quarta-feira, 25 de abril de 2012

De Tamara a Xuxa: um mito distorcido

Nas décadas de 1970 e 1980, o cinema nacional teve momentos de altos e baixos. Era tempo das poucas condições técnicas que acabaram muitas vezes nivelando por baixo muitas produções cinematográficas, muitas das quais conseguiam destaque pela criatividade e pela ousadia. Eram tempos de ditadura militar, censura e posteriormente abertura política e o alvorecer democrático. Nesse contexto o filme "Amor, estranho amor", de Walter Hugo Khouri, passou como todas as obras do diretor: ousado, sensual, introspectivo e com elenco repleto de belíssimas atrizes.

Passaram-se 29 anos desde a exibição do filme e "Amor, estranho amor" acabou relegado injustamente ao posto de maldito e pornográfico, mas pelas razões erradas e motivos distorcidos  por uma pendenga entre uma coadjuvante, a então iniciante atriz Xuxa Meneghel, antes de se tornar a celebridade dos "baixinhos" daquela década, e a própria indústria do entretenimento, nos primeiros passos do sensacionalismo que acabou vitimando o cinema de Walter Hugo Khouri.

A história de "Amor, estranho amor" se desenrola ao redor do menino Hugo (Marcelo Ribeiro, na época com 13 anos), ambientada na cidade de São Paulo da década de 1930/40, a partir de suas lembranças, já adulto. Ele é deixado pela avó em frente a uma mansão na capital paulista, onde na verdade funciona um bordel de luxo de Laura (Íriz Bruzzi) no qual a mãe do menino, Ana (Vera Fischer) trabalha. É ali, em meio às belas meretrizes, que ele vai começar a descobrir aos poucos sua sexualidade, seja pelo assédio das mulheres ou pelas cenas protagonizadas por elas e seus clientes ricos.


Não é pelo elenco de primeira classe da época, que contava ainda com Tarcísio Meira e Mauro Mendonça, que o filme hoje ainda tem destaque, mas sim por conta da aludida pornografia, e de uma única e rápida cena, em que a personagem de Xuxa, Tamara, uma das garotas do bordel, que será rifada entre os clientes, assedia e seduz o garoto Hugo, mas é interrompida por Ana, que a agride para proteger o filho. Demais talvez para a época, pois um ator mirim protagonizou cenas consideradas picantes, com alguma nudez. Hoje, em termos de sensualidade, há coisas mais fortes mesmo na popularizada televisão, como recentemente se viu no remake da telenovela "O astro".

Cartas na mesa. A fama posterior de Xuxa como apresentadora de programas infantis foi a mina de ouro dos executivos da indústria de entretenimento que tentavam a todo custo lucrar. O filme, cujo protagonista era Marcelo Ribeiro ao lado de um elenco de peso, passou a ser o "filme proibido da Xuxa", o "filme pornográfico da Xuxa". O próprio Ribeiro, em entrevista à Ilustrada (Folha de S. Paulo) em 2007, contou como sentiu na pele essa barbaridade sensacionalista feita para aproveitar a fama de Xuxa e como isso acabou sepultando precocemente sua carreira de ator. Contou, também, como a então atriz principiante teve sua imagem colocada entre os protagonistas como chamariz para o "consumo" do filme (clique aqui para ler a entrevista de Marcelo Ribeiro na Folha On Line).


Ainda há hoje quem se refira ao filme como "o filme de sacanagem" da Xuxa, dando um sentido injusto à película de Khouri. Só quem pode se referir a essa obra desse modo são pessoas desprovidas de um mínimo de conhecimento sobre a arte cinematográfica. Tarcisio Meira, Vera Fischer, Iris Bruzzi, Matilde Mastrangi, Walter Forster e Mauro Mendonça também participaram de "Amor, estranho amor" e chegaram, alguns deles, a protagonizar cenas bastante sensuais, mas nem por isso se diz que foram um dia atores pornôs (inclusive, Fischer e Mastrangi também fizeram cenas audaciosas com o garoto, mas não foram condenadas). Em nome do sensacionalismo barato e ridículo com vistas somente aos lucros, seu trabalho foi jogado na vala comum do lixo e ganhou uma pecha injusta de maldito. A depravação, de fato, estava - e ainda está - na cabeça de quem ainda caça o filme como uma raridade pornográfica.

Há que se esclarecer que existe uma linha que separa o erotismo e a pornografia. "Amor, estranho amor" é um drama brasileiro com erotismo. Pornografia à brasileira era o que se produzia na finada Boca do Lixo com atores e atrizes hoje esquecidos (ou igualmente finados). Erotismo envolve sentimentos, sensualidade discreta, sexo simulado como todo grande ator sabe fazer. Pornografia é escracho, sexo explícito, o famoso "fast fucking" em que os minutos de "ação" valem dinheiro. Algumas vezes o limite entre ambos é ultrapassado, mas isso faz parte de uma outra mentalidade que eventualmente desponta no meio cinematográfico de hoje (Lars von Trier, por exemplo, que usou uma cena de sexo explícito em "Anticristo"). Mas não é aqui o caso.

Marcelo Ribeiro era um ator adolescente. Como naquela época foi possível que ele fizesse cenas sensuais, é outra história. O problema foi criado quando se resolveu confundir convenientemente a personagem Tamara à atriz e apresentadora em ascensão Xuxa Meneghel (a partir de então, não foi a jovem prostituta quem molestou Hugo, foi Xuxa que molestou Marcelo Ribeiro, na visão distorcida dos sensacionalistas). Qual a melhor forma de se vender um produto que não colocar a "rainha dos baixinhos", ex-namorada do jogador Pelé e modelo, em "posições comprometedoras"? Essa foi a mentalidade doentia de quem iniciou essa má (e, repito mais uma vez, injusta) fama do filme. Naquela época, a única referência a Big Brother era o livro (e o filme) "1984", de George Orwell. Mas desde já se delineava uma indústria repulsiva que hoje é praticamente idolatrada por muitos. Quem juntou Tamara e Xuxa foi o pioneiro da baixaria hoje tão comum na cultura de massa.

Vera Fischer

Em momento algum quero defender Xuxa. Não é essa minha intenção, nunca foi. Creio que ela teve também sua parcela de culpa nesse episódio ao tentar combater da pior forma possível esse sensacionalismo criado em torno de sua participação no filme: retirando todas as cópias de circulação no mercado de video. Se fosse mais inteligente, em vez de mostrar que queria "renegar o passado", tentando esconder algo que passou a achar vergonhoso, deveria partir para a briga de frente com essa situação toda. Suas atitudes somente aumentaram o interesse distorcido pelo "filme maldito". Além do mais, acabou dando mais corda para os que veem seu sucesso como resultado de pactos demoníacos - apenas para citar, pois não pretendo nem agora nem nunca entrar nesse mérito.

Quando ela começou a fazer sucesso entre as crianças, eu já era adolescente. Assisti "Amor, estranho amor" com olhos de cinéfilo, não de pervertido sexual. E assim me mantenho até hoje. Se Xuxa fez filmes realmente pornográficos antes ou depois de "Amor, estranho amor", isso de fato não me faz diferença. Todos os personagens envolvidos nessa novela eterna deveriam ter mais respeito ao cinema nacional, essa é a verdade!

Em tempo: recomendo a leitura de um texto de Walter Hugo Khouri publicado em 1982 na Penthouse brasileira, a respeito do filme (clique aqui).


segunda-feira, 16 de abril de 2012

Animais, homens e monstros

No reino animal, a matança entre espécies é movida pelo instinto de sobrevivência: carnívoros devoram herbívoros e até mesmo outros carnívoros, mas o equilíbrio permanece. Fosse somente assim, a natureza seguiria seu rumo. Mas eis que entra o elemento humano, para quem o morticínio entre seus pares e outras espécies parece gerar um prazer mórbido. Com pouquíssimas exceções, o reino humano é isso: caos, assassinatos, perseguições, corrupção, crime e violência. Tornamos-nos as alegorias da irracionalidade e da monstruosidade. É nisso, de um modo geral, em que parte da raça humana se transformou: monstros.

Compartilhei hoje duas notícias no Facebook, a partir do site da Agência de Notícias de Direitos Animais (Anda). Curiosamente, ambas se referiam a comportamentos bestiais do mesmo lado do mundo, um Oriente movido pela superstição estúpida e pela crueldade assustadora. No primeiro fato, a Anda divulgou uma matéria sobre um zoologico digno dos piores carrascos da história, lugar em algum confim da China onde, em 2008 (e pela notícia se presume que tais ações ainda tenham lugar), vacas, galinhas, cães, gatos, bezerros e outros animais são jogados em covis de leões famintos para a diversão doentia dos visitantes, inclusive crianças, as quais assistem os bichos serem despedaçados por dezenas de criaturas selvagens esfomeadas enquanto os espectadores exultam. E essa é somente uma parte do espetáculo decadente de horrores, algo a gerar calafrios e repulsa somente na leitura do texto.

A outra matéria do site trata de um costume bárbaro em algum lugar do Vietnã, em que porcos são amarrados e esticados pelas patas para serem cortados ao meio. O objetivo da sangria é uma vil superstição: molhando notas de dinheiro no sangue do bicho sacrificado, atrai-se fortuna.

Matamos e nos alimentamos de vários animais em nosso papel dentro do ciclo da vida. Até mesmo o consumo de cães e gatos no Oriente é algo tolerável, apesar de repulsivo aos costumes ocidentais. Não há alteridade, no entanto, que faça buscar alguma racionalidade em algo além dessa simples ideia. Maltratar elefantes, cavalos, cães, gatos e quaisquer outro tipo de bichos, sejam ou não domesticáveis, sem razão aparente, pelo prazer do sofrimento alheiro, é repugnante. É expor um lado desumano, irracional, estúpido de uma identidade perversa e obscura de puro sadismo. Um elemento diferenciador entre homens e animais deixou de ser a racionalidade. Estes conseguem ser mais inteligentes e racionais em comparação aqueles. 

Uma observação do comportamento animal mostra vários pontos comuns com o dos homens, até mesmo disputas pela atenção dos parceiros sexuais, relações de poder, maternidade, solidariedade. Mas a semelhança acaba aí. Somente o homem é capaz de transformar sofrimento em diversão, perseguindo e assassinando seu semelhante, transformando-o em mercadoria, usando a violência como lazer (sim, tenho aversão total ao MMA ou quaisquer outro tipo de "esporte" baseado em uma imbecil troca de pontapés entre dois pseudorracionais), achando-se superior ao irmão diferente a ponto de tentar varrê-lo da face da terra... Alguns chegam ao ponto de trucidar pessoas para seus restos em guloseimas! E toda essa maldade deprimente ele estende a criaturas movidas por instinto, em uma clara e vergonhosa afirmação de superioridade (lembrem o caso dos dois rapazes que botaram fogo em um filhote de cachorro por "diversão", ano passado). De que tipo, é um mistério. Independente de denominação, qualquer religião prega paz e respeito (salvo as distorções do fanatismo), mas o ser humano em geral prefere a abominação.

Guardadas as devidas diferenças, cabe aqui a célebre pergunta que dá título à obra de Primo Levi, um sobrevivente dessa carnificina humana provocada pela estupidez de seus pares: "É isto um homem?". Francamente, não sei mais o que é humano.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Obsoleto é o seu avô!

Reza a lenda que uma certa figura pública amazonense chamou Machado de Assis de "obsoleto", que havia coisa melhor em termos de livros. Acho que, para ele, literatura é auto-ajuda, biografias de celebridades fúteis, caça-níqueis de personalidades envolvidas em escândalo e coisas desse naipe de gosto mais do que duvidoso.

Tivesse vindo de uma pessoa humilde, sem acesso aos estudos, eu até relevaria. Formação cultural se adquire não só por oportunidade, mas pela iniciativa própria, não importa o nível social. Mas não entrarei nesse mérito. Apenas direi que, em tempos de redes sociais e da exaltação de futilidades e grandes besteiras. Dificilmente se veem discussões a respeito das incertezas sobre a infidelidade de Capitu, da mudança de caráter de Aurélia, das lembranças de Brás Cubas ou da fidelidade das adaptações de Jorge Amado e Nelson Rodrigues. O foco agora é nos falsos heróis de reality shows movidos a baixaria, músicas para masturbadores, barulhos ritmados que tentam contar histórias sem pé nem cabeça, com refrões repletos de obscenidades repetidas até com crianças, com a aquiescência divertida dos pais, em um claro incentivo à sexualização precoce e sem controle, um belo incentivo à pedofilia.

Voltemos ao obsoleto. A dita figura questionou a qualidade de um dos grandes nomes (se não o maior) da literatura brasileira. Há alguns dias redescobri "Dom Casmurro", lido nos tempos de colégio. Não sei se a tal celebridade baré estava se referindo à linguagem extremamente culta de Machado de Assis, à poesia de suas palavras, ao contexto histórico, aos costumes retratados pelo escritor. A seu ver, provavelmente, bons livros são os que têm menos texto e mais imagens, contêm mais erros ortográficos e gramaticais que uma mente sã pode suportar e, acima de tudo, os que não contribuem em simplesmente nada para a formação cultural do leitor.

Tudo bem, cada um tem sua opinião. Que ele goste de Michel Teló, Big Brother, MC Kátia e outros desvios da inteligência humana, é um direito seu. Chamar Machado de Assis de obsoleto, também. Da mesma forma, tenho direito de declarar que usar esse adjetivo é denegrir a formação cultural brasileira. Para avaliar a literatura brasileira atual, é preciso conhecer seus primórdios. Obsoletos não são dignos sequer de um rápido exame. Renegar o texto perfeito de Machado de Assis e de outros escritores daquela época é desrespeitar a memória de nosso país. Então, eu diria à figura pública, bem ao seu nível de entendimento, "obsoleto é o seu avô!". Que, por sinal, deve ter sido um homem extremamente inteligente! O neto, infelizmente...

Lojas Romera, respeito é bom e nós gostamos!


A foto acima é de um móvel comprado por um amigo meu  em uma das lojas Romera de Manaus. Aquela mesma, que traz o simpático casal Paulo Goulart e Nicete Bruno como garotos propaganda. Preços bons, qualidade e aquele blá-blá-blá todo. Mas o que ele não sabia (e talvez a dupla desconheça) é que as lojas Romera fazem parte do grupo de empresas que não respeitam o consumidor. A suspeita veio já com a entrega do móvel, e a certeza, com uma novela de epílogo indefinido a caminho do único lugar onde o respeito ao consumidor é imposto: a justiça.

Explico: a compra do móvel (um armário bonito) aconteceu antes do Natal de 2011. A entrega só foi feita depois do Ano Novo, e a montagem, no final de janeiro. Aí já é safadeza suficiente para deixar qualquer um nos azeites! Mas o melhor estava por vir: finalizada a montagem, foi percebido o defeito em uma das gavetas, justamente esse que aparece na foto tirada há alguns dias pelo meu amigo. A solução do montador? A peça defeituosa que causa esse desvio estava em falta e seria solicitada do escritório central da Romera. Foi o que a loja, supostamente, providenciou.

Bom, isso foi no final de janeiro. Estamos na Semana Santa, e a solução não chegou. O móvel continua torto, a loja não dá um retorno decente, apesar das insistentes cobranças. Foi então que, semana passada, deveras exacerbado pela fúria com esse descaso monstruoso das lojas Romera, meu amigo decidiu botar a rede de móveis na justiça. Eu, por mim, iria mais além: faria de tudo para expulsar essa rede do Estado, tamanho o descaramento de suas propagandas enganosas.

Isso não é radicalismo. Por curiosidade, busquei na internet informações sobre queixas feitas por clientes contra a Romera. O resultado foi assustador. Sem medo de errar, posso afirmar que a cada dez citações da Romera, oito eram reclamações de compradores, relativas a móveis com defeito, prazo de entrega não cumprido, extravio de  compras e por aí vai.

É incrível como uma rede de lojas faz tão pouco caso de sua clientela. Acho que o casal Paulo e Nicete teriam vergonha de emprestar suas caras a essa empresa se soubessem de pelo menos metade dessas coisas. E a justiça está aí para ajudar - sim, ela ajuda, e muito! 

Eu já citei outros dois casos de amigos com problemas de desrespeito ao consumidor: a Claro e o site Compre da China. A primeira induziu a uma compra baseada em mentiras: um plano de internet com redução de velocidade sem cobrança de adicional, e o que veio na primeira conta foi mais que o dobro do valor da franquia contratada por conta de excedentes. A operadora foi obrigada a tirar o nome dele dos órgãos de proteção ao crédito, cancelar o débito e ainda lhe pagar R$ 1,8 mil. Já o site Compre da China, cuja mercadoria adquirida pelo meu amigo deve ter ficado presa em algum caminho entre a Ásia e o Brasil, pois nunca foi entregue, foi condenada a pagar R$ 1,3 mil de indenização pela pilantragem (e achamos que o juiz ainda foi muito bonzinho, pois esse caso foi claramente um golpe de estelionatários).

A justiça está, sim, do lado do consumidor! Afinal, respeito é bom e nós gostamos!

VIAGEM: Cabaceiras, PB (06/04/2024)

Pela terceira vez viajei à Paraíba nas férias - e a primeira vez com meu marido Érico -, e essa foi a oportunidade de realizar um sonho, alé...