O meu verdadeiro terror como editor, além de pegar um texto sem pé nem cabeça ou repleto de erros para ser reescrito, eram as pérolas. São frases escritas pelo repórter que soam absurdas e engraçadas, seja pelo uso de uma palavra "deslocada" ou de expressões trocadas.
Durante meus anos de redação como editor, deparei-me com várias dessas verdadeiras infâmias, até que chegou um tempo em que resolvi colecioná-las. Criei um arquivo e para ali copiei as pérolas da minha equipe. Foi uma forma de chamar a atenção do repórter e lhe dar um puxão de orelha para ter mais cuidado com o que escrevia. Funcionou, na maioria das vezes. E acabou virando nossa própria diversão (claro que eu não identifiquei os autores nem o farei agora, mas cada um sabia do seu lapso).
Um primeiro exemplo de abismar: uma repórter usou a expressão "tráfego de drogas". Veio-me à mente uma autoestrada em que as trouxinhas de cocaína disputavam espaço com cigarros de maconha e seringas de heroína, como se fosse um quadro bem surreal que deixaria Salvador Dali com inveja. Em outra situação a jornalista usou a expressão "o buraco tinha quatro metros de altura". Certo? Errado? Depende do ponto de vista. Creio que ela entrou no buraco, olhou para cima e calculou a altura. Mas, obviamente, tal coisa não aconteceu e foi pura falta de atenção na hora de escrever, e em vez de "profundidade", o termo usado foi "altura". Mais uma clássica: "a escada era alta a ponto de causar vestígios". Foi o fim da picada. Outro escreveu "o cidadão foi atingido por um soco no lado esquerdo do olho". Tétrico!!!! Como essas, havia dezenas de outras, mas infelizmente perdi meu arquivo quando estava no jornal O Estado do Amazonas, porém é possível sentir o drama pelo qual passei. Sem falar nos erros de sempre: "elo de ligação", "erário público" e por aí vai.
Quando não eram expressões erradas ou absurdas, eram situações aparentemente dramatizadas de forma proposital, mas que soavam ridículas. Citarei duas que são o "must" da falta de bom senso. No primeiro caso, o repórter escreveu uma matéria sobre um acidente sofrido por um motoqueiro, o qual trabalhava como entregador de pizzas. Em certa hora da noite, o entregador passava por uma determinada rua em Manaus quando surgiu em sua frente um cachorro (bom, aparentemente o animal se materializou diante do motoqueiro). O coitado do rapaz foi desviar e acabou perdendo o equilíbrio e se estatelando no chão, e as pizzas se espalharam pelo asfalto. Populares da área correram para acudir o rapaz. A história terminaria aí, não fosse o gran finale: "o cão ainda voltou ao local e comeu várias pizzas". Até hoje meu amigo Marcelo Brasil se emociona com tamanha pérola! Eu ficava em dúvida entre rir ou chorar.
O segundo caso conseguiu ser mais surreal ainda. Segundo o repórter, houve um acidente envolvendo um ônibus do antigo sistema Expresso, daqueles articulados enormes (a maioria transformados em cacarecos assustadores que ainda circulam). Em sua história, ele afirmou que o coletivo partiu-se em dois. Várias pessoas que estavam justamente no ponto articulado do veículo caíram e se machucaram bastante. E o resto? O jornalista escreveu que "a outra metade foi embora levando os demais passageiros". Difícil mentalizar tal disparate. Creio que o repórter havia assistido o filme "As incríveis peripécias do ônibus atômico", onde isso realmente acontecia. Mas ficção é ficção.
Para encerrar, um caso incrível que eu nunca havia visto antes. O repórter conseguiu um "furo", uma entrevista com um traficante de drogas chamado Keka, detido pela polícia. Seguem os trechos finais do pingue-pongue, como foram escritos, e que me assombram até hoje:
"Repórter - Mas conte para nós, Keka: quem mais está envolvido no tráfico de drogas em Manaus?
Keka - Vai te fuder, meu irmão. Quer que eu me ferre? Quer me prejudicar? Podem me matar por isso. Vai pra puta que te pariu!
Repórter - Não é isso, Keka. É que queremos ajudar na luta contra o flagelo das drogas"
Tenho ou não razão em dizer que é o mais puro terror para um editor?
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