domingo, 15 de julho de 2012

Comentário: "Rede de intrigas" (Network, 1976)


Howard Beale (Peter Finch): de jornalista em colapso a atração bizarra da UBS


Faye Dunaway como Diana Christensen
Trinta e seis anos depois, "Rede de intrigas", de Sidney Lumet, é insuperável em sua crítica mordaz e até mesmo satírica ao circo da televisão. Adapta-se bem aos dias de hoje com a profusão de reality shows e programas de auditório de gosto questionável, que não são descartados enquanto manipulam emocionalmente (e escravizam e destroem cultural e psicologicamente) milhões de telespectadores em troca de audiência e muito, muito lucro.

O roteiro, por si só, é destruidor: ao saber que seria demitido do telejornal noturno da rede UBS, o apresentador Howard Beale (Peter Finch, vencedor do Oscar por esse papel) anuncia em alto e bom som, ao vivo, que iria cometer suicídio diante das câmeras dali a uma semana. Polvorosa nos corredores da grande emissora de televisão, mas para a vice-presidente de programação, Diana Christensen (Faye Dunaway,também ganhadora do Oscar de Melhor Atriz, em um dos melhores papeis de seus filmes da década de 1970, ao lado da Evelyn Mulwray de "Chinatown"), o jornalista em gradual colapso psicológico é uma oportunidade de alavancar os índices de audiêcia da companhia.

William Holden interpreta Max Schumacher
Assim, Howard Beale passa de lunático a uma fonte de renda certa para os cofres da UBS, único objetivo de Diana, um tipo de mulher tão envolvida com a ambição de seu trabalho que não consegue se desligar nem mesmo quando está com seu amante Max Schumacher (William Holden), melhor amigo de Beale e ex-diretor de Jornalismo da emissora em quem ela passara a perna como meio de controlar a divisão jornalística e executar seu plano de transformar Howard na sua galinha dos ovos de ouro. Tal é a ganância e fascínio dessa workaholic que nem mesmo enquanto faz amor ela consegue parar de se vangloriar das tramoias por trás da luta pela audiência: o orgasmo para Diana é maior quando fala de suas vitórias pelo bem da emissora. Por seu lado, Schumacher deixa a esposa Louise (Beatrice Straight, merecidamente vencedora do Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante naquele ano ao aparecer em praticamente uma cena) para viver com a executiva um romance do qual o final ele já conhece mas ainda assim não resiste: incapaz de suportar a falta de humanidade de Diana, acaba por abandoná-la.

Beatrice Straight como Louise Schumacher
Transformado em um profeta da mídia e influente que garante audiência, Beale enlouquece - ou finge enlouquecer - e passa a falar mais do que devia no programa em que, junto com outras atrações bizarras, como uma vidente, consegue liderar a audiência da UBS. Ao revelar negócios escusos da CCA, conglomerado que controla a UBS, passa a incomodar os executivos da emissora. Daí para o final apoteótico, em que Beale é assassinado ao vivo diante das câmeras, temos uma profusão de comportamentos atemporais de quem está do lado de lá do aparelho de televisão.

Além dos três Oscars citados, "Rede de intrigas" também conquistou o de melhor roteiro original, de Paddy Chayefsky. Ao derrubar os encantos aparentes dos grandes programas de entretenimento, escracha com a falsa seriedade com que os executivos de rede tocam sua programação. É um filme que permanece atraente, forte e reflexivo até hoje, valendo a pena sempre ser revisitado e analisado principalmente quando hoje em dia pulam nas telas espetáculos bizarros como "A fazenda" e "Big Brother" ou mesmo programas mais, digamos, de certa seriedade e competitivos, como "Top Chef" e "American Idol".

Há ainda duas curiosidades que percebi após ver o filme pela segunda vez: a presença não creditada de Lance Heriksen (da série de TV Millenium e o androide de "Aliens, o resgate") em uma cena e de Conchata Ferrell (a hilária e sarcástica Berta, empregada dos Harper em "Two and a half men") como integrante da equipe de Diana Christensen. E éramos todos jovens...

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