejam sobre você"), E. G. Marshall intepreta Upson Pratt, um bilionário que se isolou do mundo em um apartamento totalmente estéril, cercado por alguns móveis e aparatos tecnológicos que estabelecem sua ligação com o resto da sociedade. Paranóico com limpeza e com pavor de germes, Pratt é uma péssima pessoa, um racista arrogante, capaz de tripudiar sobre o sofrimento alheio: ele comemora o suicídio de um de seus pares e faz pouco caso da viúva chorosa que lhe telefona para amaldiçoá-lo. Durante um blecaute, Pratt acaba encarando seu grande pavor: um verdadeiro batalhão de baratas que aparecem por todos os lados de seu apartamento. A cena final, com as baratas saindo do corpo de Pratt, foi chocante para a época e jamais me saiu da cabeça. Impressionante trabalho de Savini!


Além de King, Tom Savini também faz uma ponta no epílogo do filme, como um lixeiro que encontra a revista "Creepshow" de Billy e percebe que o cupom do pedido de um boneco vodu havia sido recortado dela. Más notícias para o pai autoritário do garoto!

No DVD relançado no final de 2017- um pack que traz também filmes roteirizados ou inspirados em obras de Stephen King "Creepshow 2", "A criatura do cemitério" e "Às vezes eles voltam" -, há um breve especial sobre a origem do filme e alguns bastidores. O melhor de tudo é ver que eu não estava imaginando coisas: o tal cinzeiro usado por Bedelia para matar seu pai aparece em todas as histórias! A imagem está perfeita, e vale a pena ter o lançamento como item de colecionador.


Depois do bom trabalho em "Creepshow", cinco anos depois Romero produziu sua continuação, "Creepshow 2", que acabou ficando muito aquém da qualidade do original, com histórias fracas, elenco sofrível (principalmente no episódio "A balsa", com atores ruins de doer) e falta da característica gráfica típica das HQs do primeiro. Totalmente dispensável.

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

MINISSÉRIES: "Ventos da guerra" (The winds of war, 1982) e "Lembranças de guerra" (War and remembrance, 1988)


Elenco de "Ventos da guerra", que foi trocado em sua maior parte na sequência, "Lembranças de guerra"


A primeira vez que eu tive alguma visão dessa adaptação da volumosa obra de Herman Wouk foi quando, anos atrás, assisti a alguns trechos da minissérie "War and remembrance" (Lembranças de guerra") no documentário "Imaginary witness: Hollywood and the Holocaust", exibido pela HBO, cujo tema era o tratamento dado à perseguição e extermínio do povo judeu europeu pelo nazismo na produção cinematográfica após o final da Segunda Guerra Mundial. Eram cenas fortes pelo seu realismo: judeus (homens, mulheres e crianças) sendo fuzilados na ravina de Babi Yar, em Kiev, e o desespero de vários outros enquanto morriam dentro de uma câmara de gás em Auschwitz. Bastou isso para ter interesse em descobrir a obra completa.

Depois de muita pesquisa, consegui descobrir onde baixar a minissérie, tanto aquela dos trechos exibidos no documentário quanto sua predecessora, "Ventos da guerra" ("The winds of war"), as duas produzidas e dirigidas por Dan Curtis, com roteiro do próprio Herman Wouk. Não foi uma tarefa nada fácil. Ambas são produções hoje raras, indisponíveis em DVD /BD e streaming, encontradas apenas em sites de compra e venda. Até mesmo os livros dos quais foram adaptados só são encontrados em sebos (foi assim que os consegui).

"Ventos da guerra", exibido no Brasil pela rede Globo como "Sangue, suor e lágrimas", creio que em 1983 ou 1984, trazia um elenco muito bom, com atores veteranos e outros que estavam despontando para o sucesso naqueles anos: Robert Mitchum, Ali McGraw, Topol, Jan-Michael Vincent, Polly Bergen, Victoria Tennant e tantos outros. Entretanto, "Lembranças de guerra", a segunda parte da saga das famílias Henry e Jastrow, produzida cinco anos depois, trouxe mudanças em parte do elenco, o que, para quem só veio assistir tudo após quase três décadas da exibição original, causou um pouco de estranheza, uma vez que eu já havia me acostumado com os intérpretes anteriores. Mas são coisas da indústria do entretenimento, portanto, aceitáveis ainda que com restrições (nada a ver com o talento do elenco substituto, irrepreensível).
Jan-Michael Vincent como Byron Henry e Ali McGraw como Natalie Jastrow em "Ventos da guerra"

A minissérie toda é focada na trajetória de personagens de duas famílias do início ao fim da Segunda Guerra Mundial. Os Henry (Victor, sua esposa Rhoda e seus filhos Byron, Madeline e Warren) são ligados à Marinha norte americana; os Jastrow (o escritor Aaron, sua sobrinha Natalie), são judeus que vivem em Siena, na Itália. Antes da invasão da Polônia pela Alemanha, que deflagra o conflito mundial, Byron Henry (Jan-Michael Vincent, substituído na sequência por Hart Bochner em razão de outros compromissos profissionais - segundo se diz) aceita trabalhar como assistente do professor Aaron Jastrow (John Houseman, que faleceu depois e foi substituído na sequência por John Gielgud). Na cidade italiana, conhece e se apaixona por Natalie Jastrow (Ali McGraw, substituída na segunda parte por Jane Seymour), sobrinha do professor, namorada do secretário da embaixada americana na Itália, Leslie Slotes (David Dukes). A história do envolvimento de ambos vai se misturar com os primeiros anos da guerra na Europa e a opressão gradual da população judaica em todo o continente.

Enquanto isso, o pai de Byron, Victor "Pug" Henry (Robert Mitchum) observa como oficial da Marinha os fatos que gradualmente levarão os Estados Unidos a entrarem na guerra. Ele é casado com Rhoda (Polly Berger) e pai também de Madeline (Lisa Elbacher, substituída depois por Leslie Hope) e Warren (Ben Murphy, trocado na sequência por Michael Woods), aviador. A relação familiar acaba ficando complicada pela guerra, gerando triângulos amorosos com Palmer Kirby (Peter Graves) e Pamela Tudsbury (Victoria Tennant), filha do jornalista Alistar Tudsbury (Michael Logan, substituído por Robert Morley na continuação).

Jane Seymour como Natalie Henry e John Gielgud como Aaron Jastrow em "Lembranças de guerra"

"Ventos da guerra" termina com o ataque a Pearl Harbor, em dezembro de 1941, e a entrada da nação norte americana na guerra contra Hitler. Além disso, mostra o início do Holocausto, com os fuzilamentos em massa de judeus da cidade de Minsk, na Bielorrússia então recém invadida pelos nazistas, fato documentado em fotos pelo judeu Berel Jastrow (Topol), primo de Natalie. Uma sequência não tão gráfica quanto aquelas vistas em "Imaginary witness", mas não menos chocantes.

"Lembranças de guerra" inicia justamente nos primeiros dias após o ataque à base naval norte americana, e a partir daí o pesadelo da guerra começa a atingir as famílias, provocando desencontros, sobretudo entre Byron, agora membro da frota de submarinos dos Estados Unidos, e Natalie, ambos casados e com o primeiro filho nascido, Louis. A partir daí as  histórias dos Henry e dos Jastrow correrão paralelas e em alguns momentos irão se cruzar em meio ao desenrolar da guerra, do aumento das perseguições nazistas, da execução do Holocausto e das tentativas de denunciá-lo ao mundo, das operações fracassadas para matar Hitler e dos conflitos amorosos e familiares de ambos os lados.

Com mais de 30 anos de idade, as duas produções ainda podem ser vistas atualmente como um ótimo trabalho de reconstituição de época, utilizando imagens de documentários e efeitos considerados hoje ultrapassados, principalmente miniaturas nas sequências de batalha no oceano Pacífico. Mas superando isso há também um elenco de apoio que parece ter sido escolhido a dedo para interpretar os personagens históricos reais: Ralph Bellamy como o presidente Franklin Roosevelt, Günter Meisner ("Ventos") e Steve Berkoff ("Lembranças") como Hitler, entre outros. Mas os que mais me chamaram a atenção, já na sequência "Lembranças da guerra", foram os atores Milton Johns como Adolf Eichmann, pela sua semelhança física com o executor do Holocausto, e Günther Maria Halmer, intérprete do comandante de Auschwitz, Rudolph Hoess - personagem que ele já havia interpretado antes em "A escolha de Sofia", de 1982.

As duas partes da minissérie servem como um importante registro histórico da Segunda Guerra Mundial, sobretudo o que se relaciona com o Holocausto, mostrando as engrenagens propulsoras de um dos crimes contra a humanidade mais horríveis já cometidos em razão de sua concepção e execução quase industrial. Vale a pena procurar pela internet os links disponíveis. Mais difícil, porém não impossível, é achar legendas compatíveis, principalmente para "Ventos da guerra", pois nos capítulos finais localizei apenas legendas sem sincronia ou divididas em dois arquivos, complicando assistir, pois cada capítulo tem a duração de um filme normal (alguns chegam a quase duas horas e meia). Mas o resultado vai ser satisfatório, no final das contas. É uma volta aos anos 1980 que vale muito a pena.

VIAGEM: Cabaceiras, PB (06/04/2024)

Pela terceira vez viajei à Paraíba nas férias - e a primeira vez com meu marido Érico -, e essa foi a oportunidade de realizar um sonho, alé...