terça-feira, 11 de julho de 2017

FILMES: "O homem do prego" (The pawnbroker, 1964)

Sol Nazerman (Rod Steiger) é um judeu alemão de Leipzig que sobreviveu ao Holocausto, mas perdeu toda a família - a esposa Ruth, o casal de filhos e os pais. Vivendo agora com a cunhada em Nova York, na metade da década de 1960, ele sobrevive da loja de penhores que possui no Harlem. Fechado, frio e às vezes grotesco por conta de tanta insensibilidade com que lida com aqueles que procuram sua loja para "por no prego" algum bem em troca de algum dinheiro, ele usa essa crosta de desprezo para isolar e tentar esquecer o inferno que destruiu sua vida na Europa, um lugar que "fede", como ele retruca para a cunhada que o convida a passar um tempo de férias no Velho Mundo.



Esse é o fio condutor de "O homem do prego", um ótimo filme dirigido por Sidney Lumet que rendeu a Rod Steiger uma indicação ao Oscar - ele acabou levando o Bafta naquele ano. Nazerman o tempo todo é atormentado pelas lembranças mais terríveis do destino de sua família, que aparece logo no prólogo momentos antes de serem capturados e enviados a Auschwitz. O Harlem, como se percebe na sequência inicial onde Sol, após rejeitar o convite da família da cunhada para passar as férias na Europa, segue para sua pequena loja de penhores, lembra bastante os guetos europeus, com seu tráfego constante de pessoas, pedintes e vitrines repletas de calçados que remontam aos sapatos dos mortos reunidos no museu de Auschwitz.

Nesse ambiente, Nazerman utiliza a loja para lavar o dinheiro do mafioso Rodriguez (Brock Peters), sem saber exatamente sua origem. Ali também é visto como professor pelo latino Jesus Ortiz (Jaime Sánchez), seu jovem auxiliar dividido entre a oportunidade de aprender um novo ofício e o chamado do mundo da criminalidade. Outros personagens surgem em torno de Sol, os quais ele, em sua amargura e frieza, afasta com grosseria e desprezo, como Marylin Birchfield (Geraldine Fitzgerald), que flerta com o homem do penhor; Tessie (Marketa Kimbrell), outra sobrevivente do Holocausto com quem Nazerman mantém relacionamento e que na época do cativeiro fora esposa de um amigo dele, o qual não sobreviveu à perseguição; Mendel (Baruch Lumet), pai de Tessie, para quem a sobrevivência se tornou um fardo; e a prostituta namorada de Ortiz (Thelma Oliver), cujo assédio leva Nazerman a relembrar um dos momentos mais terríveis relacionados à sua esposa Ruth (Linda Geiser) durante sua captura e deportação - aliás, ambas as atrizes protagonizaram cenas de seios desnudos bem ousados para a época.

Tantas situações envolvendo criminosos e, posteriormente, um plano de assalto à loja de penhor orquestrado por Ortiz vão aos poucos minando a muralha de distanciamento e insensibilidade de Nazerman: ele testemunha um jovem negro tentar fugir de uma gangue, e isso lembra a morte do marido de Tessie em Auschwitz ao tentar fugir; a descoberta de uma das fontes de renda de Rodriguez dolorosamente lembra os estupros sofridos por Ruth logo após sua chegada ao campo de extermínio; e o metrô lhe força a imagem do vagão de gado onde foi mandado para Auschwitz com a família e centenas de outros judeus, onde acabou perdendo seu filho.


As lembranças vão se acumulando e surgindo em rápidos cortes, que aos poucos formam sequências inteiras. A partir daí fica mais compreensível a atitude de Nazerman, enquanto sobrevivente, em ser uma pessoa distante, na verdade um desiludido que parece existir por existir depois de tantos terrores. "Eu não sou discriminatório nem sectário. Preto, branco ou amarelo, são todos iguais... Escória. Rejeitados", afirma para seu auxiliar Ortiz, que o havia questionado sobre o fato de se referir a um cliente como "criatura" apenas por ele ser negro. Ou, como ele resiste com grosseria ao assédio da sra. Birchfield e esta lhe pergunta o motivo de ser tão amargo: "Eu sou um homem sem nenhuma raiva. Não tenho desejo de vingança pelo que foi feito comigo. Eu escapei das emoções. Estou salvo dentro de mim mesmo. Tudo que peço e quero é paz e tranquilidade"; "E por que não achou", pergunta Birchfield; "Porque as pessoas, como você, não me deixam!". Mas são as revelações da natureza involuntária do seu trabalho, entre outros fatores, que irão fazer ruir a muralha de frieza de Nazerman. Sem apelações nem clichês. Um filme forte e ao mesmo tempo sensível.

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