O embarque para Auschwitz: 688 judeus alemães enviados para a morte |
Em 19 de abril de 1943, 688 judeus remanescentes de Berlim,
na Alemanha nazista, foram aprisionados e enviados em vagões de gado para o
campo de extermínio de Auschwitz, no sul da Polônia ocupada. Essa viagem infernal
com destino à morte é contada em “O último trem” (Der letzte zug), traduzido também como "O último trem para Auschwitz", produção
alemã dirigida em 2006 por Joseph Vislmaier e Dana Vávrová.
O trajeto dessas centenas judeus de diversas origens e
idades – famílias inteiras, casais jovens, idosos, bebês de colo – é marcado
por privações terríveis e ignoradas (e mesmo incentivadas) pelos algozes nazistas,
como falta de água e condições sanitárias nos vagões lotados – episódios que se
repetiram por toda a Europa nazista durante a Segunda Guerra Mundial com a
implementação da Solução Final. O que se passa durante a viagem fatídica é
contado do ponto de vista de vários prisioneiros enfurnados em um dos últimos
vagões – o jovem casal Henry e Lea Neumann (Gedeon Burkhard e Lale Yavas), sua
filha Nina (Lena Beyerling) e o irmãozinho de colo; o ator idoso Jakob Noschik
(Han-Jürgen Gilbermann) e sua mulher Gabrielle Hellman (Brigitte Grothum); o
casal Albert Rosen (Roman Roth) e Ruth Zilberman (Sibel Kekilli), que tentam
inutilmente fugir antes do embarque; o obstetra dr. Friedlich (Juraj Kukura) e
sua filha Erika (Sharon Brauner) com o bebê desta; e vários outros personagens
unidos pela mesma trágica sorte.
A viagem dos prisioneiros acaba se prolongando por cerca de
uma semana, piorando as condições dentro do trem. Além da falta de alimentos e
de higiene, a loucura começa a afetar alguns dos aprisionados. No vagão onde a
trama se concentra, alguns prisioneiros tentam abrir um buraco no chão aproveitando
as longas paradas do trem, na esperança de uma fuga aparentemente impossível,
ideia incentivada por Albert Rosen ainda na plataforma de embarque, para a qual
atrai Henry Neumann e outros judeus. Serrar as grades do vagão para tentar
abrir a porta e permitir a fuga de todos também é uma tentativa desesperada,
mesmo sob o risco de caírem sobre os trilhos ou serem baleados pelos guardas nazistas
que vigiam os vagões. Em meio ao drama, eles relembram suas vidas antes das
perseguições.
A cada estação, os pedidos de piedade são ignorados pela
população – principalmente por medo dos nazistas – e levam diversão aos
soldados que aproveitam cada apelo para revelar seu sadismo – sob efeito de
bebida alcoólica, atiravam a esmo para dentro dos vagões lotados ou matando indistintamente
quem se atrevesse a reclamar das privações. Em alguns casos, a água era
conseguida quando os prisioneiros, através das brechas dos vagões ou pelas
janelas, atiravam seus últimos pertences como forma de pagar pelo líquido.
A monstruosidade de um crime como o Holocausto, nesse filme,
aponta fatos que acabam sendo, de um modo comovente, bizarros. Em uma cena, os
prisioneiros veem, pelas grades do vagão, soldados armando forcas em uma das
estações. Apavorados, aguardam pelo pior, mas ao verem que outros homens judeus
foram escolhidos para serem mortos ali, abraçam-se em alegria, mesmo cientes do
destino igual que os aguardava no final da linha. Ainda assim, continuam
tentando abrir o buraco no chão do vagão após tentarem fugas infrutíferas ou
fazerem escolhas terríveis para não enfrentarem as câmaras de gás de Auschwitz:
suicídios e assassinato dos próprios familiares.
As viagens nos “trens da morte” durante o Terceiro Reich
figuram apenas como sequências em outros filmes sobre o Holocausto, como “A lista
de Schindler” e “O pianista”, mas aqui esse transporte macabro é o cenário
permanente da história. Entram como personagens não apenas vítimas e algozes,
mas pessoas que fizeram parte da engrenagem do extermínio. Um dos maquinistas,
mesmo ciente da carga que transporta, parece se conformar, mesmo lamentando as
condições às quais os judeus são submetidos, e seu colega, aborrecido, acaba
por lhe revelar: fora apaixonado por uma judia que acabara sendo assassinada.
Naqueles anos de loucura, até mesmo uma tragédia pessoal se tornava banal.