Um diretor badalado, um escritor popular em ascensão e uma lenda dos efeitos de maquiagem. Esse encontro só poderia dar bons frutos.
Era 1981. George Romero colhia frutos na carreira cinematográfica após lançar um marco com "A noite dos mortos vivos" na década de 1960; Stephen King já caíra no gosto popular após ter suas primeiras obras adaptadas para o cinema: "Carrie, a estranha" (1976) e "O iluminado" (1980), além da minissérie para a TV "Os vampiros de Salem" (1978); e Tom Savini ganhava admiradores por conta de seu trabalho impressionante com maquiagem e efeitos visuais em "Sexta-feira 13" (1980). Os três se juntaram (Romero como diretor, King como roteirista e Savini nos efeitos visuais) e criaram "Creepshow" (1982), que pode não ser uma obra espetacular dirigida por Romero, mas fascina ainda hoje pela originalidade na abordagem das histórias episódicas, agora fazendo uma justa homenagem às deliciosas revistas de terror das décadas de 1960-70, ao estilo da saudosa "Cripta do Terror", itens raros de colecionador.
"Creepshow" reuniu um elenco de atores veteranos e outros ainda iniciantes naqueles anos. Vemos aqui Fritz Weaver, Hal Halbrook, Adrienne Barbeau, Leslie Nielsen e outros atuando ao lado dos jovens Ted Danson e Ed Harris em cinco histórias curtas de terror transpostas de uma HQ de horror tomada do menino Billy (Joe Hill, filho de Stephen King que anos depois seguiria os passos do pai na literatura fantástica e de terror) pelo seu pai intolerante, Stan (Tom Atkins), e jogada na lata de lixo. À medida que o vento arrasta a revista e move suas páginas, as histórias começam a se transformar em tramas com atores reais, sem abrir mão dos efeitos gráficos (fundos coloridos, efeitos de luz azul ou vermelha, caixas de texto). O resultado é nostálgico!
Depois do prólogo onde são apresentados a revista e o condutor das histórias - um esqueleto encapuzado -, somos apresentados à história "Dia dos Pais". Nela, a família Grantham se reúne para o jantar tradicional da data: Sylvia (Carrie Nye), seus sobrinhos Cass (Elizabeth Regan) e Richard (Warner Shook), além de Hank (Eddie Harris), marido de Cass. Todos esperam Bedelia (Viveca Lindfors), que sete anos anos, naquela mesma data, matara o próprio pai, o velho intolerante Nathan Grantham (John Lormer), golpeando-o com um pesado cinzeiro, após saber que ele fora o mandante do assassinato de seu noivo e depois de ele atormentá-la exigindo um bolo pelo Dia dos Pais. Antes de encontrar os demais familiares (ela é tia de Sylvia), Bedelia visita o túmulo do velho Grantham e tem uma péssima surpresa: o cadáver putrefato sai da sepultura em busca do tal bolo, acabando com todos que cruzam seu caminho, a começar pela filha assassina. Humor negro de revirar o estômago!
A segunda história, "A morte solitária de Jordy Verril", é marcante porque é protagonizada pelo próprio Stephen King. Canastrão até não poder mais, ele interpreta o caipira fracassado Jordy Verril, que vê uma esperança de mudar de vida quando um meteorito cai em sua propriedade: ele já se imagina ganhando muito dinheiro com a descoberta. Ao apanhar o objeto espacial, entretanto, ele acaba libertando uma espécie de vegetação alienígena que começa a tomar conta do terreno e do próprio corpo do fazendeiro, levando-o ao desespero. As caras e trejeitos de King são muito engraçados, mas com a sua interpretação exagerada ele conseguiu gerar empatia por um ser humano cuja vida é tão marcada por fracassos que o tornou um conformista.
O terceiro episódio é o meu preferido: "Maré alta" (também traduzido como "Indo com a maré"). Nele, o empresário Richard Vickers (meu saudoso Leslie Nielsen) descobre a traição da mulher Rebecca (Gaylen Ross) com Harry (Ted Danson) e resolve vingar-se de uma maneira cruel: enterra os amantes na praia durante a maré baixa, deixando-os apenas com a cabeça fora da areia, e arma todo um equipamento para transmitir a morte lenta de ambos, assistindo seu afogamento na maré alta no conforto de sua própria casa. Entretanto, uma reviravolta vai colocar o vingativo marido em péssimos lençóis: o casal volta dos mortos para um acerto de contas.
"A caixa", a quarta história, me deixou muito assustado quando vi o filme pela primeira vez, em 1984. O zelador de uma universidade, Mike (Don Keefer) encontra por acaso uma caixa escondida sob uma escada num porão, datada de 1894. Ele comunica a sua descoberta ao professor Dexter Stanley (Fritz Weaver), crente de que pode ser algo de possível importância científica. Mas ao abrirem a caixa libertam uma criatura assustadora que devora carne humana. Mike e outro aluno, Charlie (Robert Harper), acabam sendo despedaçados e devorados pelo monstro. Stanley escapa e recorre ao seu amigo Henry Northrup (Hal Holbrook), também professor, que aproveita a situação para planejar uma revanche contra sua esposa Wilma (Adrienne Barbeau), uma mulher vulgar, alcoólatra, arrogante e debochada que sempre humilha o marido na primeira oportunidade. Uma excelente mistura de humor e medo.
O melhor fica para o episódio final! Em "Vingança barata" (também traduzido como "Elas rastejam sobre você"), E. G. Marshall intepreta Upson Pratt, um bilionário que se isolou do mundo em um apartamento totalmente estéril, cercado por alguns móveis e aparatos tecnológicos que estabelecem sua ligação com o resto da sociedade. Paranóico com limpeza e com pavor de germes, Pratt é uma péssima pessoa, um racista arrogante, capaz de tripudiar sobre o sofrimento alheio: ele comemora o suicídio de um de seus pares e faz pouco caso da viúva chorosa que lhe telefona para amaldiçoá-lo. Durante um blecaute, Pratt acaba encarando seu grande pavor: um verdadeiro batalhão de baratas que aparecem por todos os lados de seu apartamento. A cena final, com as baratas saindo do corpo de Pratt, foi chocante para a época e jamais me saiu da cabeça. Impressionante trabalho de Savini!
Além de King, Tom Savini também faz uma ponta no epílogo do filme, como um lixeiro que encontra a revista "Creepshow" de Billy e percebe que o cupom do pedido de um boneco vodu havia sido recortado dela. Más notícias para o pai autoritário do garoto!
Depois do bom trabalho em "Creepshow", cinco anos depois Romero produziu sua continuação, "Creepshow 2", que acabou ficando muito aquém da qualidade do original, com histórias fracas, elenco sofrível (principalmente no episódio "A balsa", com atores ruins de doer) e falta da característica gráfica típica das HQs do primeiro. Totalmente dispensável.
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