sábado, 10 de novembro de 2012

Só faltou fogueira santa na Cidade Nova - ou: pequenos ditadores, futuros genocidas


Sexta-feira, 9 de novembro de 2012. Na escola estadual Senador João Bosco Ramos de Lima, no bairro Cidade Nova, Zona Norte de Manaus, uma confusão armada por estudantes evangélicos (não se informou de qual igreja) vira notícia e chega a ser manchete hoje de um dos jornais locais. A questão era a seguinte: o estabelecimento educacional realizou um projeto chamado “Preservação da Identidade Étnico-Cultural Brasileira”, centrado na cultura agro-brasileira, mas a turminha achou que estava sendo obrigada a fazer trabalhos sobre “satanismo e homossexualismo” (sic). Propuseram um trabalho sobre missões evangélicas na África, totalmente fora do contexto temático, o que não foi aceito pela escola.

"O que tem de errado no projeto (da escola) são as outras religiões, principalmente o Candomblé e o Espiritismo, e o homossexualismo (sic de novo), que está nas obras literárias. Nós fizemos um projeto baseado na Bíblia". Essas palavras vieram de uma estudante da escola. Além do mais, estudantes se recusaram a ler obras literárias brasileiras (“O guarani” e “Macunaíma”, para citar dois referidos por um professor entrevistado) que, segundo eles, falavam de homossexualismo (sic mais uma vez). Então vou tecer alguns comentários sobre a atitude desses estudantes:

1) o candomblé faz parte da cultura de nossos antepassados (os meus, pelo menos, que sou negro). Achar que isso é coisa do demo, contra as leis de Deus etc., é muito perigoso. Vamos buscar a essência de cada religião e encontraremos o mesmo Deus, não importam os rituais, se há santos ou não. Há denominações diferentes. A religião deve agregar as pessoas, não jogá-las umas contra as outras, mas há pseudolíderes indo pelo lado oposto. O candomblé é do mal? Pode haver correntes do mal, como em qualquer outra religião, inclusive essa que fecha os olhos de seus seguidores ao respeito às diferenças religiosas e até mesmo sociais e raciais. A religião que o homem criou e vem estabelecendo ao longo dos séculos é vergonhosa. Foi uma das razões pelas quais eu me afastei de todas e resolvi seguir o livre arbítrio dado pela força divina para discernir o bem do mal, coisa que falta, infelizmente, a esses alunos, que seriam muito bem vindos em uma organização similar à Juventude Hitlerista na época da Europa nazista. Não é exagero, isso eu posso garantir.  Assim se formam os pequenos ditadores e futuros genocidas. Todos sabem muito bem como terminou aquela babaquice toda sobre "os judeus são a nossa desgraça". Imagine se institucionaliza-se o "todo praticante de candomblé é satanista" ou "todo espírita tem conclave com o demônio".

(O demônio, aliás, é tão citado por esses grupos fanáticos que questiono se o dito-cujo não deve estar feliz por juntar seu rebanho tão facilmente neste plano)

2) pelo pouco que conheço, vejo a doutrina espírita como a única que tem essência pacífica (relação ser humano-ser humano e ser humano-natureza), filosófica e fundamentalmente cristã, baseado na lei da causa e efeito, não importando suas crenças em reencarnação, mundos invisíveis etc. Também ali há Deus e Jesus Cristo, e pelo que li até agora, não vi nada desabonador aos olhos do Pai. Não sou espírita, mesmo porque alguns dos seu argumentos eu questiono, mas seus princípios na busca de uma unidade humana são perfeitos. Esses alunos mostraram sua total falta de tato pra lidar com o mundo, seguindo certamente o exemplo de seus pais e “líderes”, pois se fecharam em sua própria mediocridade ao virar a cara para o irmão diferente.

3) coitados dos que não conhecem pelo menos algumas obras literárias por terem essa visão tão limitada e preconceituosa. Se fizessem realmente projeto baseado na Bíblia, como propuseram em opção ao tema lançado pela escola, deveriam fazer também trabalhos sobre incesto, ganância, fratricídio, homossexualidade e adultério. Há essas referências no Livro Sagrado, ele não trata dessas situações, então se for pela presença dos temas, vamos todos queimar todos os livros do mundo. A argumentação usada pela aluna só denota pura preguiça de estudar, essa é a verdade. Depois não se sabe de onde vem tanta ignorância.

(Só queria saber se os pais desses alunos, que apoiaram tal manifestação de intolerância, assistem Big Brother, guardam revistas pornográficas, têm amantes ou falam de seus pares pelas costas, espancam seus filhos, enganam seus vizinhos e ainda se acham acima do bem e do mal e protegidos pela “glória de Nosso Senhor”, o qual com certeza não é o Criador)

Não expresso minha indignação por serem evangélicos, mesmo porque existe tolerância, sim, de vários grupos de evangélicos que interagem com outras religiões. Esses acabam sofrendo com a generalização. Eu a expressaria do mesmo jeito se tais bizarrices fossem proferidas por católicos, ateus, espíritas, budistas e quaisquer outros religiosos. Esse pessoal confunde evangelização com militarização em prol de uma guerra santa, o que por si só já vai contra os princípios da religião. Só me resta lamentar que tal mentalidade exista em pleno século 21, tantos séculos após a Idade das Trevas. E pelo jeito, com tantos outros exemplos que aparecem, vejo que a regressão da raça humana é fato inevitável.

Quem planta, colhe. Cada um que, depois, carregue a cruz pelos seus atos estúpidos. A minha eu sei que irei carregar, com orgulho e consciente.

sábado, 3 de novembro de 2012

Comentário: "Os pássaros" (The birds, 1963)


Ainda me lembro de quando assisti "Os pássaros", de Alfred Hitchcock, pela primeira vez. Foi na década de 1980, quando a Rede Globo exibia o Festival Hitchcock, que entre outros incluiu "Psicose", "Frenesi" e "´Topázio". Como eu era um moleque ainda, não conseguia ficar acordado até a hora do filme, mas descobri que meu irmão mais velho o havia gravado em VHS. Não contei conversa. Na primeira oportunidade, lá estava eu assistindo o drama de Melanie Daniels (Tipi Hedren), filha do dono de um grande jornal californiano, aprisionada na pequena cidade de Bodega Bay, na Califórnia, por uma série de repentinos e inexplicáveis ataques de todas as espécies de pássaros.

Ao final do filme, fiquei totalmente mudo e assustado, reação que tenho até hoje. Muitos não gostam do filme principalmente por dois motivos: efeitos especiais ultrapassados e um final sem explicação nenhuma. Digo que para assistir "Os pássaros" é preciso se transportar para a época em que o filme foi produzido. Na década de 1960, não havia efeitos espetaculares, mas o que vemos em "Os pássaros" foi um avanço para aqueles anos: cenários pintados incríveis, pássaros empalhados em meio a pássaros reais e montagens hoje muito óbvias. Mas para o público de 1963, era assustador. Hoje, é fichinha, mas Hitchcock estava à frente de seu tempo, e é algo a ser levado em consideração. Quanto ao final, a questão é: existe algo mais apavorante que testemunhar ataques de aves até então inofensivas e não conseguir encontrar a razão para isso? Essa foi a finalidade do diretor. Não é preciso ter uma explicação. Cada um que se apavore com suas teorias. O mundo estava um caos e nada mais tinha a aparência de inofensivo.

O bom humor de Hitchcock ficou evidente desde o início, no encontro casual entre Melanie e o advogado Mitch Brenner (Rod Taylor) em uma loja de pássaros em São Francisco. Ele a reconhece como a socialite que sempre saia em colunas de fofocas por seu comportamento, digamos, incomum e escandaloso, e resolve lhe pregar uma peça fazendo-a passar por uma verdadeira "saia justa" na lojinha. Em meio a discussões ferinas e encanto mútuo, Melanie vai à procura do advogado em seu refúgio dos finais de semana: a pequena Bodega Bay, onde Mitch tem uma fazenda na qual moram sua mãe viúva Lydia (a saudosa Jessica Tandy) e a irmã menor, Cathy (Veronica Cartwright, a Lambert de "Alien - o oitavo passageiro"). Na cidadezinha também mora a professora Annie Hayworth (Suzanne Pleshette), ex-namorada de Mitch, que se mudara para o lugar somente para ficar perto do advogado. Começa uma série de sutis conflitos entre Melanie e Lydia, uma mãe protetora e desconfiada. É quando iniciam gradualmente os ataques dos pássaros: primeiro contra Melanie em um barco, depois na festa de aniversário de Cathy, posteriormente na escola (uma das sequências mais tensas que já vi) até, finalmente, a família Brenner e Melanie ficarem encurralados na fazenda do advogado por milhares de pássaros. Cada um que explique suas metáforas.

Uma das melhores sequências é a do ataque a Bodega Bay. Ficou clássica entre os cinéfilos e admiradores de Hitchcock a cena em que a explosão de uma bomba de gasolina é vista de cima, do ponto de vista dos pássaros, que aos poucos começam a encher a tela, unindo-se para arremeterem contra os moradores da cidade. Uma pena que haja quem, hoje em dia, repudie essa obra-prima do cinema por motivos superficiais - para não usar um termo mais agressivo.

Houve uma sequência do filme, um pecado terrível que não deu certo, trazendo novamente Tipi Hedren no elenco, como uma dona de pousada. Essa pseudocontinuação era tão ruim que nem me lembro de nada do enredo, fora a presença da atriz (aliás, mãe de Mellanie Grifith). O original, primeiro e único para mim, tem lugar eternamente reservado na minha coleção.

VIAGEM: Cabaceiras, PB (06/04/2024)

Pela terceira vez viajei à Paraíba nas férias - e a primeira vez com meu marido Érico -, e essa foi a oportunidade de realizar um sonho, alé...