terça-feira, 12 de junho de 2012

Comentário: "Amém" (Amen, 2002)

O oficial nazista Kurt Gerstein foi uma das testemunhas do processo de extermínio das populações "indesejáveis" (principalmente a judaica) da Europa sob ocupação do Terceiro Reich, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Seu depoimento escrito foi conhecido após o final do conflito e com a descoberta (aliás, confirmação) das atrocidades do regime de Adolf Hitler, principalmente a máquina genocida movida contra judeus, ciganos, homossexuais e outras minorias consideradas inferiores sob o ponto de vista da "raça ariana superior". Gerstein foi o responsável pelo desenvolvimento do Zyklon B, produto criado para utilização sanitária mas que teve o uso desviado para o assassinato em massa nos campos de extermínio. Diz a História, também, que o oficial tentou levar a conhecimento do Vaticano as barbaridades cometidas pelos carrascos após testemunhar o uso do produto nos campos de Belzec e Treblinka, dois dos centros de matança daquela época.

Kurt Gerstein (Ulrich Tukur, à direita)
A história de Kurt Gerstein e da inércia da Igreja Católica diante do Holocausto é contada no filme "Amém", dirigido por Costa-Gavras em 2002. Após ver a morte de famílias judias inteiras nas câmaras de gás de Belzec, o oficial, interpretado por Ulrich Tukur, tenta levar as informações sobre o fato ao Papa Pio XII (Marcel Iures), encontrando apoio no padre Ricardo Fontana (Mathieu Kassovitz). No entanto, interesses políticos impedem uma posição do Vaticano a favor dos perseguidos, e assim a Solução Final segue em andamento, até quando os judeus de Roma começam a ser arrebanhados para deportação aos campos de morte.

Ricardo Fontana (Mathieu Kassovitz)
Não há cenas típicas dos filmes sobre o tema do Holocausto, restringindo-se a trama às relações entre a Igreja Católica e o Terceiro Reich. O extermínio dos judeus é sugerido pelas imagens de trens de gado partindo fechados para os campos e retornando abertos e vazios, bem como da visão de Gersten, à distância e à noite, da tentativa dos criminosos de esconder os vestígios do assassinato em massa, desenterrando e queimando os cadáveres de suas vítimas. Porém, o filme ainda faz menção a um fato pouco explorado na história da ditadura nazista: o programa de "eutanásia" executado antes da Segunda Guerra Mundial na Alemanha, no qual milhares de cidadãos portadores de algum tipo de deficiência (mental ou física), independente de raça ou nacionalidade, foram eliminados em diversos centros médicos, asfixiados por monóxido de carbono, em nome da "purificação" da raça e como uma prévia ao que aconteceria anos depois em lugares como Auschwitz, Treblinka, Belzec, Chelmno e Sobibor. Enquanto houve posições enérgicas da Igreja Católica quanto às "mortes misericordiosas", o silêncio foi total quando a Solução Final estava a pleno vapor na década seguinte. 

O filme deixa em aberto uma espécie de cumplicidade da Igreja na cena final, com o passeio em uma tarde pós-guerra da liderança religiosa com o carrasco nazista. É o ponto em que Costa-Gavras alfineta a omissão do Vaticano, cujo impacto viria a ser minimizado décadas depois com o pedido de perdão do Papa João Paulo II à comunidade judaica pelas perseguições históricas executadas pelo Cristianismo, das quais a Inquisição e o Holocausto podem ser considerados os expoentes máximos.


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